Onde se jogam os clássicos
Nem a pressão está só de um lado nem a conversa à volta dos treinadores será o mais importante destes FC Porto-Benfica. Espaço aos jogadores e às escolhas que se farão para os deixar respirar.
O FC Porto-Benfica desta época festiva joga-se em duas partes, a primeira hoje e a segunda daqui por uma semana. É impossível separar um jogo do outro, porque são seguidos e porque, apesar de contarem para competições diferentes, vão acumular êxitos ou fracassos na bolsa dos dois treinadores – que ainda por cima não poderão sentar-se hoje no banco. Nesse aspeto é quase como a tradição antiga do futebol britânico, em que o treinador via a primeira parte na tribuna de honra e só ao intervalo baixava ao relvado. O jogo de hoje – ou melhor, a parte de hoje... – será por isso muito mais dos jogadores do que dos treinadores. De Díaz ou Rafa. De Darwin ou Vitinha. E das escolhas que os treinadores fizerem para que eles possam vir a revelar-se decisivos.
A pressão em cima dos treinadores existe nos dois lados. Sobre a novela que envolve Jorge Jesus, o Benfica e o Flamengo, já escrevi ontem e nenhum comunicado oficial, entrevista ou mensagem de Whatsapp veio negar o que vos deixei nesse Último Passe. O Benfica lembrou em comunicado que Jesus “tem contrato” e “está focado nos objetivos desportivos do clube”, mas não quis pôr um ponto final no enredo, dando o passo seguinte, que era uma espécie de renovação dos votos matrimoniais para lá de Maio, e até autorizou o treinador a conversar com o pretendente. O Flamengo continua a afirmar que quer levar Jesus, mas Marcos Braz diz que não apresentou uma proposta formal, preferindo antes esperar até ao final do mês para ver como as coisas evoluem. E Jesus respondeu por Whatsapp ao Globo, dizendo que não pode sair “agora”, mas não negando as conversas nem dizendo o que verdadeiramente lhe apetece. Todos estão à espera – não só do jogo de hoje, mas dos dois clássicos que vão animar-nos as festas.
Enganam-se, contudo, os que pensam que isto afeta a equipa do Benfica, que lhe causa uma qualquer instabilidade, ou os que julgam que a pressão está só do lado dos encarnados. Este tipo de novelas pode afetar o rendimento de uma equipa se impedir o grupo de trabalhar – e naquela hora e meia diária de trabalho não creio que isto seja tema – ou se implicar que os jogadores deixam de acreditar no treinador ou no processo. Isso, mais uma vez, só acontecerá com a equipa que sair por baixo destes dois clássicos. E tanto pode acontecer no Benfica como no FC Porto. É verdade que um desaire na Liga pesará mais para o Benfica – que ficaria a sete pontos dos dragões e eventualmente dos leões também, se estes vencerem o seu jogo – do que para o FC Porto – que na pior das hipóteses ficará sempre um ponto à frente das águas e a três dos campeões nacionais. Mas as contas fazem-se no dia 30 e abarcarão os dois jogos, na contagem de frentes nas quais se está e no que a presença dos treinadores significa em termos de futuro.
Convém não esquecer que, depois de uma época de 2020/21 frustrante – nos dois lados – Jesus está atrás de Conceição na Liga mas continua na Champions e na Taça da Liga, provas das quais o FC Porto já saltou fora. Para os dois treinadores estará em jogo – hoje e de hoje a uma semana – a hipótese de ganhar alguma coisa esta época, mas também a possibilidade de liderarem os projetos no médio e longo prazo. Se no caso do Benfica a novela já está em desenvolvimento, no caso do FC Porto a eventualidade de um segundo ano sem troféus pode significar que Sérgio Conceição não é o líder de que este grupo precisa, por ser um grupo de perfil diferente daqueles que ele brilhantemente transformou em campeões em 2018 e 2020. No início da época, apontei o FC Porto como ligeiro favorito para a conquista desta Liga, por ser a equipa com maior margem de crescimento. A equipa tem respondido globalmente bem – está à frente da Liga, pois então. Mas o treinador também precisa de ganhar troféus em 2022.
Para isso, lá, está, foco nos jogadores. Quem vai prevalecer? Díaz ou Rafa? Darwin ou Vitinha? A escolha das principais figuras das duas equipas já deixa perceber as diferenças entre elas – mais velocidade no Benfica, mais arte no FC Porto. Os jornais têm-se enchido de odes aos muitos golos de Darwin e às assistências de Rafa, à forma como o uruguaio é capaz de ferir no ataque à profundidade – sobretudo quando tem Yaremchuk a preencher o espaço central – e como o português acelera o jogo entre linhas, com a sua condução em velocidade que é tão difícil de travar. No entanto, contra o Sporting, no último clássico deste Benfica, ambos se ficaram pelo anonimato, fruto da forma como os leões lhes roubaram a profundidade e o tal espaço entre linhas. Do outro lado, os elogios têm caído sobretudo na capacidade de Díaz para transformar banais lances de um para um em golos – como fez no clássico de Alvalade, por exemplo – ou como Vitinha tem transformado o meio-jogo dos dragões, com filigrana e trajetórias menos vulgares em vez do vulgar trabalho de sapa. Mas estará Conceição pronto para apostar nele num jogo destes? Quererá o treinador do FC Porto manter dois atacantes e uma primeira linha de pressão forte – o que significa que, se escolher Vitinha, só terá um médio para preencher o tal espaço de Rafa – ou preferirá abdicar de um deles, para contrariar a força do adversário.
É nesses pequenos detalhes que se vai jogar o clássico de mais logo – e, depois, o da semana que vem. O resto é mesmo só conversa.