O ano zero do SC Braga
Em Braga, pode olhar-se para 2023/24 como o ano da terceira Taça da Liga, da primeira aposta a sério na luta pelo título ou como o ano zero daquilo que pode ser o futuro do clube. Este é o caminho.

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A época de maior expectativa da história do SC Braga chega ao fim a depender, sobretudo, do FC Porto. É verdade que os braguistas já não a encerram de mãos a abanar, pois até ganharam a terceira Taça da Liga da sua história, ainda que o tenham feito com pouco brilho: uma vitória à base da resistência sobre o Sporting na meia-final e outra nos penaltis sobre o Estoril na decisão. Ainda assim, chegam ao fim a depender de duas derrotas do FC Porto nos últimos dois jogos da época para conseguirem a qualificação direta para a Liga Europa, espécie de serviços mínimos para uma equipa que em Agosto se admitia pudesse intrometer-se na luta pelo título e que no Outono andou a jogar com o Real Madrid e o SSC Nápoles na Liga dos Campeões. Feitas as contas, se o Verão trouxer outra vez o empecilho das pré-eliminatórias, a coisa vai saber a pouco. E isso é bom, desde que se aprenda com os erros e se entenda que este tem de ser encarado como o ano zero do futuro do clube.
Dir-me-ão que esta não foi a primeira aproximação do SC Braga à luta pelo título, que já em 2010 a equipa de Domingos Paciência acabou em segundo lugar, a cinco pontos do campeão, que foi o Benfica, tendo entrado para a última jornada a três e, por ter vantagem no confronto direto, em condições de ainda sonhar com o troféu. Mas essa foi uma época que chegou antes do previsto até nos melhores sonhos do presidente António Salvador. Essa equipa até cresceu ainda, foi à final da Liga Europa da temporada seguinte, perdida em Dublin com o FC Porto de Villas-Boas, obteve um terceiro lugar na Liga dois anos depois, já com Leonardo Jardim à frente do plantel, mas não estava consolidada desde a base como está a atual. Esta época, o SC Braga pode até acabar em quarto lugar e ficar já amanhã a saber que a vaga na próxima Liga Europa dependerá das pré-eliminatórias, mas olha para a base e vê tudo a crescer de forma segura: a equipa B pode confirmar no domingo a subida à II Liga, onde estão as formações secundárias de Benfica e FC Porto mas não está a do Sporting, por exemplo; e os sub19 têm dois match-points à disposição para serem campeões nacionais do seu escalão, o primeiro já amanhã, contra o mesmo FC Porto que os seniores defrontarão à noite, o segundo na semana que se segue, em casa com o Académico de Viseu.
Este conjunto de resultados confirma que as bases do trabalho estão a ser bem feitas no SC Braga e que se os objetivos acima falharam é porque aí se cometeram erros ou, na melhor das hipóteses, ainda não se completou o processo de crescimento. A 12 de Agosto, no texto com os prognósticos para esta Liga, em que vaticinei o quarto lugar final do SC Braga (e que pode ler aqui), escrevi que o ano de 2024 poderia “ser o de um passo atrás que permita depois encarar a possibilidade de mais uns quantos em frente”. Ora os passos em frente vão sempre depender de uma avaliação rigorosa e exigente daquilo que se fez mal este ano – e já nessa previsão global da classificação final, que hoje me arranca alguns sorrisos e outras tantas gargalhadas, eu escrevia sobre a “complacência” como um dos problemas a erradicar pelo SC Braga. A atitude competitiva da equipa tem de partir sempre de uma base de exigência que o reforço do plantel proclamava e isso nem sempre aconteceu, como se viu logo na partida inaugural, na forma como surgiu a derrota caseira com o FC Famalicão, de 1-0 para 1-2 nos 30 minutos finais, e como se viu depois, em escorregadelas várias contra equipas menores e no saldo amplamente negativo nos cinco jogos já feitos contra os grandes na Liga (um empate e quatro derrotas). António Salvador terá procurado resolver esse problema dotando a equipa de experiência, através de contratações como as de João Moutinho ou José Fonte, dois campeões europeus de 2016. Só que se o primeiro demorou mas acabou por impor o seu futebol mais pendular a meio-campo, o segundo entrou de caras no onze mas veio depois a sair por se ver que deixava a equipa curta ali.
Um dos problemas do SC Braga de 2023/24 terá sido a falta de acerto na definição estratégica do plantel. Beneficiando do estatuto, que lhe permite abastecer-se na nossa Liga de craques que, se fossem detetados pelos três grandes, levariam os detentores do passe a pedir logo um valor dobrado ou triplicado, o SC Braga conseguiu construir um plantel cheio de opções. Se se olhasse para o grupo à partida, parecia evidente que havia pelo menos dois jogadores iguais para cada posição, para cada função. Depois, aproveitando a tranquilidade no trabalho que lhe é permitida, mesmo após o insucesso – uma derrota em casa a abrir num dos três grandes levaria a horas e mais horas de TV e a que se pusesse tudo em causa – o SC Braga construiu a equipa para perceber que lhe sobrava variedade mas lhe faltava poder concreto para adotar uma fórmula e tornar-se especialista com ela. Artur Jorge tinha um ponta-de-lança de área, como Banza, e um de ligação, como Abel Ruiz. Tinha extremos puros às pazadas em Bruma, Djaló e Roger, mas também jogadores que queriam procurar o meio a partir da faixa, como Ricardo Horta, Ronny Lopes ou Pizzi. Tinha médios mais seguros, como Vítor Carvalho ou João Moutinho, e outros mais progressivos, como Al Musrati – que quase não chegou a estar cá de verdade esta época –, Zalazar ou André Horta. Viu Joe Mendes crescer para discutir uma das laterais a Victor Gómez e Borja num plano aceitável face aos problemas físicos de Marín. Mas nunca teve uma dupla de centrais capaz de corresponder à incapacidade defensiva que toda a equipa revelava e não viu Matheus dar o salto de qualidade na baliza que as últimas épocas permitiam acalentar.
Era possível ter sucesso com uma ideia tão ofensiva como foi a do SC Braga durante a maior parte da época, desde que se tivesse uma linha de trás à prova de bala. Mas não com a linha de trás deste SC Braga. É injusto culpar os defesas quando a generalidade da equipa mostrava tanta fragilidade nos comportamentos sem bola, mas olhando para as coisas daqui percebe-se que foi um erro a abordagem hiper-ofensiva do início de época. O SC Braga teve o melhor ataque da primeira volta, a par do Sporting (ambos fecharam as primeiras 17 jornadas com 40 golos marcados), mas já seguia nessa altura a dez pontos dos leões. Na segunda volta, quando Artur Jorge optou por segurar mais a equipa a partir de um meio-campo conservador e com menos risco, por exemplo adiantando Zalazar, o SC Braga passou a marcar menos golos e a fazer mais pontos. O SC Braga da segunda volta fez apenas 31 golos – menos 22 do que o Sporting, até agora, mas também menos dez do que o Benfica e menos seis do que o FC Porto – mas tem mais dois pontos e é a terceira equipa desta fase, a dois do Benfica. A preparação da nova época, a fazer por Daniel Sousa, que chega de Arouca, onde montou uma equipa que tem segurança desde as linhas mais avançadas e depois não precisa de médios-defensivos façanhudos ou centrais velocistas, tem de partir de uma escolha antes de todas as outras. A que vai jogar o SC Braga de 2024/25? Porque dessa resposta depende a definição de onde pôr o foco no mercado, em super-defesas centrais ou em atacantes mais seguros na posse. O resto passa por se entender que um plantel são 25, mas uma equipa continua a fazer-se com onze.
Excelente análise! 👏🏽