A prova de vida da seleção
A seleção nacional deu em Praga uma importante prova de vida a dois meses do Mundial que vai jogar no Qatar. Com Cristiano Ronaldo em campo mas voltando a processos testados quando ele esteve fora.
A seleção nacional deu, em Praga, a demonstração de que está bem mais viva do que muita gente acha, com uma vitória concludente sobre um adversário certamente limitado do ponto de vista técnico e até tático, mas que nesta Liga das Nações tinha ganho ali à Suíça e empatado com a Espanha e que, no último Europeu, afastara os Países Baixos antes de cair no playoff contra a Dinamarca. Portugal ganhou por expressivos 4-0 à Chéquia mas, sobretudo, ganhou com uma demonstração de futebol coletivo que encontrou na transcendência de um meio-campo sempre disponível para tocar e numa noite particularmente inspirada no remate do lateral Diogo Dalot o complementaridade para o futebol disperso de Ronaldo, que perseguiu o golo sem sucesso e cujo condicionamento dos processos coletivos parece ser menos claro a cada dia que passa.
O capitão de Portugal teve um par de oportunidades flagrantes para marcar golo e não as concretizou, o que deve tê-lo deixado imensamente frustrado – mau seria que não deixasse... – e poderia até criar problemas a uma equipa que dependesse dele para colocar a bola nas redes. Mas não foi isso que se viu. Cristiano continuou a circular pelo terreno, a baixar em apoio ou a cair nas faixas para poder envolver-se na manobra coletiva, mas a diferença entre o jogo de Praga e outras situações recentes é que a equipa soube suportar em posses mais prolongadas e trabalhadas a capacidade de meter sempre alguém nos lugares que ele deixava vagos e de se estender pelo campo. Se, nos comentários em direto, na RTP, dei destaque às posses que geraram o segundo e o terceiro golos de Portugal não foi por achar que a seleção devia candidatar-se ao recorde do mundo dos passes consecutivos, porque esse pertencerá sempre a uma equipa de Espanha, ou a um par de vídeos vistosos para o TikTok ou para o Reels do Instagram, daqueles com cronómetro a contar e números a fazerem “pop” a cada vez que a bola muda de dono. Foi porque o envolvimento coletivo dá à equipa o tempo de que ela precisa para ocupar racionalmente todos os espaços na frente. E, se já houve ocasiões em que a coisa correu mal, desta vez correu muito bem.
O segundo golo, marcado por Bruno Fernandes, surgiu após uma posse de 40 segundos, com 14 passes, fazendo a bola passar pelos três corredores e envolvendo nove dos onze jogadores nacionais – só não participaram Rúben Dias e Danilo. O terceiro, concretizado por Dalot após um drible, foi obtido após 24 segundos de posse e dez passes, envolvendo sete jogadores, mais uma vez nos três corredores – neste, além dos dois centrais, não estiveram o guarda-redes, Diogo Costa, nem Bernardo Silva. Houve neste jogo uma aproximação ao futebol que os observadores associavam à fase de grupos da Liga das Nações de 2019 e que na altura foi ligado à ausência de Ronaldo – mas que aparentemente pode ser jogado com ele em campo. Porque Ronaldo, sendo um goleador de excelência, já não é o jogador que exige constantes ataques à profundidade, com finalização rápida ou perda de bola – aliás, quanto mais velho ele for, menos este futebol lhe convirá, porque é normal que ele perca velocidade. E, seja porque ele próprio terá já entrado nesse comprimento de onda ou porque o resto da equipa reagiu subconscientemente à sua presença corriqueira no banco do Manchester United com a desvalorização dos processos que era normal achar-se que mais lhe convinham, a seleção pareceu em Praga uma equipa mais harmoniosa.
Mais do que para a Liga das Nações, prova na qual saberemos amanhã se passamos do jogo em casa com a Espanha, o desafio de Praga pode ser visto como antecâmara do Mundial que aí vem. A entrada de Rúben Neves no meio-campo vem ajudar a este processo mais coletivo, a colocação de William sobre a meia-esquerda também, as constantes trocas entre Bernardo Silva e Bruno Fernandes na direita e no meio mantiveram finalmente a equipa com ocupação racional dos três corredores. Os quatro fizeram excelentes jogos – pelo menos enquanto foi havendo jogo, que a seguir ao 0-3 a equipa baixou muito em todos os parâmetros. Dizem os dados da Goal Point que ao intervalo a posse de bola de Portugal estava nos 69 por cento e que a eficácia de passe era de 90 por cento. No final, estes valores baixaram para 56 e 87 por cento, fruto do normal desligar da ficha da intensidade. Não sabemos se, com um jogo ainda em aberto, a equipa seria capaz de manter a regularidade exibicional ou se deixaria que uma maior dimensão física do adversário a empurrasse para trás, como chegou a acontecer em dados momentos do desafio, ainda que sem consequências.
E atenção: Portugal não é, assim de repente, favorito a ganhar o Mundial só porque bateu por 4-0 fora de casa a Chéquia e resolveu bem o problema que lhe apresentava um adversário mais físico e direto. Da mesma forma que o não será se, amanhã, resolver igualmente bem o problema que lhe será apresentado por um rival mais técnico e circular. Mas lá que é melhor entrar no Mundial com o oxigénio das vitórias do que com as dúvidas provocadas por desaires, disso ninguém duvidará.
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