É dia de Ronaldo
O último jogo de preparação para o Europeu trar-nos-á Pepe e Cristiano Ronaldo. Um para resolver problemas de índole coletiva e o outro para dar um toque individual a um processo que já está afinado.
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A seleção nacional cumpre hoje o terceiro e último jogo de preparação para o Europeu, com a República da Irlanda, em Aveiro (19h45, RTP1) e fá-lo-á certamente apenas com um par de objetivos: afinar a organização ofensiva, que o adversário dificilmente dará para mais, e meter nas dinâmicas da equipa os jogadores que ainda não utilizou neste período. É o caso de Rui Patrício, o terceiro a entrar na rotação dos guarda-redes, como é o caso de Pepe, que vem de uma lesão, de Rúben Neves e de Cristiano Ronaldo, que competiram até mais tarde e só se juntaram ao grupo com algum atraso. O teste de hoje, por isso, ganha acuidade sobretudo no plano individual – o que pode parecer estranho, pois ainda anteontem vos disse que os maiores problema da equipa são coletivos. Não deixará, ainda assim, de ser importante para Roberto Martínez. Porque a cada dia que passa estou mais convencido de que o treinador espanhol pensa incluir no onze a experiência de Ronaldo e Pepe.
Ainda ontem Martínez assinalou o facto de a equipa fazer agora três jogos de preparação com uma alusão ao que se passou em 2016, quando Portugal ganhou à Noruega e à Estónia e, pelo meio, perdeu com a Inglaterra, a caminho de ser campeã europeia nos estádios franceses. O sorriso maroto não lhe saiu tão natural a ponto de fazer a analogia funcionar na perfeição, mas o homem não é ator e isso nem sequer é o mais importante. Se o sorteio nos permite ser os últimos a entrar em ação, quatro dias inteiros depois do jogo de abertura, pois então há que aproveitar. E parece-me que a planificação foi, pelo menos nesta fase final, bem feita. Os três jogos permitem nivelar fisicamente a equipa, dando minutos progressivos aos que deles precisavam e repouso aos que vinham mais castigados – e aquilo que pode debater-se é a que é que equivalem os mais de 50 jogos feitos por Ronaldo e Neves na Arábia se inseridos num contexto de maior exigência, como é o do futebol europeu. Os três jogos permitiram ainda testar três formas diferentes de compor o 3x2x5 ofensivo e perceber as vantagens de uma abordagem assimétrica, com um extremo e um lateral abertos, face à equipa com os dois extremos puros que se viu na ponta final dos dois desafios já realizados ou ao onze com os dois avançados mais interiores mas incapazes de receber dentro de um bloco rigoroso, como foi o da Croácia, nos 45 minutos iniciais do Jamor.
Os três testes só não deram para acertar processos defensivos, porque ao fim de muitos jogos a equipa teve o primeiro choque com uma realidade de desadequação da sua pressão alta a uma Croácia de muita qualidade na saída de bola. Foi uma espécie de despertador, não tanto para insuficiências individuais, aquelas que se resolvem substituindo este ou aquele por outro qualquer, mas sobretudo para uma preocupante desarticulação coletiva cuja emenda o jogo de hoje não permitirá testar, tão débil deverá ser o início de construção irlandês. Há, porém, que tirar do jogo aquilo que ele pode dar – e o que ele pode dar é a possibilidade de Ronaldo voltar. E, com ele, Pepe. Muitos torcerão o nariz a esta injeção de experiência na equipa, como se a presença dos dois campeões europeus de 2016 trouxesse com ela um odor a naftalina que é incompatível com quaisquer aspirações, mas estou cada vez mais convencido de que o Plano A de Roberto Martínez passa pela titularidade dos dois. Passou um ano e meio desde então, mas já no Mundial de 2022 Pepe recuperou de um período de inatividade pelo FC Porto para uma fase final em que foi dos melhores de Portugal. Não tem a mesma qualidade a construir de outros colegas, a sua entrada para fazer dupla com Rúben Dias acabará com a possibilidade de termos um pé esquerdo em início de construção, o que poderia dar muito jeito, mas na cabeça de Martínez parece cada vez mais evidente que a experiência de Pepe, a sua ainda assim assinalável velocidade para o controlo da profundidade, são atributos a ter em conta. O Pepe dos jogos do FC Porto com o Arsenal é titular de Portugal. Sem espinhas. A questão é a de se perceber de quantos em quantos dias é que é possível contar com esse Pepe, que o homem já fez 41 anos.
Quanto a Ronaldo, o tema é muito diferente. Se se olha para Pepe e se espera que ele possa ajudar a mascarar problemas que são de base coletiva, a tal pressão desarticulada na frente, para Ronaldo olha-se na esperança de que ele resolva individualmente questões de finalização e de presença na área que não têm sido bem conseguidas. O tema Ronaldo é sempre igual há alguns anos. O capitão continua a ser um dos melhores finalizadores do Mundo, mas é difícil pensar nele como sendo preponderante nos processos coletivos que levam a essa finalização. E achar que Ronaldo se remete a essa parte do jogo em que é inquestionavelmente forte, sem querer intrometer-se nas outras, naquelas em que não só não apresenta valor acrescentado como até podem levar a que ele depois falte onde é preciso, que é na área, é não conhecer o jogador. Ronaldo transformou-se num finalizador, mas cresceu como criador – e estará ainda por nascer o treinador capaz de o fazer acreditar que onde ele faz falta é na área, para dar à equipa a presença, o nível de ameaça que essa presença implica e a inquestionável qualidade que ele tem na finalização. Hoje voltaremos provavelmente a ver Ronaldo no papel do ponta-de-lança peripatético e isso não o impedirá certamente de faturar, mas jogos surgirão em que o seu vaguear constante pelo campo, a busca permanente de apoios para estar em contacto mais ou menos permanente com a bola, acabarão por ser prejudiciais, porque depois não há quem apareça em vez dele onde ele devia estar – e isso só se conseguiria se Portugal passasse a jogar com Jota a partir da esquerda, caso em que no entanto teria de abdicar da largura que lhe é dada por Leão.
Não são esperadas grandes dificuldades no jogo de hoje, mas é do que vir hoje que Martínez vai partir para decidir as duas dúvidas que ainda terá na composição do seu onze ideal para este Europeu. Creio que o espanhol já se decidiu por Diogo Costa na baliza, por João Cancelo e Nuno Mendes nas laterais, por Rúben Dias como central, por João Palhinha, Vitinha e Bruno Fernandes a meio-campo, por Bernardo Silva e Rafael Leão na frente. Falta o segundo central – e, se for Pepe, falta ver como é que a equipa constrói pela esquerda, onde a canhota de Inácio podia ser importante. Fá-lo-á com Nuno Mendes mais atrás e Palhinha fora do três de trás? Ou insistirá em baixar o médio e em deslocar um dos centrais destros para aquele lado? E falta o ponta-de-lança – que só não será Ronaldo se ele não estiver mesmo em condições de cumprir técnica e taticamente aquilo que o treinador pretende.
O que mais me preocupa na preparação é que nesses 3 amistosos houve tantas mudanças que nunca se viu um 11 titular. Se houver um erro coletivo, como corrigi-lo sem jogar com os 11 titulares contra os adversários. O treinamento será suficiente?
Cheira-me mais a uns carinhos e aconchegos o que torna este clube privado uma verdadeira Hierontahuone, e o porquê? Porque a Finlândia está considerado o país mais feliz do mundo.
Sim não vi nem vou acompanhar os jogos, mas continuo a ler as suas crônicas referentes a este assunto.