Antevisão de mercado (II): Benfica
A grande decisão a tomar no mercado do Benfica não é só acerca de quem sai para equilibrar as contas. É sobretudo a de encontrar o balanço certo entre físico e criatividade. Como em 2022/23.
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Rui Costa deixou o sinal na entrevista coletiva que deu na BTV após o final da época do Benfica: “este ano não tivemos o mesmo acerto em termos do ‘input’ que demos à equipa”, afirmou, no encontro com jornalistas em que confirmou a permanência de Roger Schmidt por mais uma temporada. O presidente nunca foi absolutamente claro acerca daquilo que entende que falhou no mercado, mas a análise da época, dos pontos fortes que o Benfica campeão de 2023 viu transformados em debilidades no segundo lugar de 2024, permite ver que esta última era uma equipa menos capaz de interpretar o modelo de contra-pressão preferido pelo treinador. Esta era uma equipa que tinha mais criativos, mas que depois perdia no plano da intensidade do trabalho sem bola, sobretudo nos momentos de reação à perda na frente, e à qual além disso faltava qualidade na saída atrás. A questão não é simples, mas passa muito pelo entendimento de que o sucesso do modelo se obtém pela inversão das prioridades definidas no último Verão e por um equilíbrio mais bem conseguido entre as dimensões física e criativa.
É tão simplista defender que o investimento de 97 milhões de euros feito em aquisições na época passada teria de resultar na revalidação inevitável do título de campeão nacional como o é argumentar agora que, se se vir privado de António Silva ou de João Neves, eventualmente sacrificáveis na busca de mais-valias, o Benfica perderá a oportunidade de ganhar o próximo campeonato. Tanto num como no outro caso, o que os milhões compram e vendem é apenas qualidade. Não é adequação. Tal como em 2023 o Benfica meteu muito dinheiro em reforços de qualidade indiscutível mas desadequados à ideia que queria pôr em prática, a eventual perda de uma ou até das duas pérolas da formação que tem no plantel – e creio que só sairá um, mas que um terá mesmo de sair – repercutir-se-á numa perda de qualidade, de potencial, mas não implica que quem os substitua não possa interpretar da mesma forma o modelo. Será uma machadada no coração dos adeptos, a partir daí ainda menos propensos a perdoar uma escorregadela precoce da equipa, mas nem um nem outro são tão fulcrais para a ideia como era, por exemplo, Aursnes, cuja transformação em “joker”, defendida até por Rui Costa, o retirou de onde ele podia ser um acréscimo. Aursnes não joga mal em nenhum lugar, mas se fazia a diferença era pela leitura e execução dos momentos de pressão na frente. E, ao encher a frente de criativos e deixar a linha de trás tão curta em termos de alternativas, o Benfica perdeu um médio/atacante fundamental para ganhar um lateral apenas competente.
Se a razão publicamente defendida por Rui Costa para manter Schmidt é a real e o alemão fica por convicção e não apenas por falta de vontade de gastar os 22 milhões de euros que custaria despedi-lo a ele e à sua equipa técnica, o caminho a assumir é olhar para o molde de 2022/23 e tentar replicá-lo. As saídas de Rafa – já concretizada – e de Di María – esta por confirmar – até podem facilitar a tarefa. E atenção que se fala dos dois jogadores que, com João Neves, foram os melhores da época, mas de dois jogadores que, ao mesmo tempo, são os maiores responsáveis pelo desvio do plantel em relação à ideia do treinador. O argentino, pelas suas caraterísticas, pedia o mesmo 4x3x3 que já era exigido por Kökçü e João Neves, curtos para um meio-campo a dois, seja formado por ambos ou por um dos dois com Florentino. Só que esse era um sistema que obrigaria ao regresso de Rafa a uma ala, onde ele rende claramente menos do que a acelerar jogo por dentro. Ora, na mesma entrevista, Rui Costa falou do PSV Eindhoven de Schmidt para dizer que o alemão já jogou de forma diferente, num 4x2x3x1 com extremos abertos, onde o “10” – que era Götze, curiosamente o seu primeiro alvo para a posição quando chegou ao Benfica – era mais médio do que Rafa, era um jogador até mais semelhante a Kökçü. Parece, por isso, mais ou menos seguro estabelecer que o Benfica que aí vem pensará mais nesses termos do que no 4x2x3x1 com um segundo ponta-de-lança, o que de certa forma reduz a dificuldade em termos de mercado – deixa de ser preciso encontrar o médio-total que era Enzo Fernández, o que é bom, porque eles não abundam –, mas aumenta a necessidade de trabalho tático, porque vai ser necessário fazer funcionar a pressão alta com uma unidade a menos na frente, ativando dois dos três médios para os momentos de reação à perda em zonas subidas.
Ainda assim, haverá muito trabalho a fazer no mercado, antes mesmo de se definir quem sai. E sim, a análise dos relatórios e contas da SAD deixa perceber que o Benfica precisará sempre de somar uma venda substancial à receita da Champions e do próximo Mundial de clubes – e só nestas duas provas entrarão mais de 100 milhões de euros. Uma perspetiva otimista permitiria pensar que os valores dessa venda se poderiam atingir da mesma forma através da libertação de jogadores excedentários, mas estes desvalorizaram e, para o conseguir, haveria provavelmente que vender a alma ao diabo a aceitar desde já um volume de entradas com o – ou os – agentes que o conseguissem que tornaria a operação desaconselhável. O mercado do Benfica deve por isso ser imaginado em função de uma saída: a de António Silva, há mais tempo à espera, poderia fazer mais sentido, mas ele vem de uma época em quebra e talvez a de João Neves seja mais fácil de “vender” aos valores tradicionalmente inflacionados de que costuma fazer-se o mercado do Seixal. Seja como for, é importante achar o lateral criativo que o Benfica não tem desde Grimaldo, garantir condições (números atrás) para que Aursnes vá jogar onde faz mesmo a diferença e descobrir o ponta-de-lança que seja ao mesmo tempo finalizador e ativamente inteligente nos momentos sem bola que era Gonçalo Ramos. Talvez este possa ser Marcos Leonardo, se Schmidt conseguir trabalhá-lo para ser mais ativo na parte defensiva ou, em alternativa, ter gente nas alas e no meio-campo que compense a sua baixa propensão para o trabalho de pressão, mas isso é algo que só o campo nos dirá, seja na pré-época ou nas primeiras semanas de competição antes do fecho do mercado. Não será nunca uma decisão fácil, porque não se investe o que o Benfica investiu no brasileiro para o ter como mera alternativa.
Não creio que o Benfica precise de um guarda-redes. Apesar de algumas desconcentrações em momentos decisivos, Trubin teve os melhores números da Liga, a par de Ricardo Velho, e Samuel Soares é uma boa alternativa, até para proporcionar o necessário crescimento a André Gomes. Tomás Araújo e Morato dão a necessária profundidade ao centro da defesa, mas tanto o decréscimo de rendimento de Otamendi esta época como o facto de se ter comprometido a jogar a Copa América e os Jogos Olímpicos parecem indicar que o clube estará no mercado por um defesa-central. Mais ainda se António Silva acabar por sair – aí, a necessidade torna-se urgente, de preferência de um esquerdino que seja forte em construção, de um nível acima do de Bajrami. Onde é mesmo preciso reforçar o grupo é nas laterais. O perfil físico de Jurasek, nesse aspeto muito semelhante ao de Bah, não funcionou, porque com estes centrais faltou ao Benfica um lateral forte em início de organização ofensiva, como era Grimaldo. E aqui, já a contar com a inclusão de Carreras, continuam a faltar dois jogadores, um para cada flanco, de forma a que não seja preciso andar a desviar Aursnes para ali. Podem esses jogadores acabar por ser Spencer e Rafael Rodrigues? Dificilmente, pelo menos para já.
A entrada de Leandro Barreiro, chegado a custo zero do FsV Mainz, pode ser encarada de duas formas. Primeiro, como precaução, face à eventual saída de João Neves. Depois, como uma forma de robustecer a zona de meio-campo para um sistema com três médios. Com Barreiro a somar a Florentino, Neves, Aursnes, Kökçü e João Mário, o Benfica passa a ter seis homens, três duplas, para esses três lugares. Meité e Paulo Bernardo em princípio não voltam do PAOK e do Celtic, sendo que ainda poderão render algum dinheiro, não muito, mas algo que entre no bolo geral dos excedentários. Se João Mário sair, o seu salário pode chegar para compor outras áreas do plantel, eventualmente chamando de volta Martim Neto, mas se João Neves sair também já será preciso ir ao mercado por um substituto. Mas aí haverá dinheiro para o recrutar.
Por fim, na frente, tudo depende daquilo que Schmidt engendrar para o futebol da equipa. Se a ideia é jogar com dois extremos e um ponta-de-lança ao meio, abdicando ou não dos alas de pé trocado, para lhes pedir mais largura e menos jogo interior – já assegurado pelo reforço do meio-campo – há no grupo soluções a explorar. O Benfica tem dois destros – Tiago Gouveia e Schjelderup, este de regresso de um bom empréstimo ao Nordsjaelland – e dois canhotos – Neres e Rollheiser. Ainda lhe sobra o jovem Prestianni, que aparentemente irá rodar. Fica difícil justificar a entrada de um reforço, quando além de um elemento da formação já aqui estão três jovens nos quais o clube investiu 35 milhões de euros (mais nove em Prestianni) e, das duas uma, ou dão rendimento ou vão à vida deles. Ao meio, Marcos Leonardo é claramente o melhor finalizador de todos. Há Arthur Cabral, melhor a ligar com a equipa, e Tengstedt, o mais forte no trabalho defensivo e nas diagonais de ataque à profundidade. Deverá ainda voltar Henrique Araújo, após empréstimos mal sucedidos ao Watford FC e ao FC Famalicão. Se conseguir negociar Cabral e Tengstedt – e provavelmente terá de assumir a perda de parte dos 27 milhões investidos nos dois –, o Benfica pode procurar um jogador que reúna os pontos fortes de ambos para competir com Leonardo, deixando Araújo como terceira opção. Mas aqui o fundamental ainda depende de Schmidt, que esta época foi firme em tudo mas nunca no que respeita ao ponta-de-lança.
PS - A antevisão do mercado dos candidatos ao título começou ontem, com o Sporting, e vai continuar nos próximos dias neste espaço, à medida que a atualidade o for permitindo. O próximo capítulo abarcará o FC Porto.