A inquietação num negócio
O negócio que se apresenta ao Benfica por Gonçalo Ramos é justo e, sim, também parece necessário. Sobram inquietações para todas as partes envolvidas, sobretudo para Roger Schmidt.
Gonçalo Ramos parece estar a caminho do Paris Saint-Germain, por 65 milhões de euros (mais 15 milhões por objetivos), situação que enquadra algumas inquietações para todas as partes envolvidas no negócio, mas que se refletirá negativamente sobretudo na equipa que o Benfica poderá apresentar no curto prazo. O jogador vai dar um salto grande, porque aparentemente lhe caberá a ele e a Dembelé – que também estará aí a rebentar, vindo do FC Barcelona – suprir as saídas de Messi e Mbappé. Vão ser chuteiras difíceis de preencher... O PSG baixa muito o potencial-estrela do seu plantel, onde à exceção do tantas vezes ausente Neymar, deixa de haver quem esteja claramente acima do resto do grupo – e isto pode ser um problema numa cidade tão cosmopolita como Paris. É quando penso quem é que vai estar na montra da megastore dos Campos Elísios, ali a meio caminho entre a Concórdia e o Arco do Triunfo, a arregimentar turistas para a causa do PSG, que me vêm à memória as imagens do balneário do Richmond AFC na série de ficção Ted Lasso, quando o clube londrino contratou Zava, o autoproclamado melhor jogador do Mundo, que até tinha uma poltrona e três cacifos para se equipar. Curiosamente (spoiler alert), a equipa só se qualificou para a Champions depois de Zava se retirar sem dar satisfações a ninguém, para se dedicar à sua quinta de abacates. No Benfica, as inquietações são diferentes. Há quem aponte o dedo à administração por facilitar a venda do jogador, das três uma, ou porque acha que é fácil ou até justo negar a um jovem a possibilidade de quintuplicar o salário, ou porque vive nos anos 60 e não entende que ele está a subir na cadeia alimentar do futebol europeu, ou porque sofre de uma incapacidade severa para avaliar jogadores no mercado, provavelmente incutida por alguns negócios irreais feitos nos últimos anos. Os 80 milhões – se a coisa lá chegar – por Ramos são uma avaliação bastante justa para um atacante que fez 27 golos na última temporada, três deles na Champions – ou sete, se contarmos as pré-eliminatórias. E só parecerão um valor mais modesto porque o Manchester United está prestes a entrar numa loucura essa sim difícil de justificar por Rasmus Höjlund, que são os 75+10 milhões pagos à Atalanta por um jovem com nove golos na Serie A italiana. É claro que o Benfica teria sempre o poder de dizer não, porque está protegido pela cláusula de rescisão (120 milhões), mas já se sabe que o negócio dos clubes portugueses são as mais-valias. “Então e o Benfica não vendeu já o Enzo por 120 milhões em Janeiro?”, perguntarão os mais céticos. Vendeu. Mas nem esse negócio foi só lucro nem ele se reflete no exercício de que falamos. A SAD do Benfica vem de dois exercícios com as contas a negativo: 17,4 milhões de euros em 2020/21 e 35 milhões de euros em 2021/22 – época na qual foi já incluída a venda de Darwin Nuñez ao Liverpool FC. A expectativa para as contas de 2022/23 é a de que elas venham no verde, porque nelas se refletirá o negócio Enzo Fernández (a venda ao Chelsea mas também a compra ao River Plate). E, a fazer-se, a transferência de Gonçalo Ramos entrará no exercício de 2023/24. O Benfica fará com Gonçalo Ramos um pouco o que o Sporting fez com Matheus Nunes há cerca de um ano – curiosamente também antes de um jogo com o FC Porto. Se vender, faz um bom negócio, mas deixa a equipa manca. É essa a inquietação com maior razão de ser. Sem Gonçalo Ramos, Schmidt perde, não tanto os golos dele, porque Musa já deu mostras de poder responder bem na finalização e em princípio ainda virá mais um avançado, mas sobretudo o perfil associativo e a inteligência na pressão (que pressionar não é só ter disponibilidade física) do avançado algarvio. Além de ainda não ter dado mostras de ter encontrado um substituto à altura para Grimaldo na capacidade que o espanhol tinha de desequilibrar na esquerda, Schmidt tem agora mais uma questão com a qual se debater.
A oportunidade de Rony. Rony Lopes está a um pequeno nada de passar à história como um dos talentos mais desaproveitados da sua geração. Fenómeno precoce, seguiu do Benfica para o Manchester City ainda durante a formação. Jogou pelos citizens aos 17 anos, juntou à estreia uma mão cheia de aparições e foi notícia de jornal. Andou pelo Lille OSC e pelo AS Mónaco, onde foi inspirador, com Leonardo Jardim. E foi então que deu o passo maior do que a perna: a seleção, onde nunca se impôs, e o Sevilha FC, que pagou 25 milhões para o ir emprestando a equipas menores. O OGC Nice, nono em França; o Olympiakos, onde foi campeão com Pedro Martins, mas, enfim, foi na Grécia; e o ESTAC Troyes, de onde vem de descer de divisão, apesar dos seus sete golos e cinco assistências na Ligue 1. Rony tem 27 anos e, para ele, o SC Braga é uma oportunidade de ouro para mostrar que não andou este tempo todo a viver do hype em torno daquele ano no Mónaco. Para o SC Braga, a ocasião é igualmente boa. Junta ao grupo, praticamente a custo zero, um talento que dá profundidade ofensiva ao plantel de Artur Jorge, ainda por cima um talento que, mal ou bem, sabe o que é estar num grupo campeão. Foi uma excelente operação para as duas partes.
O recital de Diogo. Quando no Benfica o baixaram no campo, transformando-o num projeto de lateral ofensivo, parecia que estavam a dar a Diogo Gonçalves a última oportunidade de se transformar num jogador de topo. Ele podia ser um razoável extremo, mas não competia com os que havia em seu redor no plantel, pelo que à sua frente parecia abrir-se um novo caminho, como lateral de inegável projeção ofensiva. Não foi isso que viram nele em Copenhaga, para onde passou a meio da época passada, depois de ter feito um golaço ao Midtjylland, numa pré-eliminatória da Champions já resolvida e com Schmidt a rodar. Diogo Gonçalves viajou para a Dinamarca para ser extremo, mas foi a partir de posições interiores, como segundo avançado e até como oito, que deu um recital ontem, com um golo de livre e duas assistências em 13 minutos a arrumarem de vez a questão que o FC Copenhaga já tinha bem encaminhada. O adversário, os islandeses do Breidablik, era demasiado fraco, é verdade, mas do jogo ficou a curiosidade de ver o que Diogo pode fazer por dentro.