Cinco minutos, uma eternidade
Ganhar de virada nos últimos minutos, como fez ontem o SC Braga contra o Vitória SC, é sempre especial. Nestas circunstâncias, cinco minutos são uma eternidade, porque dão acesso à eternidade.
Os britânicos chamam-lhe “Fergie Time” para honrar as sucessivas proezas do Manchester United de Alex Ferguson, que no final dos jogos que não estava a ganhar metia tudo na área do opositor e dessa forma deu a volta a muitos resultados. Os italianos preferem chamar-lhe “Zona Cesarini”, em homenagem a Renato Cesarini, um argentino que jogou na Juventus dos anos 30 do século passado e protagonizou inúmeras reviravoltas com golos em nome próprio. Em Portugal, a quebra dos azuis levou a que caísse em desuso a designação do “quarto-de-hora à Belenenses” até certa altura utilizado para definir aquele aperto final nos jogos em que uma equipa desconstrói e volta a construir um resultado em cima de uma noção previamente adquirida de superioridade da qual se faz a crença. Mas nem por isso o fenómeno deixa de se mostrar por cá. Nessas circunstâncias, quando uma equipa é melhor e sabe que é melhor, nem é preciso um quarto-de-hora. Cinco minutos são uma eternidade. Foi o que percebeu ontem o Vitória SC em Braga. Chegou aos 2-0 até ao intervalo, fruto de uma entrada meio entorpecida do adversário e de dois bons golos, de Jota e Anderson. Viu Matheus negar a Nélson da Luz um terceiro golo que podia ter acabado logo ali com a conversa, mesmo quando Artur Jorge já tinha deitado para trás das costas o 4x3x3 que tinha sido o segredo da recuperação de um bom SC Braga nas últimas semanas, fazendo entrar Vitinha e recuperando o 4x4x2 que tinha sido apontado como razão da quebra. Mas depois não resistiu a cinco minutos afirmativos de uma equipa que só precisava de uma faísca para acender o fogo. Essa faísca, providenciou-a o golo de Abel Ruiz, aos 80’, desencadeando em todo o grupo a ideia de que só faltava mais um para se fazer história. Primeiro para assegurar um prolongamento improvável – e Vitinha fê-lo com um extraordinário remate à meia-volta. Depois para uma virada épica – e Ruiz garantiu-a no momento em que manteve a calma face a Celton Biai e esperou pelo momento certo para lhe meter a bola nas redes. Em cinco minutos, o SC Braga passou de 0-2 para 3-2 e o Vitória de um sucesso que podia ajudá-lo a voltar a virar a seu favor o termómetro do dérbi minhoto a uma derrota que confirma uma inevitabilidade, já vista no jogo de campeonato, ganho pelos bracarenses aos 90+8’. Dizia Alex Ferguson que não havia nada como um balneário depois de uma vitória garantida nos últimos minutos. “E os adeptos não podem esperar pelo momento em que chegam ao pub e falam sobre o jogo”. Nestas coisas das reviravoltas, há quem ganhe e quem perca, mas o futebol sai sempre vencedor, porque cinco minutos tanto podem ser uma eternidade como garantir aos heróis que revelam uma vaga nessa eternidade.
E que tal este Taremi? Os dois primeiros anos de Taremi em Portugal fizeram-lhe o nome: era um caçador de penaltis de tal calibre, com tantos riscos no quadro de caça, que chegou a motivar caricaturas, memes, comunicados e posts de Facebook e Twitter de adeptos e até de responsáveis de clubes, tanto dos rivais como do próprio FC Porto. E, por coincidência, revolta ou estratégia, houve um momento de viragem, que foi a expulsão em Madrid, esta época, em jogo da Liga dos Campeões, por simulação, e a pergunta feita por um jornalista da Sport TV acerca do tema na flash interview do jogo que se seguiu, no Estoril, no qual os portistas pediram penalti sobre ele em período de compensação, vendo negada a pretensão e saindo do campo com um empate. A verdade é que Taremi, sete penaltis sofridos em 30 jogos na primeira época em Portugal, ainda não motivou um único em 2022/23. Não é porque esteja a ser perseguido. É porque está a jogar de uma forma diferente, vendo mais os companheiros e o espaço do que as pernas dos adversários, e numa posição diferente, mais fora da área, onde a queda não é tão recompensada. E está muito melhor jogador. Ontem, nos 4-0 do FC Porto ao FC Arouca, toda a gente viu o hat-trick de Toni Martínez, a mostrar que num dia bom pode ser mais solução do que problema. Eu vi sobretudo os passes de Taremi para os dois primeiros golos, deixando primeiro Galeno e depois o ponta-de-lança espanhol na cara do guarda-redes. Foi no novo Taremi que começou o apuramento do FC Porto.
O valor das palavras. O Al-Nassr esclareceu ontem em comunicado que, ao contrário do que tinha sido noticiado, “o contrato de Cristiano Ronaldo não inclui compromissos com qualquer candidatura à realização do Mundial”, negando que o capitão da seleção nacional esteja a colocar diretamente a sua imagem ao serviço de interesses que se opõem aos das federações portuguesa e espanhola. Enfim, negando mais ou menos, que das duas uma, ou o comunicado foi mal escrito, e além de jogadores de futebol os sauditas precisam igualmente de quem lhes escreva comunicados, sabendo o valor das palavras, ou ali há gato escondido com rabo de fora, porque no parágrafo seguinte se diz que o “foco principal” do contrato de Ronaldo “é no Al-Nassr e no trabalho com os colegas para ajudar o clube a atingir o sucesso”. Ora se bem leio, se esse é o foco principal, quer dizer que há outros, mais enigmáticos. E, vamos a ver se nos entendemos. Podemos gostar mais ou menos do regime saudita – e eu deixo já bem claro que gosto menos... –, mas tendo em conta que quase todos os estados ocidentais negoceiam com ele, que direito temos nós de exigir que Ronaldo não o faça igualmente? Então se os governos do Ocidente podem vender armamento e carros de luxo e comprar petróleo ou gás natural, se deixamos que os sauditas nos levem clubes de futebol e até jogos de prestígio, como a Supertaça de Espanha, que lá está a ser jogada, vendida a peso de ouro pela Federação e por Piqué, depois não podemos aceitar que os nossos jogadores mais emblemáticos façam render a sua imagem participando em idênticas manobras de sportswashing? Mas com que direito? Uma coisa é achar que Ronaldo foi parar a Riade porque não tinha mais quem lhe abrisse portas. Outra é lamentar que ele o tenha feito. Outra ainda, é achar que ele cometeu erros atrás de erros na gestão de carreira nos últimos anos e que isso o levou a este final nada consentâneo com o enorme jogador que já foi. E outra, por fim, é defender que ele não tem o direito de vender a sua marca aos sauditas só porque é português e a FPF está integrada numa candidatura rival à realização do Mundial de 2030. Mesmo que defenda que para o fazer deve abdicar primeiro de representar a seleção, este último passo já não sou capaz de o dar.