Antevisão de mercado (III): FC Porto
A mudança de treinador levará o FC Porto a ter de encarar o mercado de mente aberta, com a noção de que há muito a fazer, poucos meios, mas uma boa base ativável, nem que pela viragem de uma agulha.
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Ainda não é oficial, mas é praticamente seguro que Sérgio Conceição deixa neste Verão de ser o treinador do FC Porto. Na segunda-feira, quando se encontrar com André Villas-Boas, o treinador deverá assumir o encerramento de sete anos de “vacas magras”, conforme lhes chamou mais do que uma vez, anos nos quais a grande diferença entre os dragões e os rivais de Lisboa foi tanto nos valores totais investidos na equipa – menos 29 milhões de euros do que o Sporting e, sobretudo, menos 173 milhões que o Benfica – como no total de jogadores de valor que saíram do clube a custo zero, contribuindo de forma decisiva para a situação difícil em que este vai atacar o mercado. As contas não deixam grandes dúvidas: o FC Porto precisa de vender para se reforçar. E, por mais subjetiva que esta possa ser, a avaliação ao atual plantel diz-nos duas coisas. Uma, que a equipa vai precisar de reforços – pelo menos, logo à partida, de um central destro. A outra, que não há muitas formas de fazer dinheiro em mais-valias, pelo que a abordagem ao Verão terá de misturar criatividade na busca de soluções com o aproveitamento dos valores existentes, que estão lá desde que se faça uma mudança de agulha no que respeita às caraterísticas mais valorizadas.
O que está em causa quando se fala de finanças não são apenas os resultados negativos de exercícios passados, a contribuírem para as dificuldades de tesouraria a que a nova equipa de gestão já teve de acorrer, para a situação complicada dos capitais próprios ou para o risco de voltar a cair no incumprimento das regras de sustentabilidade da UEFA. É também a ausência de jogadores entre os mais valiosos e apetecíveis da Liga Portuguesa. O Transfermarkt, portal alemão especializado em transferências, avalia o plantel do FC Porto em 284 milhões de euros – 274 se de lá retirarmos Taremi, que já saiu a custo zero para o Inter. São menos 55 milhões do que vale o do Sporting e menos 85 milhões do que o do Benfica – ou menos 63 se formos retirar os valores de Rafa e Di María, que também estão aparentemente de saída sem retorno financeiro para o clube. O mesmo portal só coloca dois jogadores portistas no Top10 dos mais valiosos da nossa Liga –Diogo Costa e Evanilson. Na mesma lista, aparecem cinco jogadores do Sporting e três do Benfica. O Observatório do Futebol, organismo da universidade suíça de Neuchatel, identificou cinco jogadores da Liga Portuguesa no Top100 dos mais valiosos do Mundo: os benfiquistas António Silva, João Neves e Trubin e os sportinguistas Gonçalo Inácio e Gyökeres. Na lista não aparece um jogador do FC Porto.
As razões para o FC Porto ter chegado a esta situação, mesmo tendo somado mais títulos nos sete últimos anos do que os dois rivais – tem três, contra dois do Benfica e dois do Sporting – e tendo chegado cinco vezes à fase a eliminar da Champions, prendem-se com dois tipos de questões. Uma são as saídas de titulares a custo zero: Marcano, Herrera, Brahimi, Aboubakar, Marega, Mbemba, Uribe e agora Taremi não deram à SAD o retorno financeiro que deviam ter dado. Outra são uma série de investimentos nunca aproveitados no plano desportivo. Só um dos oito jogadores contratados acima dos dez milhões de euros nestes sete anos vingou: Pepê. Entre os outros, Nakajima, Zé Luís e Oliver Torres não justificaram o investimento e a prioridade há-de ser a de fazer com que Veron, David Carmo, Otávio ou Ivan Jaime possam ainda fazê-lo, pois continuam ligados ao emblema. Ora para isso talvez seja necessário que a mudança de comando técnico possa ser feita em rotura com o pensamento atual e o novo plantel venha a ser formado de acordo com uma grelha de valores na qual o talento ganhe preponderância face à até aqui tão valorizada ética de trabalho. Não se tratará de inverter a tendência, de premiar quem treina mal, mas tão só de equilibrar mais os pratos da balança, de recomeçar do zero de maneira a que o dinheiro gasto não se deite fora e que, talvez ainda mais importante, os promissores elementos da atual equipa de sub19, Rodrigo Mora à cabeça, possam dar mais rendimento, primeiro dentro e depois fora do campo, do que deu a geração vencedora da UEFA Youth League em 2019.
É claro que a distância para o líder da Liga esta época foi gigantesca. Foram 18 pontos, o dobro dos nove que as equipas de Sérgio Conceição tinham perdido para os campeões se somadas as épocas de 2022/23 (dois pontos), 2020/21 (cinco pontos) e 2018/19 (dois pontos), as três em que este treinador não tinha sido campeão. Haverá, portanto, internamente, a noção de que é pelo menos preciso reduzir este fosso, se não for possível saltá-lo de uma só vez. E para isso também se impõe a tal mudança de agulha, a capacidade de olhar para o plantel que está à disposição com outros olhos, mesmo partindo do princípio de que, uma vez que não vai ter Liga dos Campeões e o dinheiro do Mundial de clubes só chegará no final da época, o FC Porto terá de angariar uns 60 ou 70 milhões de euros através da alienação dos passes de um ou dois jogadores – com Diogo Costa e Evanilson à cabeça, os dois mais valorizados, mas também por ocuparem missões tão específicas que se tornam menos difíceis de substituir. Pepê ainda tem espaço para crescer, assim consiga manter-se estável na direita de um meio-campo a três, sem ter de ir apagar fogos atrás, como tantas vezes teve de fazer. Porque esta é outra constatação: a base do plantel grita pelo 4x3x3 que Sérgio Conceição implementou na segunda metade de 2023/24. Não lhe chegou para reduzir a desvantagem para o líder – pelo contrário, ela até aumentou nesse período – mas foi um primeiro sinal de crescimento no plano tático que, consolidado, se revela a melhor maneira de vir a frutificar.
Encaremos, então, a construção do plantel em 4x3x3 para identificar as necessidades urgentes que ele possa ter. Na baliza, assumindo-se a necessidade de saída de Diogo Costa, há que tomar uma decisão acerca da capacidade dos guardiões experientes que fazem parte do grupo para serem titulares. Falo de Cláudio Ramos (talvez sim, mas provavelmente não) e Samuel Portugal (não). Estão ambos para lá dos 30 anos e, das duas uma: ou um vai ser o número um e, nesse caso, cabem os dois no grupo, com um jovem que até faz mais sentido ser Gonçalo Ribeiro do que Francisco Meixedo, que precisaria de rodar, ou não se olha para nenhum deles como titular (seja porque fica Diogo Costa ou porque, saindo este, vem outro guardião) e um deles tem que sair para não estar a ocupar uma vaga que pode ser de crescimento de um miúdo. A afirmação de jovens valores tem de ser vista como plataforma de financiamento futuro, evitando repetir erros cometidos antes. E isto conduz ao aproveitamento de gente como Martim Fernandes, mais do que capaz de lutar com João Mário pela posição de lateral direito. Do outro lado, havendo um Wendell em claro crescimento e Zaidu como alternativa, será também possível passar sem reforços. É preciso fazer escolhas acerca de onde investir os poucos recursos disponíveis.
Por exemplo, o centro da defesa – e não é por falta de investimento, mas sobretudo por este investimento ter visado sobretudo esquerdinos. Dificilmente o Olympiakos dará os 18 milhões de euros da opção prevista no empréstimo de David Carmo – e que em si já envolviam alguma perda face aos 20 milhões pagos pelo jogador ao SC Braga – pelo que o mais certo é o jogador voltar a estar disponível. E, além de ainda ter mais um ano de Marcano, o FC Porto investiu em Janeiro 12 milhões em Otávio, partindo do princípio de que Carmo não contaria – e não ia contar, se o treinador fosse Conceição. São três centrais esquerdinos, a somar a alguma falta de opções para a direita, onde há muita gente mas falta um titular. Pepe já vai fazer 42 anos e, mesmo que renove, não se pode esperar que ele faça uma época inteira. Zé Pedro é viável como alternativa, mais do que Fábio Cardoso, de qualquer modo. Pode até formar-se o centro da defesa com dois canhotos – invulgar, mas possível – mas o que não faz sentido para quem vai encarar a época em 4x3x3 é ter no plantel mais de cinco centrais, sobretudo porque dois deles (Pepe e Marcano) já não dão garantias de regularidade. Não só se gasta em salários aquilo que vai fazer falta noutras zonas do campo, como se reduz o espaço de afirmação a jogadores como Gabriel Brás, o mais promissor dos centrais da equipa B.
O exercício de formação do meio-campo é simples e parte da identificação dos três titulares, todos eles com margem de crescimento a jogar juntos e por isso capazes de formar um trio que dispensa contratações. Com Varela atrás de Pepê e Nico, a questão está nas alternativas, que abundam a ponto de se tornarem excessivas. Grujic, por quem o FC Porto pagou nove milhões de euros, nunca conseguiu ser titular de estatuto e para suplente de Varela, lá está, é caro e ocupa a vaga de quem poderá um dia vir a chegar lá, coisa que ele já deu provas de que não fará. Como interiores há Eustáquio – que pode perfeitamente ser alternativa como seis –, André Franco, Ivan Jaime, Romário Baró, Bernardo Folha e Vasco Sousa. Mais uma vez, gente a mais, sobretudo se se entender, como parece evidente, que é preciso ter ali espaço para que o promissor Rodrigo Mora veja uma frincha por onde se possa ir enfiando. Dos sete, caberiam no novo plantel, no máximo, quatro – ou três, se se entender que falta um titular. E a conversa nem chega a Loum, que acaba contrato e viu o investimento de sete milhões e meio de euros resultar em 17 jogos e pouco mais de 800 minutos de utilização em cinco anos marcados por empréstimos sucessivos
Por fim, no ataque, apesar dos contornos bem estranhos em que foi feito o negócio com o Ajax – saída para a Holanda por cinco milhões, regresso por dez –, Francisco Conceição surge como o valor mais seguro do setor. Com ele à direita e Galeno à esquerda, também não creio que a equipa precise de reforços sonantes nas alas, até porque ainda há Gonçalo Borges. O que falta, ali, são jogadores de plantel, gente com quem os titulares possam rodar – sendo que ainda parece cedo para Cardoso Varela, uma das estrelas do atual Europeu de sub17 mas ainda com apenas 15 anos, e que Veron está emprestado ao Cruzeiro até Dezembro. Ao meio, se Evanilson não for sacrificado no mercado, é nele que deve assentar a posição, com Namaso, Toni Martínez e Fran Navarro a lutarem pelas duas vagas que sobram no plantel. Como se vê, o FC Porto não precisa de contratar muito. Mas tem claramente de encontrar maneira de valorizar quem já contratou, porque é por aí que há mais condições de dar o salto de qualidade deste grupo.
PS - A antevisão do mercado dos candidatos ao título começou anteontem, com o Sporting, continuou ontem, com o Benfica, e continuará neste espaço, à medida que a atualidade o for permitindo. O próximo capítulo abarcará o SC Braga.