A exigência permanente como arma
Sérgio Conceição diz que para ele "é sempre Champions". A exigência permanente como arma de comunicação tem vantagens e desvantagens. Tal como a abordagem descontraída de Rúben Amorim.
Sérgio Conceição tem uma forma muito própria de encarar a competição. Dizem os que não gostam dele que ele anda sempre mal disposto, mas o próprio certamente olhará para a coisa de outro ângulo e dirá que o que mete é sempre muita seriedade no trabalho. A frase que me ficou da conferência de imprensa de antecipação do jogo do FC Porto com a Lazio (hoje, 20h) foi um espelho desse estado de espírito: “Estar no FC Porto é estar sempre na Champions”, afirmou o técnico portista, como que a dizer que não admite relaxamentos. É uma forma de comunicar menos simpática do que a de Rúben Amorim, menos pitoresca do que a de Jorge Jesus e, como todas as outras, tem prós e contras. Gera equipas combativas, competitivas e eventualmente menos atreitas a errar, mas perde pelo caminho gente incapaz de aguentar a pressão máxima e obriga à instituição da narrativa do inimigo externo como forma de poder arregimentar e unir apoios.
Nestes casos, há sempre que separar o que é verdadeiro do que é razoável. Ontem, já escrevi aqui acerca das diferenças de fundo entre Sporting e Manchester City, colocando-as acima de tudo no binómio qualidade-tempo de trabalho sobre uma ideia. Quanto melhores forem os jogadores e quanto mais horas tiverem passado no campo de treinos, com um bom treinador, a aperfeiçoar a ideia dele, melhor será o seu rendimento coletivo. A esse propósito, de resto, aconselho a leitura do artigo do Rui Malheiro no Record de hoje. O City é o pináculo, porque tem um bom treinador, Pep Guardiola, há seis anos, e a capacidade para manter os melhores jogadores a trabalhar debaixo da ideia dele. O FC Porto está próximo dessa realidade, porque Conceição fez a equipa crescer dentro de uma ideia que já “ensina” há cinco anos, mas com um contratempo: vai perdendo alguns dos melhores alunos no trajeto, todos a caminho de escolas mais credenciadas. Rúben Amorim, que em Março completará dois anos à frente do Sporting, também pensa assim e por isso mesmo terá feito a analogia entre a universidade, que é o Manchester City, e a escola primária, que seria o Sporting. É tudo verdade. Mas é aqui que entra a dúvida: será razoável?
A comunicação de Amorim é muito mais descontraída do que a de Conceição – ainda que no banco e no campo de treinos até sejam mais parecidos do que o comportamento na sala de imprensa possa fazer crer. E foi com base nessa comunicação “simpática” que a equipa do Sporting cresceu como uma espécie de irmandade e que se gerou em torno dela uma onda de apoio bem à vista na forma como o estádio cantava aos 0-5 frente ao City. Mas a forma como os leões se deram à degola nos jogos com o Ajax e o Manchester City deixa bem à vista os eventuais malefícios desta comunicação. Em ambos os casos os adversários chegaram aos quatro golos com um xG próximo de dois, isto é, numa altura em que o futebol produzido só deveria ter-lhes valido a marcação de dois golos. Em ambos os casos o Sporting viu os jogos perdidos além de qualquer esperança de recuperação logo nas primeiras situações em que os adversários chegaram próximo da baliza de Adán. E não terá isto sido também fruto da tal desresponsabilização, do tal retirar de pressão que a comunicação “simpática” de Amorim pressupõe? Seria possível conseguir os efeitos positivos, a irmandade, o capital-simpatia, sem os negativos?
Uma coisa parece evidente: a tirada acerca da escola primária e da universidade nunca sairia da boca de Sérgio Conceição antes de um jogo. Pelo contrário, como se viu ontem. O técnico do FC Porto é aquele professor rigoroso, sisudo, que deixa sair para o exterior a ideia de que exige sempre o máximo – na verdade todos exigem sempre o máximo, mas Conceição faz disso gala em público e serve-se disso para manter a pressão competitiva sobre os jogadores. Quando diz que “no FC Porto até quando se joga contra uma equipa da III Divisão se está na Champions”, o treinador portista está a negar a descontração como forma de estar na vida. E se a entrega dos jogadores do Sporting à degola no jogo com o City pode ter tido origem na interiorização da impossibilidade da tarefa que tinham pela frente, em função das palavras de Amorim, é certo que o FC Porto nunca perderia um jogo daquela maneira. Provavelmente perderia na mesma – na época passada empatou com o City, mas num jogo cujas estatísticas foram em tudo idênticas às de anteontem – mas venderia muito mais cara a derrota. Sendo o custo a pagar a perda de alguns jogadores pelo caminho – ainda ontem Conceição falou de Felipe Anderson, que está a dar certo na Lazio mas nunca teve força emocional para vingar no FC Porto – e do capital-simpatia, que ao contrário do que vendem as teorias da conspiração baseadas na ideia do “inimigo-externo” não desaparece devido à desonestidade da imprensa ou ao ódio que o Sul terá ao Norte mas em boa parte devido a esta tensão que está na base de uma atitude competitiva sem par.
Qual é a forma correta de comunicar? Depende. Depende sempre. Depende do grupo que se tem em mãos. Depende da personalidade do treinador. E depende do patamar em que se está a cada momento. Porque não se fala da mesma maneira com alunos da escola primária e com estudantes universitários.
São duas formas distintas de estar, que levadas ao extremo podem ter mais prejuízos do que benefícios. Como em quase tudo na vida, na moderação está a virtude. A postura de Amorim é perigosa porque tende a normalizar estas goleadas, dando como perdidos todos os jogos que parecem mais inacessíveis. A de Conceição, bélica, só não me agrada pelo irritante chavão do "contra tudo e contra todos". Pressupõe sempre um inimigo externo. Que todo o mundo anda aqui para prejudicar o clube e que todos os outros são malfeitores. Ser aparentemente "maldiposto" não me incomoda nada. Prefiro os maldipostos genuínos do que os sonsos sorridentes. Mas ver um inimigo em cada esquina até deve fazer mal ao fígado.
Quem tem mais a ganhar no futebol de milhões: o sisudo SC ou o sincero RA?