Isto tem que acabar
O problema do domínio dos mais ricos e da forma como rapinam os restantes é uma questão social. O que é futebolístico e desvirtua a competição é que os mais ricos estejam todos na mesma Liga.
Há 40 anos, os resumos do futebol inglês eram um momento pelo qual todos nós, adeptos portugueses, esperávamos com ansiedade e fervor. Via com avidez como tudo aquilo luzia e brilhava. A banda sonora dos estádios estava incomparavelmente muito à frente daquilo que vivíamos por cá, com cânticos a embalar-nos e um “bruá” constante a pontuar cada jogada em vez da buzinadela episódica que se via em Portugal e que tanto nos remetia para o estádio como para a passagem do carrinho dos gelados. Quando isso começou a ser possível, passei a encomendar e a receber por correio os VHS do “Race for the Championship”, os vídeos de resumo da época da League One impecavelmente montados pelos detentores dos direitos televisivos. E na primeira vez que fui ver um jogo a um estádio inglês gravei o som. A ver os golos, no Domingo Desportivo, nesses tempos de inocência, lembro-me de o meu pai dizer, meio a sério, meio a brincar, que aqueles adeptos estavam sempre felizes, que fosse qual fosse a equipa a marcar eles pulavam com entusiasmo. Percebi mais tarde que esse era parte do encantamento – a forma como a realização nos mostrava as bancadas a celebrar, apontando sempre às que episodicamente tinham razão para o fazer. Parece básico? É básico, mas nem assim era feito por todo o lado. Nalguns locais, como em Portugal, continuamos a transmitir jogos com bancadas vazias frente às câmaras principais. Foi com base nessa capacidade para vender o lado bom do produto que o futebol inglês cresceu como cresceu. Se nesse final dos anos 70 e início dos anos 80 as proezas do Nottingham Forest, do Liverpool FC e do Aston Villa eram devidas a uma superioridade física que a evolução tática do resto da Europa veio depois a anular, neste momento os clubes ingleses exercem um domínio avassalador – por enquanto apenas económico – sobre os do resto do continente, graças à antecipação que demonstraram no superior entendimento de um negócio que vive, como qualquer negócio, dentro das regras da economia capitalista global. A forma como a Premier League passou a concentrar a maior parte do dinheiro do futebol mundial teve mérito. Os ingleses foram quem melhor trabalhou na marketização, na criação de um modelo que os favorece. Mas o meu entusiasmo com o futebol inglês está a um pequeno passo de se transformar em aversão, porque me irrita a forma como os clubes ingleses dominam tudo, como contratam todos os jogadores que querem, fazendo uso dos seus orçamentos incrementados pelos esteróides da TV e do merchandising globais. Mais até do que pelos donos bilionários, que esses também os há noutras paragens. E como tudo em nosso redor contribui para este domínio, da falta de receita dos outros campeonatos, que leva todos os clubes, até os das outras Big Five, a terem de vender e a serem incapazes de concorrer no mercado até com os mais fracos da Premier League, à multiplicação dos agentes e dos especialistas que explicam em tweets sucessivos e insistentes que é para ali que os jogadores têm de ir. A condenação ontem feita por vários destes especialistas – e desde logo replicada por milhares de consumidores dessa informação – à intransigência do Sporting ou do Benfica nas negociações com o Tottenham e o Chelsea por Porro ou Enzo Fernández leva inevitavelmente à disseminação da narrativa segundo a qual os clubes periféricos não podem defender os seus direitos. E isso é muito perigoso. O futebol não é diferente dos outros negócios, na medida em que também se lhe aplica o princípio de Pareto. Mas se isto continua, em breve deixará de fazer sentido termos competições internacionais. Ficamos todos felizes a ver, já não os resumos, mas as transmissões integrais do futebol inglês e a maravilhar-nos com a forma como os espectadores estão sempre contentes e saltam depois de cada golo.
Cancelo e o Guardiolismo. Foi com Pep Guardiola que João Cancelo chegou a ser considerado o melhor lateral direito do Mundo. E foi também enquanto ainda trabalhava com Guardiola que desapareceu do onze principal, quase ao mesmo tempo do Manchester City e da seleção nacional. Autor de dois golos e cinco assistências no clube até ao início de Outubro, dono de um passado de adaptabilidade aos dois corredores que até levou o treinador a carimbar o visto de saída de Zinchenko, Cancelo começou a deixar os observadores inquietos logo nesse mês de Outubro, com alguns jogos menos conseguidos, e confirmou as suspeitas durante o Mundial, que abriu como titular mas onde já viu do banco Dalot a jogar à direita na fase a eliminar, contra Suíça e Marrocos. E Fernando Santos nem é homem de grandes revoluções... O regresso a Inglaterra confirmou que Cancelo caíra na hierarquia de Guardiola também: o adolescente Rico Lewis alinhou nos últimos três jogos, preferindo o técnico adaptar Akanji ou Stones ao outro flanco a voltar a confiar no português. A coisa meteu até, dizem os jornais de hoje, uma discussão entre os dois, resultando no empréstimo ao Bayern em cima do fecho do mercado. Que Cancelo continua a ter condições para ser um dos mais fortes defesas laterais do Mundo, não há dúvidas. Que o problema não é o treinador – ou os treinadores – também parece ser mais ou menos claro. A saída para o Bayern é uma chance de ouro para o português mostrar que pode voltar a ser o lateral decisivo que foi, sobretudo depois de chegar ao City. Mas da mesma maneira que não foi o Guardiolismo a fazê-lo grande, também não vai ser o facto de se afastar de Guardiola que lhe devolverá o nível. Tem de ser ele a fazer por isso.
A grandeza de ser pequeno. O futebol, como tudo na vida, é espelhado nessa gruta platónica que são as redes sociais. O sucesso mede-se em likes, em seguidores, na capacidade para ser viral. Nos últimos tempos, poucos momentos terão viralizado mais do que o “Que mirás, bobo?!” de Leo Messi para Wout Weghorst, na flash-interview que se seguiu ao Argentina-Países Baixos do Mundial. Deu memes sobre memes, mas não foi um bom momento. Ainda que com algum tempo de atraso, Messi teve a grandeza de entender que, naquele instante, mais do que viralizar, devia ter tido respeito pelo vencido. Reconheceu-o agora. E há no ser pequeno, na admissão do erro, uma grandeza incomparável. Não é como ser campeão do Mundo, mas nem todos os campeões do Mundo são capazes de o fazer.
Eu acho que é uma fase que o futebol vai resolver. O que o Chelsea fez neste mercado (Verão/inverno) fez tocar todas as campainhas na UEFA. Já existiu os galácticos do Real, o campeonato Italiano que tinham os grandes jogadores das seleções de cada país, o que fez da Itália o el dourado do futebol nas décadas de 80 e 90. O curioso é que a premier legue nasceu na necessidade de combater o poder econômico de Itália e Espanha. A superliga do clube dos 12 não gosto nada isso uma liga fechada e os restantes por convites. Isso é que iria destruir o futebol, pois o monopólio será para a transformação de regras ao sabor do clube dos 12. Se fosse uma superliga como a AT imagina e descreve eu seria a favor, mas essa liga nunca irá existir. Por isso prefiro a superliga Inglesa á superliga do Florentino Pérez. Agradeço sempre pelo seu comentário isento e por nos fazer pensar no jogo e nas coisas a volta que realmente importam. Sem CMTV.
Mesmo por saberem o produto que têm é que as organizações do futebol inglês têm o respeito que têm pelo público que enche os estádios jogo a jogo, jornada a jornada.
Coisa que não acontece em Portugal infelizmente.