A Europa como aquecimento
Benfica e Sporting jogam hoje o futuro de Portugal nas provas europeias desta época. Vão querer passar, seguramente, mas ambos sabem que os jogos mesmo a sério são os da Liga, no domingo.
Palavras: 2033. Tempo de leitura: 9 minutos
Hoje há Liga Europa, jogam o Benfica e o Sporting, e não há grande entusiasmo por aí, muita gente em suspenso para saber se continuamos a ter equipas portuguesas nas competições europeias. O que isto significa é que a rivalidade entre adeptos tem outro modo de se fazer notar, nomeadamente a meia-final da Taça de Portugal, que as duas equipas estão a disputar entre elas, e sobretudo a Liga, onde estão separadas por um ponto e com dérbi marcado para o primeiro fim-de-semana de Abril. As nossas vagas para o Mundial de clubes estão definidas – são do FC Porto e do Benfica. A nossa posição no ranking da UEFA também: vamos acabar a época em sétimo lugar, a uns seis pontos dos Países Baixos e com uns oito de avanço para a Bélgica, mas perderemos mais um ponto para os neerlandeses e dois e meio para os belgas no final da época, quando deitarmos fora o pecúlio de 2019/20, pelo que começa a ser preciso estugar o passo para evitar males maiores. De qualquer modo, o sentimento geral é o de que se pensa nisso lá para Setembro e que para já o mais importante é garantir a vaga na próxima Liga dos Campeões. Sem desprezarem o que se passar hoje, tanto Roger Schmidt como Rúben Amorim estarão seguramente mais preocupados com o que acontecerá no domingo, quando o primeiro visitar o Casa Pia em Rio Maior e o segundo receber em Alvalade o Boavista, ambos depois de apenas 72 horas de recuperação. O Benfica entra em campo primeiro hoje (17h45, Sport TV 1), contra um Rangers que há uma semana lhe explorou bem a incapacidade para pressionar de forma coordenada e para recuperar nos momentos de organização defensiva, sobrando como grande dúvida o que vai Schmidt fazer com Kokçu. Voltará a colocá-lo como terceiro médio no corredor central, sacrificando o ponta-de-lança? Utilizá-lo-á como terceiro médio, mas a sair de uma das faixas laterais, deixando de fora Neres? Ou regressará ao seu plano original, que passa por tê-lo ao lado de João Neves no duplo pivot de meio-campo, entrando depois com um avançado à frente de Rafa, seja ele o mais pressionante Tengstedt, o mais clássico Cabral ou o mais móvel Marcos Leonardo? Roger Schmidt tem a possibilidade de escolha libertada pelo facto de ter poupado vários titulares no jogo do fim-de-semana, contra o Estoril, o que certamente lhes permitirá fazer 180 minutos nestes três dias, mas o mesmo não pode dizer Rúben Amorim, que leva o Sporting ao campo em Bergamo, às 20h (SIC e Sport TV 1), contra uma Atalanta que lhe exigiu sempre empenho físico a tope e depois de ter tido de recorrer a todos os trunfos na difícil deslocação a Arouca. Já se sabe que Morita não viajou, o que abre o palco a Bragança. Que, mais atrás, Coates será provavelmente gerido, para evitar uma lesão mais duradoura, após ter sentido desconforto no lamaçal de Arouca. Mas são ainda muitas as dúvidas. Haverá rotação nas alas, sem Catamo e Reis, abdicando os leões do um-para-um do moçambicano, sempre fundamental para evitar o encaixe que os italianos procurarão, em favor das pernas frescas de Esgaio e Nuno Santos? E Gyökeres? Joga ele ou entra Paulinho, como na primeira mão? E Pedro Gonçalves, que ainda recentemente se viu que estava quase no limite? Joga ou abre espaço a Edwards, outro que pode impor um jogo mais individualizado a fugir às marcações homem-a-homem de Gasperini? São muitas dúvidas, com uma certeza: nenhum dos dois treinadores trocaria os três pontos de domingo por uma vitória hoje. Quererão as duas, mas o que vale mesmo é a jornada do fim-de-semana, ainda por cima a última antes de uma paragem para as seleções.
Não foi o beijo da morte. O Atlético Madrid eliminou a equipa europeia mais em forma da Liga dos Campeões e fê-lo com inteiro merecimento. O Inter Milão contentou-se em chegar a Espanha e mostrar que era melhor, com um golo marcado cedo. Depois, deixou-se enredar no novelo burocrático dos minutos que faltava jogar até carimbar o visto de acesso ao sorteio de amanhã, esquecendo-se que do outro lado estava uma equipa que nunca se rende – e é errado resumir os méritos de Simeone a esse fator, mas já lá vamos. Por fim, viu que não tinha argumentos para opor a um adversário que ele mesmo deixara que ganhasse ímpeto. A carga de nervos visível no momento em que Lautaro Martínez avançou para bater o penalti que acabou por mandar para os céus, consumando a eliminação do Inter – até deixou cair a bola duas vezes... – foi a demonstração mais evidente de resignação de uma equipa que viu as férias ali à frente e as aceitou. Fora da Champions, com 16 pontos de avanço na Serie A, os jogadores do Inter de Inzaghi pouco mais terão de fazer a não ser esperar pelo Europeu. Essa resignação, já se sabe, nunca se vê nas equipas de Simeone. Continuo convencido de que este Inter é melhor do que este Atlético – e não foi seguramente o facto de o ter dito a funcionar como uma espécie de beijo da morte – mas seria um erro resumir este Atlético ao estereótipo das equipas lutadoras que fizeram a imagem do “Cholismo”. Este Atlético tem a mente e o pé esquerdo de Griezmann, tem o repentismo e a inspiração de Memphis, tem – ontem não teve muito, mas pode voltar a ter – o oportunismo de Morata, o futebol progressivo de Llorente, o drible de Lino, o critério de Saul ou Koke, a competitividade de De Paul e a segurança de Oblak. É uma belíssima equipa e, de repente, vejo pelo menos mais duas – ou até três – a quem pode ganhar a caminho de Wembley.
A política e a cidadania. Disse há dias, no Futebol de Verdade, que no meu servidor de Discord aprendemos todos a respeitar a visão uns dos outros, que brincamos com as diferenças de opinião e que até política por lá discutimos, numa sala a que chamei “Off Topic”. Como pedi desculpa por deixar a minha visão das coisas acerca das últimas eleições, o Valter Sousa, um dos subscritores que por lá é bastante ativo, que é benfiquista e tem “mundo”, porque já viveu fora de Portugal e mantém esse hábito saudável de ver e ler sobre futebol em várias línguas, até se meteu comigo, dizendo-me que falo de política “como se ela desse urticária”. A questão não é essa. Entre amigos, falo de tudo. Ali, gosto de achar que temos uma relação de respeito e a última coisa que quero é afastar gente que gosta e quer discutir futebol só porque temos visões distintas da política e da sociedade. Há alturas, porém, em que o que está em causa já não é a política mas o simples exercício da cidadania. Para quem não sabe nem nunca ouviu contar, exercer a cidadania é precisamente isso, ter respeito pela visão do outro, aceitar que o outro pode ver as coisas de forma diferente da nossa. A carrada de insultos que apareceu nas redes sociais do SC Braga só porque o clube lá fez uma publicação a assinalar o início do Ramadão não significa que estejamos a defender a nossa identidade, seja ela qual for – quer dizer, isso sim, que estamos a atacar a identidade do outro. Os adeptos do FC Porto que, em Londres, hostilizaram a namorada de Danny Namaso e o grupo de amigos – negros e ingleses, como o jogador, aliás – com que ela se preparava para ver o jogo contra o Arsenal, não estavam a defender a sua identidade, mas si a atacar a diversidade numa bancada maioritariamente formada por brancos portugueses. Achar que se faz assim porque se fossem eles fariam igual é o equivalente social daquele momento em que para justificar que a nossa equipa tenha tido uma decisão arbitral favorável se vão buscar todas as de que os rivais também beneficiaram antes. A discriminação – seja ela racial, religiosa ou de qualquer outro tipo – não tem lugar no futebol. E não, isso não é uma questão política. É de cidadania.
Isto aqui vai mudar. Veja como (e comente):
O Futebol de Verdade de amanhã. Quem me acompanha com mais regularidade já sabe que a minha agenda raramente prevê mais do que um dia – e sim, sei que tenho de melhorar isso. Tento fazer planeamento a médio e longo prazo, mas quase nunca consigo. Ontem, no Futebol de Verdade, anunciei que amanhã, sexta-feira, não haveria emissão gravada mas sim Live – e até prometi que na Live iríamos por fim tomar as decisões acerca do que fazer com o programa e com o meu Substack a partir da semana que vem. Pois bem: não vai acontecer. Por alguma razão, achava que a aula que tenho de dar aos meus alunos do módulo de “Jornalismo Digital” da pós-graduação em jornalismo desportivo que está a decorrer na Universidade Católica era mais tarde, quando na verdade começa às 18h30. Assim sendo, como não tenho a capacidade para estar em dois sítios ao mesmo tempo, terei mesmo de gravar a emissão de amanhã do Futebol de Verdade. Nela, anunciarei na mesma as decisões, mas isso não quer dizer que vocês não possam ainda influenciá-las. Podem fazê-lo comentando este texto, em que vos revelei o que me ia na mente, ou deixando ideias em qualquer das últimas edições do Futebol de Verdade. Prometo que lerei e responderei a tudo.
Eu e a greve. Hoje é dia de greve dos jornalistas. A greve é necessária, porque o panorama que se vive nos media é opressivo. E é opressivo dos dois lados. É opressivo do lado de quem deixou de ter tempo para pensar, tanta é a necessidade de produzir em catadupa, de quem deixou de ter dinheiro no orçamento familiar para ter uma vida fora das redações – e um bom jornalista tem de ler livros, ver filmes, ver teatro, museus, exposições... – e de quem, no final de contas, deixou de ter emprego, sacrificado pelas consequências das más decisões que têm vindo a ser tomadas mais acima. E é opressivo também do lado de quem tenta fazer vingar os projetos de jornalismo, consciente da dificuldade inerente a um modelo de negócio que tem cada vez menos clientes – e sobretudo menos clientes predispostos a pagar, porque o Mundo está cheio de gente que acha que pode ler notícias no Twitter e no Facebook e que ninguém teve de trabalhar para as recolher, investigar e escrever e que ninguém teve de arriscar capital para dar emprego a quem as recolhe, investiga e escreve. Revejo-me nos dois lados. Porque se completam em Setembro dez anos desde que perdi o meu último emprego, no Record. São dez anos desde que tive o último patrão. Os primeiros anos, ainda os passei em busca de novo emprego, sem nunca o conseguir. Aceitei então que tinha de fazer vida de projetos pessoais, complementando o meu site com um comentário aqui ou uma aula acolá, lançando com dois sócios coisas mais ambiciosas, como foi o Bancada, criando podcasts, como o Futebol de Verdade. Trabalho como jornalista e, ao mesmo tempo, também tento fazer vingar um projeto de marca pessoal, consciente da dificuldade inerente a um modelo de negócio que é pós-apocalíptico – tendo o apocalipse sido a falência da viabilização dos projetos jornalísticos pela publicidade, impressa ou digital, e a introdução do algoritmo das redes sociais como decisor do que as pessoas lerão ou verão, tirando-nos a nós (e a vós) o controlo acerca do que vão ler ou ver. Podia fazer greve, mas se fizesse estaria a penalizar os que mais quero recompensar, que são os que já recusaram este paradigma, que já mudaram para o seguinte, os que pagam para consumir o meu trabalho e aceitam integrar a minha lista de subscritores, sejam gratuitos ou Premium. Acreditem que hoje de manhã me levantei na mesma às 6h, me sentei no sofá a ler os jornais e pensei: “faço greve?” Não fiz. Porque vocês não são os culpados. Vocês são a salvação.