De Amorim aos VMOC no Sporting
É sem espanto que ficamos a saber que todos os candidatos ao Sporting querem manter Amorim. Mas o que me interessa saber de Varandas, Sousa e Oliveira é que plano têm para recomprar os VMOC à banca.
Estão aí a rebentar as eleições do Sporting, há três candidatos e estranhamente – ou não, que o turbilhão mediático tem sempre destas coisas... – aquilo que se lhes ouve ou lê através dos títulos dos ‘mass media’, é que tencionam manter a confiança em Rúben Amorim. Como se alguém que no universo leonino viesse dizer algo de diferente nesta altura não merecesse internamento imediato. A grande questão para o tempo que aí vem no Sporting, no entanto, não é essa. A grande questão nem sequer deve ser se o clube quer ou não efetuar a recompra da sua dívida à banca, pelo menos aquela que está sob o formato de VMOC – Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis –, porque todos os candidatos dirão evidentemente que sim. A grande questão é se este modelo de gestão, que garantiu títulos, tem condições para levar o clube a esse desiderato. E é quando chegamos aí que tenho dúvidas.
Publiquei anteontem o segundo artigo acerca dos donos da bola no futebol mundial, no qual detalho o tecido societário dos 20 clubes da Serie A italiana. Esta série de artigos já tinha sido iniciada na semana passada com o primeiro texto, referente aos 20 clubes da Premier League inglesa, e continuará nas próximas semanas, com a divulgação de mais realidades, para que no final possamos todos ficar com uma radiografia vasta acerca do poder da alta finança no futebol. Estes artigos provocam nos leitores as mais diversas reações. Há quem conteste este domínio crescente do capital sobre o universo do desporto, ainda que sem partilhar connosco, comuns mortais, qual seria a forma legal para imunizar a altíssima competição contra a economia global. Como há quem lamente que estes grandes magnatas da bola ainda apareçam pouco por cá, a pensar mais no que fariam os seus clubes com os milhões que entram – como se, com raríssimas e nem sempre bem acolhidas exceções, a ideia destes investidores não fosse reaver todo dinheiro com ganhos substanciais. Enfim, há sempre aqueles que procuram simplesmente lavar dinheiro de origem criminosa ou fazer limpeza da imagem internacional de estados autoritários, mas isso também não é coisa que agrade a muita gente.
Na verdade, ainda que os clubes portugueses possam ser uma espécie de galinha dos ovos de ouro, um portal estranhamente acessível para a alta roda do futebol europeu, são ainda poucos os casos de gente que se tenha apercebido como fica barato investir aqui e como não será igualmente muito caro chegar a uma competição europeia de forma consolidada através da ainda insípida Liga Portuguesa. Bem mais complicado, contudo, pode ser comprar um grande clube – neste caso a sua SAD. Pois bem, no Sporting isso pode estar à distância de quatro anos, que é quanto dura o prazo para o clube exercer o seu direito de recompra – com desconto substancial – dos tais VMOC, que dão entrada direta no capital da SAD. Estamos a falar de muito dinheiro: mesmo com o desconto negociado com a banca e deixando de lado a parte da dívida não transformada em VMOC, os leões precisarão de canalizar para ali o equivalente à receita de uma boa Liga dos Campeões. Ou de fixar um plano de recompra com mais dívida. Ou, em alternativa, de abrir o domínio da sua SAD ao capital – e ainda recentemente circularam notícias acerca do interesse dos donos do Liverpool FC na compra destes títulos, sobre os quais, no entanto, o Sporting tem direito de preferência.
É evidente que, em campanha eleitoral, tanto Frederico Varandas, como Nuno Sousa ou Ricardo Oliveira vão dizer que tencionam recomprar estes VMOC, que o clube tem até 2026 para reaver. A questão aqui, no entanto, é outra. É como tencionam eles fazê-lo. De onde virá esse dinheiro? O modelo no qual tem vindo a funcionar a SAD do Sporting, com a compra de metades de passes de jogadores de enorme potencial a valores elevados (o Sporting pagou 7,8 milhões de euros por 50% do passe de Edwards, por exemplo), garante três coisas das quais aparentemente toda a gente sai a ganhar:
– permite aos jogadores subir um patamar e ganhar visibilidade internacional;
– torna o negócio atrativo para os clubes que vendem, na perspetiva de poderem um dia vir a registar mais valias com a metade de passe que continuam a controlar (e isto tem sido mais notório nos negócios com o FC Famalicão, que ainda tem 50 por cento de Pedro Gonçalves e outro tanto de Ugarte);
– e, porque o Sporting fica com metades dos passes mas 100 por cento do usufruto, permite a Rúben Amorim ver premiado o acerto total que tem conseguido no recrutamento com a melhoria substancial da equipa e a conquista de títulos.
Confiando na capacidade de escolha de quem manda – e sim, aqui o ideal é ser sempre o treinador a escolher, porque ele é que sabe o que procura e do que precisa para o futebol que engendrou – este é um modelo genericamente próximo do ideal. Não colhem os argumentos segundo os quais é preocupante o Sporting não saber o que fazer depois de Amorim, porque a única resposta válida seria tornar Amorim irrelevante enquanto ele lá está. E isso ninguém no seu perfeito juízo quererá fazer.
A situação do Sporting, no entanto, não é genérica. O Sporting está a tentar recuperar de muitos anos de gestão irresponsável, durante os quais os buracos foram sempre sendo tapados com a contração de mais dívida ou com a geração de mais-valias em transferências internacionais de jogadores. E estas, quando se controlam apenas 50 por cento dos direitos económicos, nunca serão tão grandes. O plano de Varandas precisa de duas coisas para funcionar. Uma é que Amorim – ou quem um dia o substitua – continue a acertar. A segunda é que a equipa de futebol continue a ganhar. É verdade que, no médio prazo, a coisa pode funcionar – três anos seguidos de Liga dos Campeões, por exemplo, ajudariam muito. E que, até hoje, ninguém apareceu com um plano melhor. Mas era isto que gostaria de ver respondido pelos três candidatos às eleições do Sporting.
O Sporting não voltará aos tempos brunistas. Essa é uma evidência dos novos tempos.