Dançou, Brasil!
Enquanto o Mundo decide se há-de ficar irritado com a dancinha dos brasileiros ou maravilhado com o futebol com que eles pulverizaram da Coreia do Sul, o Portugal-Suíça passa ao lado da atualidade.
Talvez até seja melhor assim. O Brasil chegou ao Mundial, depois de uma fase de grupos nos limites da competência, e roubou a atenção do corpo de jornalistas presentes em Doha para acompanhar a prova. Hoje acabam os oitavos-de-final, com o Espanha-Marrocos, que ainda assim motiva uma dúzia de artigos, e o Portugal-Suíça, que passa meio despercebido. E, tendo em conta que o que se escreve é sobretudo acerca do caso Ronaldo-Fernando Santos, não é altura dos jogadores e do selecionador reclamarem desta falta de atenção que o Mundo lhes presta. Deu até para Regis Dupont lembrar, no L’Équipe, uma frase de Luiz Felipe Scolari, dita em 2003, quando Ronaldo acabava de chegar ao Manchester United: “É um bom rapaz, mas alguém teve de lhe dizer que ele era o melhor jogador do Mundo. Se ele acreditar nisso, será muito difícil trabalhar com ele”.
Mas abramos com o Brasil, cuja vitória sobre a Coreia do Sul reclama as manchetes um pouco por todo o lado. Na Folha de São Paulo, que é a minha referência para estas coisas de futebol no Brasil, Alex Sabino intitula a crónica de jogo com a palavra “Baile”, porque ela tem duplo sentido. Porque o Brasil deu um baile nos coreanos e porque os jogadores iam fazendo uma dança coreografada a seguir a cada golo. Algo de que muita gente não gostou nada. Foi o caso de Roy Keane, no final do jogo, na ITV. “Não acredito no que estou a ver”, começou por dizer o antigo internacional irlandês. E quando lhe chamaram a atenção para o facto de ser uma coisa cultural, Keane não afrouxou as críticas. “É um desrespeito para os adversários”, vincou Keane, insatisfeito com o facto de a coreografia aparecer em cada um dos quatro golos e de até Tite, o selecionador, a fazer.
Dentro do campo, a superioridade brasileira foi imensa. Paulo Vinícius Coelho destaca na sua prancheta diária que “a seleção não dava um espetáculo de tão alto nível em Copas do Mundo desde a conquista do penta”. E Sid Lowe, no The Guardian, vai pelo mesmo caminho, fazendo a ponte para a homenagem que a seleção e os adeptos fizeram a Pelé, que luta pela vida em São Paulo, com a recordação de uma frase do Rei. “O futebol é felicidade. É uma dança. É uma verdadeira festa”, recordou Lowe, que lembrou ainda que Richarlison tinha revelado que os jogadores do Brasil têm dez coreografias preparadas. “Correram o risco de as esgotar numa só noite, em meio jogo”, escreve ainda o habitual correspondente em Espanha do diário inglês, que está em Doha para o Mundial. No meio de tanta festa brasileira, a demissão de Paulo Bento quase passou despercebida, como despercebido passou ainda o apuramento da Croácia para os quartos-de-final, ganhando nos penaltis ao Japão. Do jogo não houve muito qie contar, mas ainda vale a pena ler o que escreve Daniel Taylor no The Athletic, quando constata que “estes podem ser os últimos momentos de Modric no palco internacional – são momentos a saborear”.
Então e Portugal? A conferência de imprensa de Fernando Santos e Rúben Dias, ontem, não foi particularmente interessante no plano do debate futebolístico, mas trouxe uma notícia:o treinador diz que não gostou “nada” do que tinha visto, já depois da flash interview e até da conferência de imprensa, a Ronaldo, no momento em que decidiu substituí-lo. O L’Équipe já planeava lançar o Portugal-Suíça a partir do ângulo Ronaldo-Santos, pelo que a frase lhe caiu como uma cereja no topo do bolo. “O início da competição deixara acreditar num CR7 de tal forma empenhado numa última campanha mundial que seria capaz de refrear, em parte, o seu egocentrismo”, escreve Dupont, no artigo cujo link já deixei em cima, recorrendo ao modo como Ronaldo extinguira o incêndio provocado pela entrevista que dera a Piers Morgan em conferência de imprensa ou como apoiara Diogo Costa após o erro deste contra o Gana. Até que veio o caso da substituição. Eu já tinha escrito sobre o tema aqui, no segundo parágrafo das Conversas de Bancada desse dia. Já na altura deixara expresso que a explicação do diferendo com o coreano para as palavras de Ronaldo era mais conveniente do que seria convincente, mas a verdade é que o caso nem ganhou proporções relevantes na imprensa internacional. Volta agora.
Em Espanha, onde se espera que a Roja seja o próximo adversário de quem quer que saia da eliminatória entre Portugal e Suíça, enquanto o El Mundo prefere abordar o jogo de hoje na perspetiva da afirmação de João Félix, no El País, Diego Torres relata como “a ira de Cristiano incendeia Portugal” e lembra que “o avançado está obcecado com a possibilidade de igualar os nove golos de Eusébio em Mundiais”. No Telegraph, Jeremy Wilson lança a possibilidade de Ronaldo “ser suplente, após reprimenda por episódio de fúria”. E em Itália, a Gazzetta dello Sport olha para Ronaldo com outros olhos – os do mercado. Filippo Maria Ricci e Fabio Bianchi, dois dos enviados do diário desportivo de Milão a Doha, enchem duas páginas a antecipar o contrato que Ronaldo irá assinar com o Al-Nassr, da Arábia Saudita, mas passam ao lado da polémica com Santos e até do próprio jogo. Os textos não estão disponíveis na versão online. A Gazzetta, ainda assim, é, de todos os jornais internacionais que costumo ler, o único que dignifica a Suíça com algumas linhas. Fá-lo o veterano editorialista Alberto Cerruti, em coluna de opinião, quando defende que o modelo de organização suíço podia “ser um exemplo para a Itália”. É que os suíços já vão no quinto Mundial seguido desde o plano de aposta na formação que foi desenhado pela federação em 1993, enquanto que a Itália segue com duas ausências consecutivas. Cuidado com a Suíça, portanto.
Conversas de Bancada
A Ler:
Why Spain will struggle to infiltrate Morocco’s proven defence, por Ahmed Walid, no The Athletic, demonstra com recurso a imagens as forças da organização defensive da equipa de Marrocos.
Ziyech, el zurdo indomable, por Luis Miguel Hinojal, no El País, apresenta o craque do ataque de Marrocos, que voltou para liderar a sua seleção depois de mais de um ano de ausência.
El oásis de Busquets com España, por Eduardo J. Castelao, no El Mundo, é uma retrospetiva da importância do médio na equipa espanhola desde os tempos em que Vicente Del Bosque fez dele essencial.
Les liens du sol, por Antoine Simonneau, no L’Équipe, explica a ligação espanhola na atual seleção de Marrocos, de jogadores e treinador, e alarga o contexto às tensas questões que a imigração coloca na sociedade espanhola.
Ronaldo v. Messi – the absurd timeline of how they have driven each other to break records, por Alex Barker, no The Athletic, parte do primeiro golo de Messi numa fase a eliminar num Mundial para comparer os números dos dois.
Can you tell a country by it’s corner kicks?, por Rory Smith e Allison McCann, no The New York Times, é uma análise da forma como as diferentes seleções atacam e defendem os pontapés de canto, não exclusivamente neste Mundial. Com particularidades portuguesas.
Seleção e língua-mãe unem povo kokama em Manaus, por Vinicius Sassine, na Folha de São Paulo, é uma reportagem com o povo de uma etnia amazónica e a forma como eles olham para os jogos da seleção brasileira.
Rabiot, le duc de Doha, por Hugo Delom, no L’Équipe, analisa o papel importantíssimo do médio da Juventus no rendimento coletivo da França e a sua complementaridade com o outro médio, Tchouameni.
England are this World Cup’s Spurs. Now they face it’s Liverpool, por Barney Ronay, no The Guardian, coloca o papel de Inglaterra neste Mundial na perspetiva da Premier League, para concluir que tudo o feito até aqui pelos ingleses foi normal e que agora é que vai começar.
Marcar distancia con lo clasificable, por Santiago Segurola, no El País, defende que a categoria de Mbappé é tão distinta que dificilmente pode ser classificável pelos Big Data.
Players step up security after Sterling burglary, por Matt Law e Mike McGrath, no The Daily Telegraph, conta como os jogadores da seleção inglesa reagiram ao incidente com a família de Sterling – aumentando a segurança das famílias.
A Ouvir
O Brasil ganhou à Coreia do Sul e ainda por cima deu show, pelo que é dia para ouvir os programas de rescaldo das rádios e das TVs brasileiras, depois transformados em podcast, e encher o peito. Quem ouve os brasileiros agora ouve o crescimento da euforia bem patente na frase de Mário Marra para os editores dos jornais internacionais, no Futebol no Mundo, da ESPN Brasil: “Precisava mostrar para a comunidade da Copa: ‘Vocês estão esquecendo de falar do Brasil. Vocês estão falando muito do Mbappé, estão falando do Messi, da Inglaterra, que está aí também... Fala um pouquinho do Brasil também’”. Este é o sentimento geral, que se alarga ao Posse de Bola, do UOL, e ao Trivela, da Central 3. Com vários convidados ilustres, tanto no Brasil como em Doha, realça-se a recuperação de Neymar, que esteve em quase todo o jogo sem queixas, a grande exibição de Raphinha, a capacidade dos defesas-centrais trocarem passes de ligação perto da área do adversário, a dança de Tite, que se juntou aos jogadores na forma de celebrar os golos, enfim, conclui-se que o Brasil afinal de contas respondeu em beleza às dúvidas que se levantavam.
A ver
Marrocos-Espanha, 15h, TVI e Sport TV1
Portugal-Suíça, 19h, RTP1 e Sport TV1
Estou em França e escuto regularmente a radio francesa e espanhola e acompanho noticias e relatos do mundial através de estações de rádio destes países. Portugal está completamente ao lado. Nem um, nem outro, consideram Portugal como equipa forte, ou tão pouco candidato ao que quer que seja. Os espanhóis então já falam nas meias, porque nem Portugal ou Suíça estão ao nivel da Espanha.
E o que trás tanto foco sobre Ronaldo, metendo para outro plano um grupo recheado de jogadores de altissimo nivel.