Tuchel, o treinador e o gestor
O Chelsea despediu Thomas Tuchel uma semana depois de fechar um mercado em que contratou 280 milhões de euros em jogadores de acordo com a visão do treinador. Ou não. Essa é a questão.

O despedimento de Thomas Tuchel do Chelsea está a ser explicado um pouco por todo o lado por fontes próximas da administração do clube com a relutância do treinador alemão em se ocupar de tudo o que tem a ver com a gestão, do estabelecimento de um plano a longo prazo para o futuro até às decisões de mercado. A ler os jornais ingleses de hoje, não deixei de reparar que todos se referem ao alemão como “head coach”, isto é, “treinador principal”. E o que Todd Boehli e Behdad Eghbali, os bilionários que compraram o Chelsea a Roman Abramovich, pretendem de alguém naquela posição é mais próprio de um “manager”, isto é, “gestor”, uma palavra que parece ter entrado em desuso no futebol inglês, que neste aspeto terá adotado hábitos continentais.
Quando comecei a trabalhar como jornalista, entre o final da década de 80 e o início dos anos 90, ainda havia recorrentemente treinadores ingleses em Portugal. Pude, poucos anos depois, fazer uma espécie de licenciatura, pós-graduação e mestrado num só, que foi acompanhar de perto o trabalho de Bobby Robson no Sporting e no FC Porto. Lembro-me de ele uma vez me dizer, em conversa, que trabalhar aqui era uma maravilha, que podia concentrar-se apenas no futebol, nos treinos e nos jogos, enquanto que em Inglaterra tudo lhe dizia respeito. “Até precisava de me preocupar a ver se havia papel higiénico no clube e, se não havia, tinha de mandar comprar”, desabafava. A diferença era essa: em Inglaterra, Robson era um “manager”, mas em Portugal já podia ser só o “head coach”. Tuchel, ao que tudo indica, tinha sido contratado como “head coach” e, apesar de saber que Boehli e Eghbali queriam uma abordagem mais inclusiva, não lhe apetecia tornar-se “manager”. Conta-se até – e já se sabe que nestas alturas se conta muita coisa – que se recusava a intervir no grupo de Whatsapp que os donos tinham criado para facilitar a comunicação entre quem tinha de tomar decisões estratégicas acerca do Chelsea. Ou que, tendo-lhe isso sido pedido, não tinha aconselhado ninguém para ocupar a função de diretor desportivo depois da saída de Petr Chech.
É claro que todos estes “spins” podem não passar de uma forma de evidenciar ao Mundo que não, o clube não está de volta aos dias de impulsividade que marcaram o período Abramovich, o dono que despediu José Mourinho (duas vezes), Ancelotti, Villas-Boas ou Conte. Ou que não, não é uma coisa própria do Chelsea querer ganhar com soluções de improviso, como lhe aconteceu nas duas vezes em que venceu a Liga dos Campeões, a primeira seis meses depois de substituir André Villas-Boas por Roberto di Matteo e a segunda outros seis meses após a troca de Frank Lampard por Thomas Tuchel. O que o Chelsea está a vender aos seus adeptos é que o despedimento de Tuchel não ficou a dever-se aos maus resultados no campo – ainda que ele tenha acontecido na manhã seguinte à derrota em Zagreb, jogo no qual estiveram os dois donos do clube – ou a qualquer momento de impulsividade. Que tudo faz parte de um plano maior. De um plano capaz de levar ao cargo alguém que seja capaz de agir de um modo pró-ativo na escolha dos caminhos que o Chelsea quer tomar. E Todd Boehli até pode usar em seu favor a relação que mantém com Dave Roberts, que é responsável pelos Los Angeles Dodgers há sete anos e com contrato recentemente renovado por mais três. O basebol não é futebol? Pois não. Mas no fundo trata-se da mesma coisa: identificar alvos com margem de progressão, gerir atletas com grandes egos e fazê-los ganhar em campo.
A justificação apresentada pelo Chelsea para o ato irresponsável que é despedir um treinador uma semana depois do fecho de um mercado em que foram gastos 280 milhões de euros em reforços – que ele terá pelo menos aprovado, de acordo com a visão que teria para o futebol do clube – só podia ser uma: a de que o treinador se recusava a ter essa visão e de que ali se pretende alguém que a tenha. O homem que se segue é, aparentemente, Graham Potter, a “next big thing” do futebol inglês, por quem o Chelsea já terá concordado pagar 17 milhões de euros ao Brighton & Hove Albion. Potter fez excelentes trabalhos, tanto no Ostersunds, que subiu de divisão por três vezes antes de ganhar a Taça da Suécia e de levar a pequena equipa escandinava à Liga Europa, como depois, em Brighton, onde no entanto ainda não foi capaz de terminar a Premier League acima do nono lugar deste ano. Se ele pode ser o homem capaz de liderar o Chelsea num futuro consentâneo com os valores investidos? Pode. Quem já não tem grande margem de erro são Boehli e Eghbali. Nos primeiros 100 dias desde que assumiram a posição de Abramovich no clube, já fizeram tudo o que de errado ia fazendo o oligarca russo. Gastaram à tripa forra para adoçar a boca aos adeptos desconfiados dos donos americanos e agora fizeram estalar o chicote em cima de um treinador que, desde que chegou, há ano e meio, ganhou uma Liga dos Campeões e um Mundial e esteve ainda em todas as finais das provas a eliminar que disputou (duas Taças de Inglaterra e uma Taça da Liga).