Como regular o mercado de treinadores
Não podemos estar contra os treinadores que quebram contratos e exigir que clubes despeçam quem encarregaram de conduzir as equipas. Mas urge encontrar forma de regular o mercado dos treinadores.
Não são bonitas de ler as acusações que os polacos em geral têm feito a Paulo Sousa. De “desertor” a “desistente”, além de “mercenário”, tudo já foi mandado ao treinador que quer sair da Polónia para ir comandar o Flamengo, no Brasil. Também não gosto de ver treinadores – ou jogadores, ou quem quer que seja, incluindo clubes... – romper contratos em vigor, mas não me esqueço desta opinião quando me dá jeito. Por isso não vou logo a seguir defender, por exemplo, que a FPF deve demitir já Fernando Santos, por razões tão profundas como achar que o seu tempo “se esgotou”, ou que o Benfica deve despedir Jorge Jesus, porque levou três do Sporting e outros tantos do FC Porto e uma fonte bem amestrada até disse aos jornais que “os jogadores já não acreditam nele”. Importante é percebermos como regular o mercado de treinadores, onde atualmente vigora uma lei da selva que permite tudo a toda a gente, desde que seja defensável em tribunal. Como na vida, aliás.
Os treinadores não são jogadores – e isso viu-se nesta viagem dos dirigentes do Flamengo a Portugal, comentada à esquerda e à direita como uma falta de respeito ou como algo normal e prova de ambição de um clube que se recusa a aceitar a relação de subserviência face à Europa. O mercado de jogadores está muito regulado e estabelece limites claros - ainda que nem sempre respeitados. Esses limites permitirão, por exemplo, a Mbappé aproveitar a ida a Madrid, onde em Março vai jogar o Real Madrid-Paris Saint Germain, da Liga dos Campeões, para conversar com Florentino Pérez acerca da transferência para o Santiago Bernabéu, pois está nos seis últimos meses de contrato com o clube parisiense. Seria inusitado? Sim, mas seria possível. Os jogadores têm regras claras, tão claras como é o seu papel numa equipa: treinam, jogam (ou não), mas não podem entrar em campo a não ser como jogadores, não podem marcar golos ou fazer assistências se estiverem na ficha de jogo como roupeiros. Por isso mesmo foi possível estabelecer regras de mercado ou de inscrição por parte de clubes que já não são viáveis quando se trata de treinadores. Porque se os jogadores só podem transferir-se em meses específicos e não podem ser inscritos por mais do que dois clubes numa mesma época – e certas competições só podem jogá-las por um deles... – entre clubes e treinadores vale tudo.
Aqui, há quem se queixe de muita coisa. Já nem é preciso ir aos estratagemas que levam os clubes a incluir treinadores na ficha técnica como adjuntos ou delegados, forma de contornar a tosca tentativa de regulação da classe através da certificação académica – que, como se provou no caso Rúben Amorim, está longe de ser condição indispensável para a competência. Esses casos servem para vermos como é impossível regular o setor, mas os problemas estão longe de acabar aí. Há tempos, um treinador já veterano lamentava-se dizendo-me que parecia que já não estava apto para trabalhar, que os clubes só querem ter gente abaixo dos 50 anos. Uma cara jovem no banco também vende... Outro contava-me que, abaixo de um determinado patamar, eram muito raros os casos de treinadores que, sendo despedidos antes do final dos contratos, recebiam aquilo a que tinham direito, porque quem fazia finca-pé para receber era imediatamente visto com desconfiança na próxima volta do carrossel do mercado e tinha mais dificuldade em voltar a trabalhar.
Esta disponibilidade permanente de uma série de técnicos que trabalham bem e a facilidade que os clubes têm para trocar o treinador que está sob contrato por outro qualquer, a qualquer momento, sem custos de maior, acabam por introduzir no setor uma instabilidade que torna o trabalho mais difícil e que, somada à permanente vontade de mudança assumida pelos adeptos, conduz a chicotadas atrás de chicotadas. Ora, quando assim é, o mais normal é que em casos pontuais também os treinadores queiram sair em busca de projetos nos quais se revejam mais. Ou para irem ganhar mais dinheiro. Ou onde entendam que têm melhores condições de trabalho. É o mercado desregulado a funcionar.
Não sei se foi isso que sucedeu com Paulo Sousa agora, como não sei se foi o que aconteceu já esta época, por exemplo quando Daniel Ramos deixou a confusão que vigora no Santa Clara ou quando Petit voltou costas à Belenenses SAD. Mas se os clubes podem fartar-se de um treinador, por que razão é que os treinadores não hão-de poder fartar-se de um clube também? Se, em 2002, depois de apurar a seleção da África do Sul para o Mundial, Carlos Queiroz foi alvo de uma espécie de golpe de estado e afastado antes de conduzir a equipa à fase final, na Coreia e no Japão, por que razão é que agora não pode ser Paulo Sousa a entender que não quer mais lutar pela qualificação da Polónia para o Mundial do Qatar? Porque tem contrato? Certo. Também Queiroz o tinha. Também Fernando Santos ou Jesus o têm. E isso não impede muitos arautos da moral e dos bons costumes, do caráter como motivação primeira de todas as coisas, de achar que eles devem ser despachados o quanto antes, porque já não têm condições para continuar a trabalhar.
Na vida real, nada disto é um drama. A liberalização dos mercados de trabalho tem vindo cada vez a ser vista como condição para o crescimento das economias. Sucede que o futebol está muito longe da vida real. Em nenhuma outra área da sociedade uma empresa paga centenas de milhões de euros para ir buscar um profissional a uma concorrente. No futebol aceitam-se barreiras à mobilidade laboral que a vida real já derrubou. É por isso fundamental juntar cabeças e encontrar uma forma de regular o mercado dos treinadores, uma forma que iniba chicotadas e deserções, mas também os estratagemas para a contornar. E isso é que pode ser um problema, por que aí sim já só depende da seriedade e do caráter.
As pessoas em qualquer trabalho às vezes mudam porque lhe dão mais dinheiro ou mais condições de trabalho ou mais vantagens, e a maior parte da gente aplaude ou diz "se mudas-te para melhor fizeste bem pa" ou " se não estavas bem fizeste bem em mudar" e depois há os treinadores em que basta uma saída inesperada as pessoas julgam sem saber e dizem logo que o homem não tem honra e que é um desertor etc... O homem lá sabe porque é que se vai embora. Acho que havia de haver um limite de treinadores por ano ou por época para os clubes, se calhar obrigaria-os a uma reflexão maior antes de contratar quem quer que seja.
Cumprimentos
O problema não está no conteúdo, mas na forma. Os portugueses gostam muito de regular. Tudo. Quando há problemas regula-se. Paulo Sousa portou-se mal com a federação polaca? Claro que sim. As chicotadas dão por vontades, mas há que respeitar acordos. E por mais regulamentos que se criem há uma coisa que suplanta tudo isso: as vitórias. Quando elas não aparecem não há treinador que resista. Olhem pró JJ...