As duas faces da moeda
As contas do Sporting e do Benfica, um com lucro e cautela e outro com prejuízo e investimento, podem ser analisadas por especialistas em finanças mas as diferenças são sobretudo políticas.

O Sporting e o Benfica apresentaram o Relatório e Contas das suas SAD relativos a 2021/22 e não só os resultados não podiam ser mais diferentes como as justificações apresentadas nos dizem também muito do que vai na alma dos responsáveis. O Sporting fechou o exercício com um lucro de 25 milhões de euros, o Benfica com prejuízo de 35 milhões. Em Alvalade regozija-se por este resultado se manter no verde mesmo quando expurgado das vendas de jogadores, com 12 milhões positivos. Na Luz desdramatiza-se o facto de este ser o segundo ano seguido com as contas no vermelho, depois do prejuízo de 17,4 milhões na época anterior. Isto serve de pasto às oposições, as leoninas insatisfeitas com a falta de ambição revelada nas vendas posteriores ao encerramento das contas, as das águias preocupadas com a irresponsabilidade demonstrada por quem aceita estes resultados com tranquilidade. Mas o que está aqui à vista são duas faces diferentes de uma mesma moeda.
“Convido todas as pessoas a analisarem com cuidado o Relatório e Contas dos três grandes. Vão constatar que, se não fosse a receita extraordinária com a venda de jogadores, jamais nestes clubes teríamos condições e orçamento para competir na Liga dos Campeões”, afirmou nos recentes Football Talks Frederico Varandas. Mas a defesa da necessidade de vender jogadores a uma cadência regular por parte do presidente do Sporting foi depois contraditada por Rui Costa. “Basta ver quantas vezes vocês falaram da possível venda do Gonçalo Ramos e do Morato para o estrangeiro. Como é que estaria o resultado hoje? É esse o ponto que tem de ser frisado e é isso que me deixa de consciência tranquila e a poder assumir, com rigor, que podem estar tranquilos”, disse o presidente do Benfica na conferência de imprensa de apresentação de resultados da SAD, em declarações nas quais preferiu valorizar a decisão estratégica de não se vender. Achei curioso que a solidez das contas de um gigante como o Benfica possa ser medida pelo teor de notícias de mercado publicadas nos jornais – e gosto sempre quando me dizem qual é o ponto que devo frisar... – mas saio daqui com uma dúvida. Afinal de contas, em que é que ficamos? É preciso vender jogadores para se competir? Ou é preciso preservá-los para se ganhar?
Estamos perante duas faces da mesma moeda, duas estratégias completamente diferentes, potenciadas até pelas dimensões diferentes dos dois clubes – mas não só. A abordagem de Frederico Varandas e esta posterior justificação para a venda do passe, por exemplo, de Matheus Nunes, que ainda não está refletida nestas contas mas tanto incómodo causou entre os adeptos e até ao treinador, pode ter sido definida em nome de um compromisso assumido ou com o jogador ou com o seu agente, mas tem como objetivo a justificação de uma política definida como de sustentabilidade, que os próprios resultados fazem parecer excessivamente cautelosa. Se o Sporting conseguiu neste exercício um lucro de 12 milhões de euros ainda sem contar as vendas de passes – e foi a primeira vez que o fez desde 2015 –, não seria melhor limitar estas vendas ao mínimo indispensável, de forma a potenciar a capacidade de conseguir resultados desportivos? Não será essa a melhor forma de assegurar um futuro de sucessos no campo, afinal de contas o principal objetivo da SAD?
Por outro lado, a abordagem de Rui Costa, que tanto incómodo está a causar nas minorias que não votaram nele – bem menos ruidosas do que as minorias no Sporting, ainda assim... –, pode até ter sido definida em nome de uma confiança inabalável de que “este ano é que é”, de que com esta inversão de marcha estratégica no futebol, com esta reformulação do plantel e da equipa técnica, o Benfica não só vai continuar a obter uma receita avultada vinda da Liga dos Campeões como ganhará o campeonato, dessa forma assegurando o crescimento de receitas ordinárias, por exemplo provenientes da onda eufórica de adeptos em torno da equipa, e ainda potenciando vendas futuras de passes de jogadores de sucesso. Mas esta política de investimento tem muito risco associado. Não é líquido que, caso acumule um quarto ano consecutivo sem títulos, o Benfica venha a ter margem de manobra para alienar com vantagem passes de jogadores no próximo mercado – e atenção que se a venda de Matheus Nunes ainda não está neste relatório do Sporting, porque só aconteceu com a época em curso, a de Darwin Núnez já está refletida nas contas do Benfica, o que limita o potencial de negócios futuros.
É verdade que grande parte do à vontade com que no Benfica se encaram estas medidas de investimento e da preocupação com que no Sporting se olha para a necessidade de aforro se justifica com o nível de grandeza de cada clube e com a respetiva capacidade de faturar. Em 2021/22, fruto de uma época em que andou a lutar pelo título até ao fim e da euforia própria dos meses a seguir ao título de 2021, o Sporting bateu um recorde de receita operacional sem vendas de jogadores, fixando-a em 122,6 milhões de euros. Nunca em Alvalade se tinha faturado tanto. Mas, mesmo num ano desportivamente mau, o Benfica faturou mais 38 por cento do que os leões neste particular, fixando as receitas operacionais sem vendas em 169,3 milhões de euros. Há aqui uma diferença que em parte é justificada com os valores vindos da UEFA – o Benfica recebeu mais 20 milhões de euros do que o Sporting da Liga dos Campeões – mas eles não justificam tudo. A política de investimento definida por Rui Costa baseia-se na noção de que no Benfica é maior em tudo. Tem mais adeptos, mais receitas, é verdade, mas tem também mais custos com pessoal, e a um nível alarmante. O Benfica gastou com pessoal o dobro do que gastou o Sporting, de 67,1 milhões para 112,5 milhões de euros. E se já me parece difícil de justificar 67 milhões de euros de gastos anuais com pessoal por parte de uma SAD a competir na Liga Portuguesa, os 112 milhões são injustificáveis e muito provavelmente impossíveis de compensar a não ser com as vendas que a SAD do Benfica diz que preferiu não fazer, mas sem as quais não sobreviverá no futuro.
A análise às contas pode ser feita por contabilistas, economistas ou especialistas em finanças, mas as diferenças de abordagem são sobretudo políticas. E como até hoje continuamos a ler especialistas a defender que o melhor caminho para um país superar a crise económica é o investimento por parte do estado para criar emprego e confiança no consumo e outros a assegurarem que as coisas só se endireitam com a contenção de custos e a redução do défice, levando à depressão e à poupança, não há-de-ser certamente no futebol que isto vai ter uma resposta final e definitiva. Até porque aqui tudo depende de fatores que são muito aleatórios, como uma bola que entra ou sai ao lado do poste.