Esvaziar o balão
Portugal ganhou à Turquia, jogou muito bem e já parece outra vez ser o mais forte candidato a campeão do Universo. É altura de esvaziar o balão, com a ajuda de Bernardo Silva, que foi o Homem do Jogo.
A vitória (3-0) de Portugal contra a Turquia, a garantir desde já o primeiro lugar do Grupo F, foi um bom sinal de vida dado pelo grupo no regresso a uma estrutura-base na qual se sente bastante mais confortável, mas não é prova de crescimento da equipa em relação ao que tinha mostrado na estreia, contra a Chéquia. Tem toda a razão Bernardo Silva na avaliação sempre clarividente que faz do futebol quando diz que os dois jogos foram bastante diferentes, pois os adversários colocaram problemas igualmente diferentes. “Não dá para comparar este jogo com o primeiro”, disse o médio, eleito pela UEFA como Homem do Jogo. E tê-lo-á sido, muito por ter sido do pé esquerdo dele que saiu, aos 22’, o golo que motivou a mudança da partida, por ter colocado a seleção nacional em vantagem. Antes, Aktürkoglu tinha desperdiçado uma boa chance de adiantar a Turquia, na sequência de um lance no corredor direito turco, no qual Çelik, o lateral, fugiu à vigilância de Leão e encontrou uma boa posição de onde podia lançar o pânico na área de Diogo Costa. A esta hora, provavelmente já ouviram e leram que assim que Martínez acabou com as invenções e voltou ao 4x3x3 de que nunca devia ter abdicado, a seleção voltou a jogar bem e arrasou. Respeito, até acho que a base em 4x3x3 facilita a ideia de jogo e as diversas dinâmicas que esta equipa põe em campo, mas discordo em absoluto da associação direta entre a mudança de estrutura e a melhoria da equipa. O que os dois jogos de Portugal permitiram perceber é que das três hipóteses com as quais pode ser confrontada – adversário em bloco baixo, em bloco médio ou em pressão alta – Portugal lida pior com a primeira, que foi a apresentada pela Chéquia. Continua Bernardo Silva: “No último [jogo], defrontámos uma equipa que defendia muito baixo, numa linha de cinco. Agora jogámos com uma que atacava mais e nos dava mais espaços nas costas”. Há aqui uma simplificação talvez excessiva, porque o jogo de ontem nos mostrou duas Turquias, mas aquilo era uma “flash” e não uma “long-interview”. Alongando o pensamento, a grande diferença entre os dois jogos não foi o regresso ao 4x3x3 mas sim o posicionamento do adversário – e, sim, a forma como ele se adequou às ideias de Martínez. Apesar do regresso ao 4x3x3, Portugal continuou ontem a ter os laterais por dentro. Mais Cancelo, que em organização ofensiva se colocava perto de Vitinha, no círculo central, ou se aproximava, por dentro, de Bernardo Silva, convidando Bruno Fernandes a baixar. Apesar do regresso ao 4x3x3, Portugal continuou ontem a apresentar uma linha de cinco atrás no momento defensivo, com o recuo de Rafael Leão para conter as subidas de Çelik – sobretudo depois do tal lance em que o lateral turco criou a primeira situação de golo da partida. O que o 4x3x3 faz é facilitar o desdobramento da equipa, que apesar de ter menos um atrás ontem pareceu muito melhor a defender do que a atacar, muito graças ao encaixe perfeito dos homens da frente na saída turca, gritando a quem estava a ver a falta de qualidade do eixo mais recuado da equipa de Montella, tanto com bola como sem ela. O que o 4x3x3 pode fazer é permitir que no cinco da frente na organização ofensiva portuguesa haja mais gente com predisposição para invadir a área. Mas nem foi por isso que a presença na área ontem aumentou. Até porque o cinco da frente em momento ofensivo foi exatamente o mesmo: Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Cristiano Ronaldo, Nuno Mendes e Rafael Leão. Portugal teve ontem mais presença na área – e o primeiro golo é disso um bom exemplo – por duas razões. Primeiro, porque Martínez certamente terá dito aos jogadores que tinham de chegar mais a zonas de finalização. Depois, porque o posicionamento do adversário vinha favorecer a criação de desequilíbrios e desencadear os sprints de mais gente para a frente da baliza. Portugal jogou bem? Sem dúvida. O adversário foi o mais adequado? Também, tanto no início em bloco médio, incapaz de sair da pressão alta feita pelos nossos jogadores, como depois, quando tentou subir a pressão e abriu crateras imponentes atrás da sua última linha. Diz o aforismo que “só se pode vencer o adversário que se tem pela frente” e isso a seleção portuguesa fez. Mas nem era a pior equipa em prova depois do primeiro jogo nem é campeã do Universo após o segundo.
O jovem Pepe. Não se viu nas imagens, mas ouviu-se bem a risota de Pepe quando, na flash-interview da RTP, o Marco Hélio se lhe dirigiu como “o jovem Pepe”. Aos 41 anos, o mais português dos naturais de Maceió acabara de assinar uma exibição portentosa de segurança defensiva no jogo contra a equipa que se apresentava como a maior força atacante do Grupo F, a Turquia. Foi ao ponto de, pouco antes de ser substituído, de certa forma para permitir o tributo de todo o estádio – sim, todo, porque os turcos, pelo menos os do Besiktas, onde ele jogou, ainda o veneram – três cortes consecutivos de bolas enviadas para a área de Portugal terem sido pontuados com ovações entusiásticas. Pepe parecia atrair a bola quando ela era cruzada, mas esteve sempre também perfeito na definição dos tempos de interceção ou de chegada para fazer dobras aos companheiros de setor. Antes do jogo, tinha as minhas dúvidas acerca da escolha de Pepe, sobretudo por entender que ter um pé esquerdo na construção ia ser fundamental para superar a primeira linha de pressão turca. Pepe, como faz sempre, deu a resposta em campo, mostrando-se acima das dúvidas tanto até aos 2-0, quando o bloco turco esteve mais atrás, como depois, quando o adversário subiu as linhas e a pressão e o espaço passou a ser econtrável noutro local. Lembro sempre o último Mundial, quando não o coloquei na minha convocatória, porque ele tinha estado lesionado por muito tempo e não dava garantias, mas ele acabou por ser dos melhores na campanha do Qatar. E agora já ponho tudo em dúvida. Inclusive a ideia de Pepe ser poupado contra a Geórgia, porque aquilo que se vê é um jogador em crescendo, a melhorar a cada 90 minutos que faz em campo. Valerá a pena cortar este ciclo? Só o corpo de Pepe tem a resposta.
Ronaldo e os invasores. O primeiro abriu-lhe um sorriso rasgado e fê-lo abrir os braços para o acolher. Era uma criança, não teria mais de dez anos, e ainda consegue admirar-se-lhe o arrojo de saltar para o relvado sozinho, fintar os seguranças com um par de zigues e de zagues, chegar a Ronaldo, que estava a uns bons 40 metros da linha lateral – e a distância, ao contrário do que possa pensar-se, é fundamental, para ganhar no sprint o tempo necessário para a selfie – e sacar do telemóvel para fazer a fotografia-prémio ao lado dele. A coragem de uma criança enfrentar o desconhecido pode até levar ao orgulho. A UEFA não mostra as invasões de campo nas transmissões – cujas realizações não são feitas pelas TVs de cada país, é bom lembrar – e isso acontece por uma razão. Para não encorajar os que estão a ver em casa a repetir a coisa quando, por sua vez, também eles estiverem no mesmo espaço que os ídolos. Mas os que estavam ontem aqui, em Dortmund, não podem senão ter-se sentido encorajados pela forma como Ronaldo acolheu o petiz. “O tipo é mesmo fixe. Vou lá também!”, imagino-os a dizer aos amigos com quem foram ao jogo. Calhou ter o olhar na zona onde estava Ronaldo quando da bancada saltou o segundo invasor. Era já um marmanjo, para lá de adolescente, mais alto até do que o capitão português. E aqui a reação do CR7 já não foi de simpatia. Deu uma meia-volta sobre si mesmo, ao mesmo tempo que batia com ambos os braços, hirtos, na zona da anca, em sinal de irritação, como se tivesse falhado um golo fácil. Ao segundo seguiram-se um terceiro, um quarto e, já depois de o jogo acabar, um quinto e um sexto. Os seguranças foram substituindo o cuidado com que removeram o primeiro, a criança, por abordagens um pouco mais brutais, também elas fruto da irritação de não serem capazes de fazer o seu trabalho em condições. O fenómeno das invasões de campo, justificado por esta geração em nome da normalização da selfie – “se não tens uma selfie, então não estiveste lá” – é preocupante e, tal como explicou Roberto Martínez no final do jogo, não é só porque trava o ritmo dos jogos. É que um destes dias corre mesmo muito mal.
Entrelinhas
Ronaldo, Laporte and the rest proving Saudi sideshow has a place on big stage, artigo de Jonathan Liew, no The Observer, convertido à relevância de alguns dos 14 jogadores da Liga saudita no contexto europeu.
Albania, uma canción y el fútbol em honor a los abuelos, artigo de Juan I. Irigoyen, no El País, conta o papel de uma canção na agregação desta geração de jogadores albaneses, quase todos nascidos fora do país.
Le chef de coeurs, artigo de Emery Taisne, no L’Équipe, sobre a liderança e a estratégia motivacional de Julian Nagelsmann na seleção alemã.
England dropping deep after taking the lead: why it happens and why it is a problem, análise de Liam Tharme e Jack Pitt-Brooke, no The Athletic, acerca do retraimento da equipa inglesa depois de estar em vantagem.
The four changes that may have turned Belgium back into contenders for Euro2024, é uma análise de Michael Cox às alterações feitas por Domenico Tedesco no onze da Bélgica. No The Athletic.
Long-range belters, mishaps and late shows are on trend, compilação de Luke McLaughlin no The Observer de golos de longa distância, autogolos e golos tardios nesta edição do Europeu.
Italia, vai in pressing, opinião de Cesare Prandelli, na Gazzetta dello Sport, acerca da forma como a Itália deve abordar o jogo com a Croácia.
Fábian the fabulous is beating heart of Spain’s next generation, artigo de Sid Lowe no The Observer a propósito da influência de Fábian Ruiz nesta equipa de Espanha.
Les places sont chères, é um ponto de situação feito à seleção francesa por Anthony Clément, Hugo Delom e Loïc Tanzi, no L’Équipe, explicando por que é que a França não revolucionará o onze contra a Polónia.
El tiqui-taca com pitones, crónica de Alfredo Relaño, no El País, acerca da mudança de estilo da seleção espanhola.
Euro2024 is not a rebellion against Pep Guardiola’s football – it’s a vindication of his ideas, é uma viagem de Sam Lee, no The Athletic, às ideias de Guardiola e à influência que elas têm no campeonato.
Até que ponto vale a pena querer construir uma equipa com um elemento que lá tem de estar - Rafael Leão - que na seleção é apenas mediano ou nem se dá por ele. Ou pior, dá-se, na tentativa de trazer de volta a fama de simulador do jogador Português, porque a batota de Leão neste torneio já lhe valeu dois amarelos, um castigo e o que deve ser considerado uma vergonha nacional.
Não vi nem tenho planos para ver o cLube privado.
Agora, em referência ao seu comentário para o jovem só me ocorre dizer que quando chegarem as seleções mais fortes veremos o desempenho, claro que o carinho e a hierontahuone ajudam, como ajuda o seremos fofinhos