Agora é só jogar
O Benfica está mais fraco sem Enzo, mas fôra superior até ao Mundial. O SC Braga está mais forte com Bruma e Pizzi, mas teráde mudar processos. O FC Porto aposta tudo nos valores da estabilidade.
Fechou, por fim, o mercado de Janeiro. Se para os clubes das Ligas que são fundamentalmente compradoras a buzina do encerramento significa que já não poderão fortalecer mais os seus grupos antes do Verão, para quem trabalha em Portugal ela é acompanhada por um suspiro de alívio. Até final da época, já todos sabemos com o que contamos. E o que este mercado de Inverno nos trouxe foi, como há um ano, quando o FC Porto perdeu Luís Díaz para o Liverpool FC, um enfraquecimento do líder do campeonato, neste caso o Benfica, que deixou sair Enzo Fernández para o Chelsea. Os encarnados fizeram-se pagar bastante melhor pelo jogador mais importante da primeira metade da Liga Portuguesa, mas isso só contará no campeonato das finanças, porque acabaram por não utilizar o dinheiro fresco na contratação de um médio para substituir o argentino. De resto, há um ano, o FC Porto substituiu Díaz por Galeno, mas só esta época é que o extremo começou a ganhar relevância nas opções de Sérgio Conceição – e o FC Porto foi campeão na mesma e até ganhou a Taça de Portugal. As boas contratações não se fazem porque são precisas. Fazem-se quando se apresenta a oportunidade. A questão aqui é a de se definir se, ficando mais fraco, como parece indiscutível que fica, o Benfica não estará ainda assim mais forte do que os perseguidores, até por poder usar o efeito lenitivo da liderança como impulsionador. As opções de mercado dos encarnados foram todas para as linhas da frente: Gonçalo Guedes, Tengstedt e Schjelderup permitem, no caso do primeiro, uma abordagem diferenciada à linha de apoio ao ponta-de-lança, e no caso dos escandinavos profundidade de plantel. Mas mesmo com o eventual recuo de Aursnes para a sua posição natural, a meio-campo, a equipa pode ficar descalça naquela zona do campo, para a qual na verdade só tem Florentino e o norueguês, podendo adaptar Chiquinho – como fez ontem, com bons resultados – ou João Mário, que até já jogou a dois no meio-campo do Sporting no ano do título. Se o Sporting, que já nem conta muito para esta conversa, também fica mais fraco com a troca de Porro pela incógnita do que pode render Bellerín, o FC Porto aposta tudo nos valores da estabilidade para começar a perseguição, já hoje, na visita ao Marítimo. E há um SC Braga a dar tudo, com as entradas de Bruma e Pizzi. O que querem os bracarenses com este reforço do plantel, ao mesmo tempo que não contrataram um substituto para Vitinha, o ponta-de-lança saído para o Olympique de Marselha? Anteontem, nas Conversas de Bancada, antes de estar finalizada a saída do avançado, tentei adivinhar o caminho a seguir pela equipa de Artur Jorge, aproximando-a mais do 4x3x3, com um só ponta-de-lança. E também isso começa a desvendar-se hoje, num jogo contra o Sporting, em Alvalade, onde a pressão dos três pontos é enorme para os dois lados. Agora é só jogar.
Se é assim, não treino. Um dos principais problemas da disseminação de narrativas acerca do mercado é que normaliza uma situação que devia ser de exceção e transfere para os agentes e para os jogadores uma sensação de poder que eles não deviam ter. Nem eles nem os clubes, de resto. A questão é simples: há jogadores que se distinguem (ora aí está a exceção) e levam um clube que não aquele que representam a pagar para levar o clube com o qual ainda têm contrato a abdicar dos seus serviços. É uma coisa boa, quando está toda a gente de acordo. Mas se não está toda a gente de acordo, o que há a fazer é respeitar contratos assinados em plena liberdade e com inteira consciência daquilo que lá está escrito. A questão é que os insatisfeitos se julgam no direito de fazer birra. Não é admissível que um clube abdique de um jogador nos últimos meses de contrato, privando-o do direito a exercer plenamente a sua profissão, só porque este não quer renovar e, findo o compromisso, vai seguir com a sua vida noutro local, como aconteceu com o FC Arouca em relação a Dabbagh, impedido de jogar por já se ter comprometido com os belgas do Charleroi a partir de Julho. Da mesma forma, não é admissível que um jogador se recuse a treinar ou, pior ainda, a jogar, porque, convencido de um poder que não tem através de sucessivos tweets e mensagens de whatsapp a prometer-lhe um futuro radioso, acha que aquilo que assinou afinal não tem valor nenhum e que pode entrar numa espécie de greve de zelo só para forçar o clube a aceitar um negócio que este não quer. O futebol é um mundo diferente, onde a mudança de emprego não é livre, como é noutras áreas – e por isso mesmo se pagam transferências além do mês de pré-aviso. E é cada vez mais urgente encontrar fórmulas para acabar com o poder das birras.
Pressão e mobilidade. Apesar da birra de Enzo Fernández e das ausências de Gonçalo Ramos e Rafa – faltava metade do eixo central trabalhado por Roger Schmidt desde o início da época –, o Benfica passeou em Arouca e saiu de lá com um 3-0 tão natural como seria inesperado, face ao sexto lugar em que estava a equipa de Armando Evangelista no início desta jornada. Fica por definir, mais uma vez, o que sobrou da meia-final da Taça da Liga que os arouquenses disputaram com o Sporting: esta equipa não joga mais porque não quer ou porque não pode? Mas se em Leiria ainda se viu o FC Arouca jogar, enquanto esteve em desvantagem, desta vez isso não chegou a acontecer, nem após o 0-1, porque o Benfica foi sempre capaz de impor um jogo de pressão e de reação à perda da bola, complementando-o com um ataque ao qual a troca de Ramos por Guedes deu mobilidade e imprevisibilidade. E se até ao primeiro golo de João Mário, obtido na sequência de uma bela movimentação de Neres e Aursnes, podia ficar a sensação de que o FC Arouca estava tão atrás por questões estratégicas, depois desse momento fica mais difícil explicar essa timidez com motivações próprias, pelo que talvez se torne mais provável que a equipa não jogue mais porque os adversários não deixam. Schmidt não teve Enzo, mas continuou a ter uma linha da frente forte na pressão e, já se sabe, se a bola não sobe em boas condições, nenhuma equipa o fará sem ela.