Crise, qual crise?
O FC Barcelona só ganhou dois dos últimos cinco jogos e o ambiente geral é de apreensão, mas é muito mais de procura de um futuro melhor do que um presente um pouco limitado face ao que foi o passado.
Pep Guardiola já tinha dito que é mais provável que continue a comandar o Manchester City se o clube for administrativamente despromovido, na sequência do processo movido pela Premier League, do que se voltar a ganhar a Liga dos Campeões. E, provavelmente farto de responder acerca do futuro, ontem chutou para canto as perguntas sobre a continuidade, que continuam a cair com pelo menos tanta regularidade como os golos de Haaland nas balizas contrárias. “Muita coisa pode acontecer num ano e meio”, disse, remetendo para o período que lhe falta até ao final do contrato, no Verão de 2025. “Cheguei aqui cabeludo e vejam no que isto deu”, rematou com humor. Xavi Hernández sabe bem o que vale o tempo. O antigo médio completou na semana passada dois anos como treinador do FC Barcelona, até já foi campeão espanhol, mas atravessa agora a primeira crise no cargo. Sérgio Conceição, que hoje leva o FC Porto ao Olímpico de Montjuic para um jogo em que ambas as equipas pretenderão fechar a qualificação para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, já disse que desconfia disso – e faz bem. O que é a crise do Barça senão um misto de peso histórico com eventos reais demasiado valorizados por uma construção mediática ansiosa pelos dias de glória? A equipa catalã falhou por dois anos seguidos na Liga dos Campeões, no primeiro às custas do Bayern e do Benfica de Jesus – ainda que Xavi tenha a desculpa de já ter recebido o paciente em estado crítico das mãos de Koeman – e no segundo com os cumprimentos do Bayern e do Inter, que depois até foi finalista. Aqui está o peso histórico. Não se admite a um clube de tanta grandeza fracassar de novo, por um terceiro ano seguido, eis o que está implícito no jogo de mais logo. Este ano, tinha tudo bem encaminhado quando a derrota contra o Shakhtar, num jogo marcado por um misto de greve de zelo com medo da responsabilidade, fez soar os alarmes. O Barça continua a precisar apenas de uma vitória em dois jogos – ou hoje contra o FC Porto ou na última ronda, em Antuérpia –, mas entretanto não só cedeu no clássico com o Real Madrid, com um golo de Bellingham nos descontos, como foi demasiado pobre (só 0,52 golos esperados criados) no empate a uma bola com o Rayo Vallecano, neste sábado. Perdeu Gavi para uma lesão gravíssima sofrida na seleção e de nada servirá recordar que já tem Pedri e recuperou De Jong após dois meses de paragem. O presidente Joan Laporta foi no domingo ver a equipa B ganhar ao Cornella, por 2-0, e o gesto foi imediatamente interpretado como de apoio a uma candidatura nem sequer apresentada à promoção de Rafa Márquez, o mexicano que treina a filial e além disso não só é grande amigo de Deco, o novo diretor desportivo dos catalães, como é representado há anos por Jorge Mendes, figura cada vez mais influente nos bastidores blaugrana. E aqui está a construção, produto da sede dos media por coisas novas, da vontade dos próprios dirigentes em alimentá-las e do cansaço do público face a tudo o que perdura, seja o sucesso do Manchester City ou a realidade mais limitada do FC Barcelona. As razões para nos fazer crer a todos que o FC Barcelona está em crise são as mesmas que obrigam Guardiola a responder todas as semanas a perguntas acerca do seu futuro. E só há uma coisa certa: não vai voltar a crescer-lhe cabelo, nem durante o atual contrato nem em nenhum que venha a fazer nos tempos mais próximos.
O peso das ausências. O jogo de mais logo será inquestionavelmente marcado pelo peso das ausências, quer elas venham a verificar-se ou não. No Barça não haverá Gavi e não se sabe se Ter Stegen pode jogar, mas é muito maior o peso específico da escassez que o FC Porto tem de enfrentar para um par de posições. Sem Marcano (lesionado), David Carmo (castigado) e Zé Pedro (não inscrito), Sérgio Conceição precisa muito mais de Pepe para fazer parelha ao meio da defesa com Fábio Cardoso do que Xavi de qualquer dos homens que possam faltar-lhe. Sem Wendell (lesionado), está igualmente em cuidados com Zaidu, a única alternativa de que dispõe para a lateral-esquerda que não passa pela adaptação de João Mário com entrada de Jorge Sánchez para o outro corredor. Veja-se a coisa do ângulo que se quiser, as ausências possíveis são muito mais penalizadoras para o FC Porto do que para o Barça e não remetem só para o azar ou para erros pontuais na elaboração do plantel ou da lista de inscritos na UEFA. Falam mais fundo, para a falta de profundidade da base e da Lista B. É em momentos como o que os dragões estão a viver nestes últimos tempos que se avalia a capacidade da formação para fornecer alternativas. E se elas não são equacionadas, alguma coisa não está a funcionar.
Good Game, Mr. Textor. John Textor, aquele milionário norte-americano que chegou a tentar entrar no capital do Benfica e que, sendo neste momento, dono do Olympique Lyon e do Botafogo, é falado para poder vir a tomar conta do Estoril, é um tipo pitoresco, daqueles que faz tanta falta ao futebol como uma viola num enterro. Impulsionado por um início de época admirável, Textor achou que ia ser campeão brasileiro com uma equipa do Botafogo que, vamos ser honestos, valia muito menos do que os pontos que andou a fazer com Luís Castro – e até em certa medida com Bruno Lage. Concretizada a ultrapassagem pelo Palmeiras e pelo Flamengo e com o Atlético Mineiro a morder-lhe os calcanhares, na sequência de oito jogos seguidos sem ganhar, o Botafogo dificilmente será campeão e John Textor já contra-atacou. Como tinha contratado uma empresa estrangeira, a francesa Good Game, para lhe fornecer relatórios de todos os jogos, não acerca dos efeitos das chicotadas psicológicas – o que lhe faria falta, uma vez que já vai no quinto treinador neste campeonato – mas das atuações dos árbitros, aproveitou para compilar tudo e chegar a conclusões que prometeu apresentar para investigação do Ministério Público. E não é que, de acordo com os relatórios da Good Game, o Botafogo devia ter 18 pontos de avanço sobre o Palmeiras? Não eram dois, nem três. Eram 18. O problema destas coisas, de relatórios e análises feitas por canais dos clubes ou até por aqueles a quem os clubes pagam – como é o caso da Good Game, contratada pelo Botafogo – é que depois há quem os leve a sério. E sim, também temos disso por cá. Só que ainda ninguém se lembrou de apresentar queixa no Ministério Público. Estamos todos à espera da chegada de Textor.