Identidade e desconforto no clássico
O FC Porto-Benfica sorriu a quem quis ser igual a si mesmo, castigando quem escolheu deixar jogadores em situações mais desconfortáveis. E ficou tudo mais difícil para Jesus.
A superioridade clara do FC Porto sobre o Benfica no clássico de ontem e o facto de Sérgio Conceição ter sido coerente na forma como apostou nas suas maiores armas, enquanto que Jorge Jesus tentou encaixar a sua equipa na do adversário, levando jogadores para zonas de claro desconforto, marcaram a atualidade futebolística pré-natalícia. Mas insisto: os clássicos de 23 e 30 de Dezembro jogam-se um de cada vez mas têm de ser vistos em conjunto. Após a vitória enérgica de ontem, os portistas vão comer as rabanadas com outra alegria. Depois dos erros de ontem, Jesus pode até já estar a pensar no quentinho que faz no verão carioca. Mas as decisões ficam para a passagem de ano.
Ontem, só deu FC Porto, com dois golos em bolas paradas na baliza de Helton Leite antes de estar toda a gente sentada nas bancadas. Eu próprio ainda estava a ajeitar-me no sofá, onde me sentei acabado de jantar e vi logo entrar o 1-0. E falar da influência de dois golos tão cedo não é desculpa – é constatação. O jogo veio premiar a coragem de Sérgio Conceição, que manteve os três da frente em vez de recuar as bases do seu jogo para proteger o talento de Vitinha com mais um médio. E castigou Jesus, que repetiu o escalonamento assumido contra o Sporting – Darwin a jogar como avançado de referência para equilibrar o meio-jogo e André Almeida como central pela direita, desta vez com a missão de seguir Díaz – e voltou a apanhar três. Mas estes foram um prémio e um castigo de base filosófica, que aqueles dois golos não dependeram de variáveis táticas e sim do, como Jesus gosta de chamar-lhe, quinto momento do jogo.
Sim, os dois avançados do FC Porto foram decisivos na forma como carregaram para atacar as bolas divididas que originaram o 1-0. Sim, o talento de Vitinha foi decisivo na forma como mediu ao milímetro o remate que valeu o 2-0, na nesga entre a cabeça de Otamendi e o poste mais distante. Mas foram duas bolas paradas, que tanto podiam ter entrado com o Benfica a jogar em 3x5x2, 3x4x3 ou 4x4x2. Que tanto podiam ter dado golo com o FC Porto a entrar com os dois avançados ou com o tal médio suplementar. O que estava ali em causa era o foco. E era a mensagem. E atenção que aqui nem estou a referir-me à novela protagonizada entre Jesus e os dirigentes do Flamengo, que ontem estiveram no Dragão. Refiro-me a outra coisa muito diferente.
Na cabeça dos adeptos, que vivem os clubes nas 16, 18 horas por dia em que estão despertos – e às vezes ainda em sonhos – o facto de Jesus ter recebido os dirigentes do Flamengo em casa para conversar, mesmo que acerca de um contrato futuro, desestabiliza a equipa. Não é verdade. Não é verdade porque o treinador não o fez em período de trabalho. E, metam uma coisa na cabeça: no futebol de hoje, os jogadores treinam e desligam. Muitos deles não sabem sequer a classificação da Liga e só percebem contra quem vão jogar a seguir quando a equipa técnica lhes dá a preleção em vídeo – e já agora que seja curtinha, para não dispersarem. A novela-Flamengo não afetou o trabalho da equipa e não desviou o foco dos jogadores nem do treinador do jogo, pela simples razão de que os primeiros já não estão focados a não ser quando entram em campo e o segundo repetiu as opções táticas do clássico anterior, ainda que trocando Vlachodimos por Helton, Lázaro por Gilberto e Everton por Taarabt – o que, sejamos honestos, transformou o 3x4x2x1 num 3x1x4x2, mas não anulou o desconforto de alguns jogadores, especialmente Darwin e André Almeida.
Quando digo que o que esteve em causa foi a mensagem, refiro-me à mensagem não verbal que se transmite à equipa através das escolhas. Já expliquei ontem que a maior vantagem do FC Porto dos dois avançados é defensiva, porque define as linhas de pressão mais à frente. Mas ao escolher Taremi e Evanilson, mantendo a confiança num superlativo Vitinha apenas com Uribe ao meio – e confiando na presença de Otávio para equilibrar –, Sérgio Conceição fez chegar aos jogadores a ideia de que este era só mais um jogo, de que tinha confiança no plano quotidiano. E ao incluir Taarabt em vez de Yaremchuk com a ideia de reforçar atrás, Jesus estava a “pedir cautela” aos jogadores, como que a dizer-lhes que este era um jogo do qual deviam ter receio. Essa foi a mensagem que tolheu os movimentos de uns e soltou outros e que também pode ter levado uns ao foco e à ambição e outros a uma entrada desfocada e medrosa. Ou alguém acha que os jogadores do Benfica reagiram tarde às duas bolas paradas porque estavam a pensar em Jesus e no Flamengo?
Tal como já lhe aconteceu outras vezes – fui só eu que me lembrei de David Luiz a defesa-esquerdo no Dragão? – Jesus perdeu quando mudou, da mesma forma que ganha com mais frequência quando aposta na coerência. O resultado – e a exibição – de ontem deixam-no em maus lençóis, mas mantenho que esta não é a altura de tomar decisões, até porque nenhum treinador que entrasse agora, com o Natal pelo meio, poderia fazer nada de diferente a tempo do jogo de dia 30. Depois, sim. A seguir ao FC Porto-Benfica da Liga, os encarnados terão dois jogos em 17 dias, as receções ao FC Paços de Ferreira e ao Moreirense. Tendo conseguido apurar-se para os oitavos-de-final da Champions e para a Final Four da Taça da Liga, Jesus pode resistir à eliminação da Taça de Portugal e até à manutenção da distância na Liga, mas tudo isso somado à época de 2020/21 sem ganhar nada e à pressão do Flamengo significa uma coisa muito simples: de hoje a uma semana, se não consegue pelo menos empatar – e só a ganhar acalma a contestação –, Jesus está fora.
Nessa altura, até pode aguentar, se ficarem todos à espera uns dos outros a ver se há indemnizações a pagar. Mas estará fora.
O JJ sempre trabalhou muito bem o 442. E assim tao inviável apostar num 442 com Joao Mario como interior direito, Paulo Bernardo no centro, Rafa na esquerda e na frente Darwin e Yaremchuk...Com Darwin e Rafa a alternarem posições e movimentos? Pergunto isto porque creio que a equipa melhoraria bastante e ainda para mais sem Verissimo nao se justificam os 3 atras...
Claramente de acordo !! Parabéns pelo texto, até eu que acreditava que mesmo perdendo os 2 jogos ele não saía, agora já penso de outra maneira porque se perder o próximo jogo( ainda por cima da maneira que vimos ontem) acho que para o Rui Costa será impossível mantê-lo com tanta contestação que vai ter. É esperar pelo dia 30 e ver o que JJ tem para nos dar. Ainda tive alguma esperança que ele apostasse no Yaremchuk ao lado do Darwin como o António disse ontem no futebol de verdade, mas mal vi a composição da equipa percebi logo ao que vínhamos, a equipa vem de um jogo muito bem conseguido com Yaremchuk e Darwin e o treinador muda a composição para 3 médios como que a passar uma mensagem à equipa de que isto é para conter e não para atacar desde o 1 minuto de jogo como as equipas de Sérgio fazem sempre em campo e é isso que falta a este Benfica desde que JJ chegou ao Benfica, nunca foi uma equipa com uma identidade e ainda está á procura dela. Enfim. Parabéns pelo texto e continue assim 👏 cumprimentos