Anatomia de um fracasso
Faz amanhã dez anos que tivemos a última equipa portuguesa numa meia-final europeia. Neste período, houve 12 países representados a este nível – e há oito esta época. Quais as razões do fracasso?
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Com as 12 deste ano, houve 92 equipas em meias-finais europeias desde que tivemos, pela última vez, faz amanhã exatamente dez anos, o Benfica de Jorge Jesus nos últimos quatro da Liga Europa – e essa equipa encarnada afastaria mesmo a Juventus, para depois perder a final, por penaltis, contra o Sevilha FC. Nestes dez anos, foram doze os países representados nesta fase decisiva das competições europeias, dos colossos Espanha e Inglaterra, às outras Big Five, com passagem também pela Holanda e Ucrânia, repetentes a este nível, ou pelos fogachos de nações futebolisticamente menos poderosas, de que são exemplo a Grécia ou a Bélgica, que esta época puseram o Olympiakos e o FC Bruges nas meias-finais da Conferência. Os nossos dirigentes e treinadores continuam a ser bombardeados com perguntas acerca da possibilidade de voltarmos a contar para alguma coisa no plano internacional, mas a verdade é que isso dificilmente sucederá nos anos mais próximos. E que, ironicamente, esta baixa de relevância internacional até pode ser o caminho mais rápido para voltarmos a aspirar a algo nas competições de menor peso.
A questão que se coloca aqui é terrivelmente simples de entender. A Liga dos Campeões, em Maio, é-nos absolutamente inacessível. Nestes dez anos, das 40 vagas nesta fase da prova mais importante do futebol europeu, só uma escapou aos clubes das cinco grandes Ligas – foi para o Ajax de 2019, uma espécie de exceção que confirma a regra e que lá chegou ganhando em Madrid ao Real e em Turim à Juventus. De resto, foram 13 lugares para os espanhóis, nove para os ingleses, sete para alemães, cinco para italianos e outros tantos para franceses. Ora é legítimo que se pergunte: então se o Ajax lá chegou, por que razão não hão-de poder chegar os nossos clubes? E a verdade é que poder, até podem, mas é muito improvável que o façam, até em função daquilo que é a gestão habitual por cá. Tendo uma base comum, que é a ideia de formar ou comprar em mercados periféricos para depois vender, o modelo de negócio do Ajax é bem diferente do dos nossos maiores clubes. Os neerlandeses juntam uma geração, tiram tudo o que podem dela até dela se desfazerem, e depois assumem a quebra que se sucede inevitavelmente aos anos em em que mais vendem. Os portugueses não: tentam minorar os danos que vêm da necessidade de vender, de modo a manterem sempre uma competitividade mínima.
Nesse Verão de 2019, o que se sucedeu à semi-final da Liga dos Campeões, o Ajax fez mais de 200 milhões de euros em transferências mas destruiu a equipa. Saíram De Jong (FC Barcelona, 86 milhões), De Ligt (Juventus, 85,5) ou Dolberg (OGC Nice, 20,5), por exemplo. E os que não foram logo nesse ano seguiram-nos pouco depois. Dos onze titulares nos 4-1 ao Real Madrid, no Bernabéu, por exemplo, só Onana, Mazraoui, Blind e Tagliafico, um guarda-redes e três defesas, lá estavam ainda dois anos depois, tendo também ido à vida deles em 2022 – três deles a custo zero, em final de contrato. Em resultado dessa política, o Ajax só superou a fase de grupos da Champions numa das quatro épocas que se seguiram à proeza de 2019, tendo depois a destruição da equipa que se seguiu a essa, a que goleou o Sporting em Alvalade e foi eliminada pelo Benfica, nos oitavos-de-final de 2021, conduzido a duas épocas seguidas fora da competição milionária, a atual e a que aí vem. Ora esse é um “luxo” a que os portugueses não podem dar-se, porque apesar de tudo têm em funcionamento máquinas mais caras de sustentar. A política, por cá, não é de montanha-russa assumida, passando antes por vender faseadamente, um craque este ano, outro no seguinte, outro depois ainda. E se isso permite manter o nível mais ou menos estável, não deixa que uma super-geração atinja o potencial máximo a que poderia aspirar com as cores do clube. Onde estaria o FC Porto se ainda tivesse Vitinha, Fábio Vieira, Díaz, Uribe ou Otávio? Ou o Benfica se tivesse ficado com Enzo, Ramos, Darwin, Grimaldo ou Félix? Ou até o Sporting com Porro, Nuno Mendes, Palhinha, Ugarte ou Matheus Nunes? E onde iriam parar se depois os perdessem a todos ao mesmo tempo, precisando de um “extreme makeover” para continuar?
Há depois, é verdade, competições mais abertas, porque nelas não estão os colossos vindos das maiores Ligas. Ou pelo menos não estarão tantos – que ainda assim, este ano, tínhamos o Leverkusen e o Liverpool FC na Liga Europa, na sequência de temporadas mal conseguidas no plano interno, que lhes vedaram o acesso à Champions. Só que a possibilidade de sucesso nacional na Liga Europa ou na ainda mais aberta Liga Conferência esbarra em dois outros aspetos. Por um lado, a falta de qualidade das nossas equipas de segunda linha: Portugal é um dos países que, em três épocas, nunca colocou sequer um clube na fase de grupos da Liga Conferência, uma fase à qual este ano até as Ilhas Faroé, a Islândia ou o Kosovo chegaram. Todos sabem como pode resolver-se isso: é através de um maior equilíbrio na distribuição das receitas, que torne os nossos clubes de segunda linha mais fortes. Só que começa a ser também claro para todos que, pelo menos numa primeira fase, isso só pode ser conseguido baixando aquilo que recebem os grandes, o que implicará a redução da sua competitividade no plano externo, dificultando-lhes a permanência – e a angariação de receita suplementar – nas provas mais relevantes.
Por outro lado, é cada vez mais claro também que, quando chegam os meses finais da época, até a presença na Liga Europa é mais vista como empecilho do que como prémio pelos nossos clubes principais. Além de ser campeão, a maior motivação de Sporting, Benfica ou FC Porto, quando se chega a Abril, é garantir uma vaga na Champions da época seguinte. Estavam em causa cerca de 45 milhões de euros e, com o novo formato (ver tudo aqui) passarão a ser mais de 60 milhões. E aqui trata-se de entender qual é o caminho mais fácil de trilhar para lá chegar. Sim, ganhar a Liga Europa garante uma vaga na edição seguinte da Champions. Mas o segundo lugar da Liga Portuguesa também dava um bilhete direto. E o terceiro valia a presença nas pré-eliminatórias. Ora, mesmo tendo em conta que perdemos uma vaga, sempre que colocados perante este cenário, todos – treinadores, jogadores, até adeptos – pensam no que está mais à mão. Este ano, seria mais fácil ao Benfica chegar à próxima edição da Champions ganhando a um ainda assim acessível Olympique Marselha, depois à Atalanta e possivelmente numa final ao Leverkusen ou ganhando, como ganharam na luta para garantir matematicamente o segundo lugar, ao Moreirense, ao Farense e ao SC Braga? Alguém tem dúvidas acerca de quais eram as prioridades de Rúben Amorim quando deixou de fora vários titulares na primeira mão da eliminatória com a Atalanta?
A glória europeia é saborosa, mas exigir aos nossos clubes que a privilegiem face à competição nem que seja por um segundo lugar é como pedir a um realizador que deixe de perder tempo com projetos que lhe garantem a sobrevivência para investir toda a sua vida na perspetiva de vir a ganhar um Óscar. Seria bom? Sim, seria maravilhoso. Mas é extraordinariamente difícil e bem menos provável do que fazer uma dezena de bons filmes publicitários bem pagos. É por isso que, curiosamente, a perda de peso de Portugal nos rankings pode até vir a facilitar carreiras mais longas dos nossos clubes nas competições da UEFA. Primeiro porque menos vagas na Champions equivalerão a mais equipas de peso na Liga Europa e na Liga Conferência. Depois, porque aumentam o potencial de desenganados internamente e, por isso, de maior investimento nas carreiras internacionais. Estivesse o FC Porto este ano na Liga Europa e não numa inacessível Champions, onde ainda assim levou o Arsenal aos penaltis, e talvez a baixa probabilidade de ainda ser segundo internamente levasse a uma inversão da lógica habitual. É por isso que talvez os próximos dez anos possam vir a contar com equipas portuguesas nas provas europeias em Maio. E que isso não significará que voltámos a ser uma potência.
Está montada festa para a final da taça de Portugal agora só falta mesmo uma arvore de Natal para que o FCP com o seu presidente e mosqueteiro levantem mais um troféu para mais tarde ser surripiado
Não existe uma mentalidade vencedora nem desportiva no futebol Português, o que se queixam os atletas Olímpicos, também se vê no futebol. Isso aliado a uma tremenda falta de confiança dos treinadores no seu plantel, levam a esta perda de peso. Não entendo a mentalidade atual de que uma competição só vale o que pagam por ela, muito menos ao nível onde estamos e não concordo que tenha de ser feita uma escolha, esta época, por exemplo, quer Sporting, quer Benfica (e regra geral os 3 grandes), tinham (têm) plantel para ir longe na Liga Europa e disputar o campeonato. O Sporting por essa mentalidade pequena acabou, ironicamente, a disputar mais uma eliminatória, um dos aberrantes playoffs de acesso a um playoff que a UEFA adora, ao ficar em segundo ligar no grupo.