Está montado o circo de Natal
Lembram-se de ver algum FC Barcelona-Real Madrid sem os dois treinadores? E um Juventus-Inter? Também não? A culpa não é da justiça desportiva. É de quem a deixa andar à solta numa casa de malucos.
O principal foco de atenção na jornada de ontem da Taça da Liga não foi o apuramento do Benfica ou a eliminação do FC Porto. Da segunda já se sabia, da mesma forma que se antevia que nem com uma formação super-secundária os dragões iriam ser goleados em casa a ponto de impedir o Santa Clara de seguir para a “final four”. E a primeira, se se adivinhava, tornou-se ainda mais provável com a expulsão de um jogador do SC Covilhã durante a primeira parte. Mas o principal foco de atenção na jornada de ontem da Taça da Liga foi a ausência dos dois treinadores dos grandes nos bancos. Nem Jorge Jesus nem Sérgio Conceição. Como vêm aí dois FC Porto-Benfica, a 23 e 30 de Dezembro, é legítimo que se diga que já está montado o circo de Natal na justiça desportiva.
É evidente que os dois clubes começaram desde o início a tentar provar que estão a ser muito seriamente prejudicados – e para isso contam com o absurdo que é, de facto, ter suspensões decretadas dez ou seis meses depois dos factos. Conceição enfrenta um castigo por causa de declarações proferidas em Fevereiro, na sequência do B SAD-FC Porto, enquanto que Jesus está no banco dos réus devido ao que disse depois do Benfica-FC Porto, realizado em Maio. Sucedem-se comunicados, intervenções inflamadas de comentadores-adeptos, tentativas de retirar benefício moral de algo que tanto um como o outro lançaram sobre si próprios. Mas basta ter visto meia dúzia de séries policiais manhosas na televisão para se saber que todo o crime tem sempre um motivo por trás – e que a procura desse motivo é fulcral na descoberta dos malfeitores. Qual seria, então, a motivação do Conselho de Disciplina da FPF? Quereria prejudicar quem, se com a sua atuação está à beira de retirar os dois treinadores do banco no clássico?
A única prejudicada aqui é a Liga, que mais uma vez corre sérios riscos de passar uma imagem patética do nosso futebol para os poucos tele-espectadores que ainda a veem no estrangeiro e que, com as mensalidades dos canais Premium que pagam, contribuem para a entrada de mais algum dinheiro nos sempre depauperados cofres dos clubes. Pensem bem. Lembram-se de ver algum FC Barcelona-Real Madrid sem os dois treinadores? E um Borussia Dortmund-Bayern? Um Juventus-Inter? Um Liverpool FC-Chelsea? Não, pois não? Era aí que queria chegar. Mas se a justiça desportiva quisesse de facto beneficiar um e prejudicar outro, nesse caso só teria castigado um e deixaria o outro para depois. E é aqui que entra o argumento do Benfica, que, pasme-se, já não é o de a justiça desportiva ser muito lenta, mas sim o de ser demasiado rápida. Então, por que razão é que o castigo a Conceição demorou dez meses e o de Jesus “só” demorou seis?
A ver se nos entendemos: dez meses, seis meses, é sempre demasiado. Nisso têm razão os dois clubes. Mas esse, até ver, não é um problema da justiça desportiva em particular. É um problema da justiça em geral, que tem sempre de obedecer a prazos processuais, audição de testemunhas, deixar esgotar prazos de recursos e por aí a fora, num labirinto de que nós, os cidadãos comuns, só nos queixamos quando nos toca mas que é seguramente suficiente para exasperar o mais comum entre os que têm de viver com isso no seu dia-a-dia. Parece que é feito para defesa dos direitos de cada um que possa vir a ser injustamente acusado de alguma coisa. A criação do Tribunal Arbitral do Desporto, como instância de recurso, veio clarificar um pouco as águas nas sempre polémicas decisões relacionadas com o futebol, mas continua a ser manifestamente insuficiente para agilizar as decisões de primeira instância, que é disso que se trata em casos como estes.
Até poderia sentir-me tentado a dizer que o que resolveria o problema era o futebol ter uma justiça sumária, decidida rapidamente por órgãos próprios, autorizados a ignorar os direitos básicos de cidadania a que qualquer um de nós pode recorrer se for apanhado a roubar uma laranja na mercearia da esquina. Mas basta conhecer o futebol português para perceber que rapidamente haveria quem pusesse em causa a bondade das decisões tomadas por esses órgãos, descobrindo-lhes inclinações clubísticas. Porque parece que tudo por cá se resolve descobrindo inclinações clubísticas – de jogadores, treinadores, árbitros, jornalistas e, por que não, juízes. No fundo, é aí que reside o problema fundamental. A justiça, aqui, só apanha por tabela.
Sábado há Futebol de Verdade VIP
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