A Liga em balanço
A última jornada já não trouxe novidades no topo, reservou emoções nos fundos e deu-nos a confirmação de surpresas e desilusões de toda uma época. Afinal, de quem era de se esperar mais e menos?
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Acabou a Liga, com emoções como o penalti de Reisinho, aos 90+11’, a valer a permanência do Boavista e a condenar o Portimonense, vencedor do dérbi do Algarve, ao play-off com o AVS, também ele salvo de uma quebra estrondosa – só três vitórias nas dez últimas jornadas – por um golo de André Clóvis a sete minutos do final, na baliza do Marítimo, em Viseu. Mesmo com um campeão definido a sobrarem duas semanas, tivemos animação até ao fim. E nem os problemas habituais, como a hostilização idiota aos adeptos, sobretudo se ousam ver as suas equipas jogar longe de casa, ou o peso excessivo dado à opinião dos sabichões intolerantes que poluem o ambiente em torno do jogo mais belo do Mundo, das redes sociais às televisões, evitam que vivamos um momento único na história do nosso campeonato. A classificação final, se vista à distância e dividida em pelotões, encaixou no mais ou menos previsível, mas a alternância no topo da tabela permitiu que 2024 prolongasse um ciclo de mudança que já vai em sete épocas seguidas sem termos um bicampeão. Um recorde nacional e um fenómeno em contraciclo na Europa, onde o mais normal é a consolidação do poder das maiores potências e a fixação de séries imparáveis de conquistas.
FC Porto em 2018, Benfica em 2019, outra vez FC Porto em 2020, Sporting em 2021, mais uma vez FC Porto em 2022, Benfica em 2023 e agora Sporting em 2024. São só três clubes a ganhar, mas já vamos em sete anos consecutivos com um novo campeão, portanto sem que o anterior faça prevalecer a máxima que nos diz que o vencedor do campeonato entra como favorito na temporada seguinte. O título leonino estabeleceu um novo recorde nacional de alternância, que ia nos seis anos entre 1955 e 1961, após o bicampeonato de um Sporting ainda com três dos cinco violinos em campo, na época anterior, e a durar até à repetição do sucesso de um Benfica ao mesmo tempo campeão europeu e com a base da equipa que marcaria toda a década seguinte. E, no entanto, a Liga não nos trouxe assim grandes surpresas. Já no início se previa que a luta principal pudesse ser entre Sporting e Benfica, ou que FC Vizela e GD Chaves se deixassem cair para complicações relacionadas com a descida de divisão. Houve surpresas boas, tais como os campeonatos feitos pelo Moreirense ou pelo FC Arouca, da mesma forma que tivemos desilusões, acima de todas o FC Famalicão e o Estoril, que pareciam preparados para entrar noutro patamar, mas no cômputo geral este foi um campeonato em linha com o esperado.
Claro que não seriam muitos a prever o Sporting campeão, mas o trabalho certeiro e sempre detalhista de Rúben Amorim na afinação de uma máquina para a qual foi buscar as peças que lhe faltavam – Gyökeres, sim, mas também Hjulmand e Geny Catamo –, aliado à incapacidade do Benfica para fazer casar recursos com ideia, começou a fazer pender a balança para os lados de Alvalade. Os leões trabalharam melhor o grupo que tinham e, sobretudo, compuseram-no de acordo com aquilo que tinham engendrado ao mais ínfimo detalhe, ao passo que as águias se limitaram a acumular talento à espera que isso chegasse para estabelecer a química que as levasse ao sucesso. Talvez até pudesse ter sido suficiente, não nos tivesse a época mostrado um Sporting tão forte – os 90 pontos finais são batidos apenas pelos 91 do FC Porto de 2022. E é verdade que este Sporting se tornou apenas a quinta equipa deste século a fazer subir a vantagem sobre o segundo para os dois dígitos, juntando-se aos dois Portos de Mourinho, a um dos Portos de Jesualdo Ferreira e ao FC Porto de Villas-Boas, mas muito do alargar dessa vantagem se deveu à implosão final do Benfica, que só ganhou uma das quatro últimas saídas. A “onda benfiquista” tem destas coisas: se está bem, está muito bem; se está mal, está muito mal. E a forma que o clube encontrará para lidar com a frustração dos adeptos que contavam com o bicampeonato desde que viram Di María assomar a uma varanda do Estádio da Luz, no Verão passado, é uma das principais curiosidades do defeso.
A última jornada trouxe ainda a confirmação do terceiro lugar do FC Porto, capaz de resistir à tentativa do SC Braga manter o lugar no pódio de 2023 e a ganhar embalo para a final da Taça, na qual tentará bater o campeão Sporting e repetir algo que Portugal também já não conhece desde 2018, que é a distribuição dos quatro troféus por quatro equipas diferentes – o Benfica ganhou a Supertaça e o SC Braga a Taça da Liga. As mudanças sancionadas em eleições vieram evidenciar um FC Porto em fim de ciclo, restando agora saber quanto tempo o clube demorará a iniciar a curva ascendente, sendo que um sucesso no Jamor poderia até ser uma espécie de trampolim a apressar as coisas. Em Braga, o título nacional dos sub19, a quase subida da equipa B à II Liga – onde os únicos B presentes são o Benfica e o FC Porto – e a contratação de Daniel Sousa para liderar a formação principal podem ser vistos como sinais de que a queda do pódio se deveu mais ao recuperar da normalidade sportinguista do que a uma quebra com algo de preocupante. Num ano de grande investimento, o SC Braga fez menos dez pontos do que na Liga anterior – o FC Porto perdeu 13 e o Benfica perdeu sete – mas tem futuro à sua frente, há-de ter aprendido com os erros e tentará agora recuperar a partir da contratação de um dos treinadores-sensação da época. Daniel Sousa acabou a temporada no FC Arouca na sétima posição, mas pegou na equipa, em Novembro, em último lugar. Nas 23 jornadas em que esteve aos comandos somou 40 dos 46 pontos totalizados pelos arouquenses, parcial apenas inferior aos dos cinco primeiros – e só marginalmente abaixo dos 44 do Vitória SC, dos 45 do SC Braga ou dos 47 do FC Porto, afinal de contas suficiente para deitar por terra a ideia de que a presença nas pré-eliminatórias da Liga Conferência pode condenar uma época.
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Tendo em conta que o FC Arouca já tinha sido quinto colocado em 2023, a equipa sensação da Liga acaba por ser o Moreirense, que no entanto deixou a ideia de abrandamento a partir do momento em que percebeu que a manutenção já não lhe escapava. Marcado pela solidez defensiva, o Moreirense de Rui Borges sofreu com a saída do ponta-de-lança André Luís: fez só 16 golos nas 19 jornadas depois da perda do atacante, o que o levou a perder a luta pela Europa. Não era por lá esperado, apesar de tudo. A expectativa seria a de uma temporada tranquila, mas antes dos cónegos era de esperar que fossem equipas como o FC Famalicão ou até o Estoril a encontrar o mapa da mina que os levasse a pensar em mais altos voos. Foram as desilusões da temporada, ambos marcados pela instabilidade e até por alguma incapacidade de transformar bons princípios em resultados. João Pedro Sousa não repetiu os resultados da primeira passagem e os famalicenses só entraram na primeira metade da tabela quando ele foi substituído por Armando Evangelista, regressado de uma aventura brasileira. O Estoril ganhou três vezes ao FC Porto, pareceu sempre jogar mais do que se via na tabela, mas acaba num 13º lugar que só pode ser visto pelo líder, Vasco Seabra, como uma desilusão para um plantel que tinha talentos como Guitane, Rodrigo Gomes, Mateus Fernandes, João Marques ou Bernardo Vital. Se no caso famalicense é de esperar uma retoma depois do Verão, o do Estoril é bem mais difícil de explicar.
Não houve surpresas também no fundo da tabela, onde o GD Chaves e o FC Vizela – já os tinha a ambos nas três últimas posições no prognóstico de início de época – confirmaram que não é fácil resistir à inadequação. Os minhotos deitaram fora metade da época com um treinador que não tinha uma ideia e gastaram a segunda metade com outro que tinha ideias dificilmente aplicáveis àquele grupo de jogadores. Os transmontanos fizeram tudo mal, desde a composição do plantel aos remendos que foram juntando à medida que a temporada seguia o seu rumo normal e às formas de Moreno Teixeira os utilizar. Mesmo do Portimonense, a quem eu tinha vaticinado um 13º lugar final, escrevi na altura que a manutenção poderia chegar “com mais dificuldade do que nas últimas temporadas”. Não chegou, devido ao tal penalti de Reisinho que salvou o Boavista. No Bessa, o sofrimento era esperado, mesmo após um arranque de época que chegou a ter a equipa de Petit no topo da tabela. As dificuldades financeiras, o dinheiro que foi faltando ou a mudança de treinador penalizaram um clube que tem tudo para ser grande... menos juízo. “A ideia que fica é a de uma equipa a lutar até ao fim pela permanência”, escrevi a 12 de Agosto. E foi até ao fim, mesmo.
O Sporting foi um justo campeão e demonstrou que não tem um plantel curto. Sempre considerei a desnecessidade de ter mais do que dois jogadores por posição, principalmente quando há equipa B. A ideia de que um plantel equilibrado tem 28 jogadores não tem grande cabimento. Só faltou mais um avançado para completar os dois por posição, já que Paulinho andava a fazer de avançado centro e de segundo avançado quando rodava com Edwards ou Trincão. Já o Benfica há que perceber se é a direção que contrata sem aval do treinador, ou o treinador que falha nas contratações. O Porto terá de ser uma das desilusões, dado o campeonato que fez, fora da luta pelo título logo em fevereiro, depois de uma luta que parecia ser a 4 no inicio do ano. O Braga ainda continua a ser a equipa do 4.º lugar, salvo a má época de um ou dois dos três grandes. Braga e Estoril deviam usar a formação de qualidade que começam a ter, para dar um passo em frente, principalmente o Braga que falhou redondamente no mercado quando contratou os jogadores mais experientes. Não podem ter medo de lançar os "miúdos".
O Vitória é um caso de estudo, como consegue terminar em quinto lugar e parecer lutar pelo terceiro nas últimas jornadas, embora afastado dessa luta já no fim, com aquela instabilidade diretiva de um clube que não sabia o que queria. Nunca vi um clube com tantos treinadores diferentes acabar tão em cima na classificação. O Boavista terá de obrigar a Liga a ter coragem de cumprir regulamentos, sem ficar com dores de consciência e fazer de tudo para dar o dito por não dito. Curiosamente foi por porem um processo contra o Boavista na gaveta, justamente despromovido, para prescrever, que aumentaram (mal) o campeonato para 18 equipas, foi o Boavista e o Vilaverdense a quem permitiram jogar com salários em atraso. A Liga tem de aplicar os regulamentos na próxima época, ou eles existem para quê?