Jogo do título ou playoff
Na Alemanha, a CEO da Bundesliga já fala na introdução de um playoff para animar um campeonato onde o Bayern passeia. É uma má ideia. Mesmo que o jogo do título chegue em Fevereiro.
Sérgio Conceição já o avisou: “o jogo do título é sempre o último”. Ainda assim, até tendo em conta a forma, vamos concedê-lo, pouco brilhante, com que o FC Porto e o Sporting se desenvencilharam do Arouca FC e do FC Famalicão na jornada antes de se defrontarem, na próxima sexta-feira, na cimeira de topo da tabela, no Dragão, o clássico que aí vem é daqueles jogos que valem sete pontos e meio. Não vale só os três que estarão em jogo. Não vale só os seis que resultam da soma dos três que uma equipa pode ganhar com os três que a outra pode perder. Não vale só os sete que simbolicamente podem resultar da resolução do confronto direto a favor de uns ou de outros. Vale sete e meio, porque além disso há ainda a questão da vantagem mental que a manifestação de superioridade quando se entra para as últimas curvas do trajeto que acaba em Maio pode garantir a uma das equipas. E ainda estamos em Fevereiro.
É evidente que o FC Porto entra em vantagem – basta olhar para a classificação para o ver ali bem expresso. Segue seis pontos à frente e está a conseguir um campeonato absolutamente notável, com 59 pontos em 21 jogos, números que o mantêm na linha da super-equipa de André Villas-Boas, que em 2011 acabou a Liga invicta e cedendo apenas três empates – dois deles até à 21ª partida. Mas o Sporting não está fora da discussão e sabe que uma vitória no Dragão, na próxima sexta-feira, pode virar a mesa. Foi a ganhar o clássico da segunda volta que o Benfica de Bruno Lage e o FC Porto de Sérgio Conceição mudaram a história das Ligas de 2018/19 e 2019/20, nas quais chegaram a ter sete pontos de atraso para o campeão em título, mais ou menos por esta fase do campeonato. Foi por não ter conseguido fazê-lo, há um ano, que o FC Porto deixou fugir a possibilidade de se sagrar bicampeão em Maio passado: o empate a zero com o Sporting no Dragão permitiu que os leões mantivessem o ascendente mental de meio ponto que lhes permitiu ir gerindo a vantagem de pontos reais até ao fim da Liga, ganhando-a quando ainda faltavam dois jogos.
Do que é que se fazem as memórias dos adeptos? De grandes equipas, como a da Villas-Boas? Ou de grandes decisões, como esses clássicos que permitiram a Benfica e FC Porto virar duas Ligas que pareciam perdidas? Os adeptos recordam mais as estatísticas de Hulk, James, João Moutinho ou Falcao, nessa épica temporada de 2010/11, ou as vitórias conseguidas naquelas datas especiais, nos confrontos diretos? Os benfiquistas preferem recordar a virada de mesa no Dragão, em Março de 2019, graças aos golos de Rafa e João Félix? E os portistas preferem lembrar o 3-2 ao Benfica, em casa, faz amanhã precisamente dois anos, a reabrir a Liga que depois veio a ficar marcada pela interrupção causada pela pandemia? Creio que os adeptos se lembram, sobretudo, de sucessos, sejam eles consolidados ou claramente marcados numa data de calendário. E felizmente, dentro da nossa especificidade, a Liga Portuguesa até tem sido das mais abertas – tivemos três campeões diferentes nos últimos três anos, algo de que só a Espanha pode gabar-se, entre as maiores Ligas da Europa. Fazem, por isso, pouco sentido para nós as declarações de Donata Hopfen, a nova CEO da Bundesliga, que admitiu ao Bild a introdução de um sistema de “playoff” para evitar a resolução dos campeonatos de forma tão prematura como parece ir suceder mais uma vez, na Alemanha, com vantagem para o Bayern.
O adiamento da decisão das Ligas para o último jogo, à americana, teria algumas vantagens, como a manutenção da incerteza até final, mas também as suas desvantagens, como o retirar de alguma justiça ao veredicto ou até a desvalorização do percurso entre Fevereiro e Maio. Pesadas umas e outras, francamente, acho-a uma péssima ideia – e nem creio que o formato playoff seja mais atrativo para patrocinadores, porque se o tivéssemos ias ter as melhores equipas a jogar por coisa nenhuma durante os próximos meses, até a coisa ser a doer. Se a ideia é encontrar forma de evitar campeões crónicos, convém que as Ligas o façam de modo mais consolidado e não simplesmente à espera que uma escorregadela no último dia ou que uma indisposição no melhor jogador numa data específica venham promover a incerteza. O poder do dinheiro no futebol-indústria é uma inevitabilidade e só há duas formas de manter a paixão acesa. Ou se encontram formas de regular e limitar os mais poderosos – o que pode até nem ser possível do ponto de vista legal – ou se alarga o universo a mais poderosos, que possam competir com os poderosos que conhecemos. O problema da Bundesliga não é ter um Bayern muito mais forte do que todos os concorrentes – da mesma forma que o problema da Liga Portuguesa nunca será ter uma equipa tão boa como o FC Porto de Villas-Boas. Se há algum problema nas Ligas é não haver quem se equipare às super-equipas que vão criando. E é na busca desses rivais que as Ligas têm de trabalhar.
PS - Tal como sucedeu na semana passada, não consegui, ontem, terminar o texto acerca do Campeonato de Portugal de 1933/34. Peço mais uma vez desculpa pelo atraso. O texto seguirá entre hoje e amanhã e posso garantir que vai valer a pena ler.
Caro Tadeia. Já digo há vários anos que a solução para Portugal passa por uma solução hibrida. Portugal não consegue vender a liga porque ela não é atraente, pois apenas 10 a 15 jogos por ano é que são realmente vendáveis. Como podemos melhorar? Ter mais dinheiro para ajudar os clubesa? Mas onde vamos buscar o dinheiro que não temos? Não vamos.
A solução, digam o que disserem, é termos uma liga muito mais pequena. Termos uma liga com 12 equipas iriamos ter 22 jogos e depois, teriamos uma segunda fase em que os 6 primeiros iam disputar o título com mais 10 jogos. Isto ia reduzir o número de fatias do bolo, permitindo uma fatia maior a cada um.
O que é que acontecia com os clubes pequenos? Infelizmente não podemos achar que podemos ter 18 equipas profissionais na primeira liga mais uns 18 na segunda liga e todos a serem competitivos. Desculpem mas não consigo acreditar nisso. Depois vamos à champions e as nossas melhores equipas levam 4 ou 5 de cada vez quando apanham uma equipa melhorzinha.
Os play-offs no desporto americano funcionam porque há muito equilíbrio entre as equipas devido aos tetos impostos e às regras do draft, e também porque falamos de campeonatos com muitas equipas (32), e que portanto obrigam as equipas na fase regular a dar ao litro para se apurarem nas suas confederações. Não é o caso do futebol europeu que não sendo limitado convive bem com a realidade David-Golias, e onde a regularidade é mais importante que o estrelato. Um modelo play-off só se justificaria talvez numa ideia de apuramento de campeão (como o belga) em que se formaria um grupo por exemplo com os 4 primeiros num modelo de jornadas, mas onde contasse a ponderação da fase regular.