A Itália de Conceição
Os italianos vivem numa bolha difícil de rebentar e viram tudo ao contrário nas motivações de Conceição. O treinador não quer voltar aos anos 90 mas sim dar um upgrade estratégico à Serie A.
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A dada altura das explicações passadas em privado aos jornalistas, na esperança de sempre, que é a de as ver replicadas em papel impresso ou soundbyte televisivo, os responsáveis do Milan tiveram uma espécie de flashback e justificaram a entrada de Sérgio Conceição para a vaga do escorraçado Paulo Fonseca com o facto de o ex-treinador do FC Porto ter jogado em Itália “na época de ouro da Serie A”, que foram os anos 80 e 90, e ter ficado tão fascinado com o país e aquele futebol que nem quis a Premier League, onde neste final de ano Jorge Mendes lhe oferecera o banco do Wolverhampton. Não me custa crer que Conceição quisesse mesmo a Itália, não tanto por ser a Itália mas porque desde o Verão que sabia que o apelo que dali chegava era o do Milan, clube mais icónico e potencialmente vencedor do que o entreposto anglo-chinês do superagente que o representa. Mas outras justificações passadas em privado, a colar a imagem do técnico à de Antonio Conte – até vi escrito que Conceição era visto por cá como “o Conte português”, coisa que francamente jamais me ocorrera –, e até as frases pragmáticas proferidas por ele na apresentação afastam a realidade da perceção dessa Itália de charme e brilho em que só os italianos ainda julgam viver. Porque as verdadeiras razões de Conceição são outras e passam pela noção de que pode dar um sério upgrade estratégico ao jogo no país que ainda não valoriza o que é verdadeiramente diferenciador em Giampiero Gasperini, por exemplo.
A Itália futebolística de hoje já não é essa Itália dos anos 90, do exclusivo das gravatas de seda, dos sobretudos de caxemira e das concorrentes a concursos de beleza na apresentação dos programas desportivos, por exemplo. E isso percebe-se igualmente nos dinheiros – de acordo com a imprensa local, Conceição vai ganhar nestes primeiros seis meses um milhão de euros, bem menos do que lhe garantia o último contrato com o FC Porto, que depois servirá de bitola para o seu salário a partir de 2025/26, fixado nos três milhões e meio por época. Conceição queria a Itália, mas não há-de ter sido por dinheiro, por mais generosos que venham a ser os prémios oferecidos por Gerry Cardinale, o dono do Milan, incomensuravelmente rico mas ele próprio menos espaventoso do que um Sílvio Berlusconi dos bons velhos tempos, em caso de apuramento para a Liga dos Campeões ou de conquista de algum troféu. A começar já pela Supertaça que hoje arranca na Arábia Saudita e que amanhã, na segunda meia-final, colocará Sérgio frente a frente com a Juventus do seu filho Francisco. O que os italianos viram em Sérgio Conceição foi o gregarismo, a capacidade de trabalho que sempre foi uma das suas imagens de marca, o “coração quente em cabeça fria” – que por vezes também lhe falta –, a seriedade e o empenho, a ponto de terem noticiado que no treino de ontem, já em Riade, “todos os jogadores utilizaram caneleiras”. E está tudo bem, desde que não achem que também foi por isso ou, pior ainda, por simples vontade de ascensão sócio-futebolística que Conceição trocou a tranquilidade pelo trabalho no Milan.
E o problema é que acham, como se percebe pela valorização que fizeram do facto de, com exceção do curto período no FC Nantes, Conceição nunca ter trabalhado num campeonato de topo. Ou pelas notícias de mercado que apontam Trincão ou Pepê ao Milan já neste início de Janeiro como forma de os Rossoneri compensarem a lesão de longa duração de Chukuweze. O que se lê por lá é, por exemplo, que 25 milhões chegariam para levar Trincão de Alvalade a correr e a saltar – quando o Sporting pagou dez milhões por metade dos direitos económicos sobre o jogador e só receberia 12,5 milhões pela perda de um ativo que tem mais dois anos e meio de contrato. Porquê? Porque, dizem, o jogador também quereria a Itália, aparentemente para provar que é capaz de ter sucesso – lá está... – num campeonato de topo, depois de ter fracassado no FC Barcelona e no Wolverhampton. Não sei se Conceição acha que que fica mais perto de poder ganhar uma Liga dos Campeões no Milan do que estava no FC Porto – e eu próprio acho que, pelo menos nos próximos quatro ou cinco anos, não fica. Mas sei que aquilo que os italianos valorizam neste momento é o que menos importa. Até o afastamento do plantel portista de Ivan Jaime, André Franco, Toni Martínez e Jorge Sánchez, na sequência do empate com o FC Famalicão, na época passada, foi apontado como exemplo daquilo que é Conceição: um “duro”, capaz de disciplinar um plantel que Paulo Fonseca tentava liderar de uma forma mais suave e dialogante. E não deixa de ser curioso que essa propensão para a destruição de capital futebolístico seja uma das principais razões – senão mesmo a principal – para que, tendo demitido Roger Schmidt e visto escapar Ruben Amorim, o Benfica e o Sporting nunca tenham avançado para Conceição como substituto.
Também não sei se Conceição aceitaria o Benfica ou o Sporting. Mas atrevo-me a dizer que a escolha do Milan não terá sido motivada pelo brilho das luzes da Serie A, por qualquer tipo de nostalgia dos anos 90 ou por uma vontade quase sádica de fazer estalar o chicote de forma a domar jogadores rebeldes. Sérgio Conceição vai ser em Itália o que foi em Portugal. E não, não é uma cópia contrafeita de Conte, uma espécie de durão da Sé Nova, o treinador tão focado nos aspetos práticos do futebol que simplifica o jogo a ponto de dizer que “há duas balizas, uma para marcar e outra para evitar que a bola entre” ou que “o tiki-taka é metê-la lá dentro”. O que Conceição viu no futebol italiano foi um jogo em bruto, onde poderá fazer valer aquilo que mais o distingue, que é a sua superior capacidade estratégica. O que Conceição viu no Milan foi um gigante num campeonato onde lhe será mais fácil impor a diferença do que seria, por exemplo, na Premier League, que está hoje muitos furos à frente até mesmo da Liga Espanhola, no que respeita ao trabalho dos treinadores. As equipas italianas não têm os melhores jogadores, como tinham nos anos 90, quando Conceição por lá jogou. O sucesso, ali, mas sobretudo no plano internacional, passa inevitavelmente por fazer a equipa valer mais do que a soma dos jogadores – e isso é algo que, neste momento, em Itália, só sucede com a Atalanta de Gasperini. É isso que os italianos não conseguem ver, porque a bolha em que estão lhes obstrui essa capacidade.
O campeonato italiano tornou-se altamente competitivo porque os 3 grandes de Itália caíram alguns degraus e agora temos Atalanta, Nápoles, Lázio e até Fiorentina ao mesmo nível. O campeonato tornou-se mais interessante mas nota-se que está numa transição técnica. Das outras 4 Big5 temos apenas 3 treinadores italianos a treinar, um titulado mas da velha guarda - Ancelotti, e dois rebentos da nova geração, um mais estabelecido - De Zerbi - e outro a despontar, Maresca. Portanto, sim, uma grande oportunidade para Conceição porque a escada a subir não parece ser tão alta. Curiosidade: quais são os técnicos italianos que despertam mais o interesse do AT além do De Zerbi?
Tecnicamente é capaz, mas estou curioso para ver o que acontece quando não estiver sob a proteção de Pinto da Costa, isto é, se poderá pedir a manutenção de jogadores que tenham propostas, como fazia legitimamente no Porto, com os riscos de saída de borla no fim do contrato, embora a necessidade de venda não seja tão grande ali. Ou como será com as contratações de jogadores que so jogam pasados três meses. Finalmente no seu calcanhar de Aquiles, aquele feitio que conhecemos que tantos castigos lhe valiam, embora esteja na terra do "mau feitio", com todo o respeito e gosto por Itália que eu tenho.
Certamente que os italianos sabem que não são a mesma potência de outrora, nem que seja pelos resultados esquizofrénicos da sua seleção. Quanto à alcunha, lembra quando o Barcelona anunciou Quaresma dizendo que em Portugal era chamado de 'Harry Potter de Alvalade", não entendo estas fontes imaginárias.