A aventura num país que não existe
O SC Braga vai jogar a um país que não existe, a Pridnestróvia. E o FC Sheriff, o clube da empresa que domina 60 por cento da economia do estado, é o orgulho de um povo saudoso da União Soviética.
O SC Braga vai jogar a continuidade nas competições europeias de clubes contra a sensação desta época na UEFA, o FC Sheriff Tiraspol, equipa que passou pela primeira vez pela fase de grupos da Liga dos Campeões e de caminho até ganhou ao Real Madrid no Santiago Bernabéu (2-1). Fundado por dois ex-polícias do KGB, o FC Sheriff representa um país que não existe a não ser nos sonhos de separatistas saudosos dos tempos da antiga União Soviética. Dezanove vezes campeão da Moldávia nos últimos 21 anos, o adversário dos minhotos não tem um único jogador daquele país no onze base – e isso não espanta, já que Tiraspol é a capital e maior cidade do enclave a que os moldavos chamam Transnístria e que os locais conhecem como Pridnestróvia. Trata-se de um território ligeiramente mais pequeno do que o Algarve, que ostenta uma bandeira na qual ainda podem ver-se a foice e o martelo da antiga URSS, tem governo e parlamento próprios bem como moeda diferenciada, o rublo, por vezes cunhado em plástico. E é um território no qual, para lá jogarem desafios de campeonato, os moldavos são sujeitos a controlo alfandegário e apresentação de passaportes.
O FC Sheriff é parte integrante da maior instituição deste país tão peculiar – a empresa com o mesmo nome, que Victor Gushan e Ilya Kazmaly, os tais dois membros do KGB, a antiga polícia política da União Soviética, criaram após o desmembramento da URSS, em 1993, e que entretanto elevaram à condição de estado dentro do estado, influenciando a eleição de presidentes e deputados. Quando foi altura de privatizar as estruturas da União Soviética, Igor Smirnov, líder do Soviete Supremo da Moldávia que depois ficou como presidente da Pridnestróvia até 2011, deu a Gushan e Kazmaly o monopólio da pesada máquina dos supermercados estatais. Daí, ao que se diz contando com o beneplácito das autoridades para o contrabando de bens de consumo chegados ao porto de Odessa, a 100 kms, através da fronteira com a Ucrânia, a Sheriff cresceu ao ponto de hoje controlar 60 por cento da economia da Transnístria. Atualmente, Gushan e Kazmaly são donos de uma rede de gasolineiras, de uma cadeia de supermercados, de restaurantes, de uma marca de refrigerantes, de hotéis, de hospitais, de um operador de telecomunicações, de uma empresa de construção civil, de meios de comunicação, destilarias de bebidas alcoólicas e produtoras de caviar. Além, claro está, de uma equipa de futebol para a qual não há rival no campeonato da Moldávia.