A estabilidade e as pré-eliminatórias
Quatro das seis equipas portuguesas que superaram pré-eliminatórias europeias desde 2017 fizeram-no mantendo os treinadores. Um problema para o Vitória SC? Talvez. Mas uma oportunidade para refletir.
O Vitória SC, a primeira das três equipas portuguesas envolvidas nas pré-eliminatórias das competições europeias a entrar em ação, hoje, em jogo contra a Puskas Akademia (20h30, Sport TV 1), fá-lo-á com uma experiência duplamente traumática. Primeiro, porque acaba de se sujeitar a uma mudança de equipa técnica, nomeando Moreno para o lugar do demitido Pepa, a poucos dias de começar a competir. E depois porque o histórico recente das equipas nacionais não é particularmente positivo: só seis das últimas 15 implicadas conseguiram passar o crivo das rondas preliminares das competições da UEFA – e dessas seis, quatro (66%) abordaram o funil de apuramento com os treinadores que tinham acabado a temporada anterior.
Desde 2017, o Benfica esteve três vezes em eliminatórias preliminares, saindo-se bem duas vezes – em 2018, quando manteve Rui Vitória, e em 2021, quando segurou Jorge Jesus. Foi eliminado uma vez, pelo PAOK, em 2020, precisamente na época em que mudou de treinador, substituindo Nélson Veríssimo por Jesus. E atenção que isto não tem necessariamente que ser visto como um problema por Roger Schmidt. O SC Braga também participou em três pré-eliminatórias, com a mesma margem de aproveitamento mas sem a mesma correspondência entre estabilidade e sucesso. Passou duas vezes, em 2017, quando abordou a época com o mesmo treinador que tinha terminado a anterior (Abel Ferreira), e em 2019, apesar da troca de Abel por Ricardo Sá Pinto. E foi eliminado uma vez, pelo Zorya, em 2018, mesmo com a continuidade de Abel Ferreira em funções. No caso do Sporting, o sucesso e o insucesso também não parecem ter a ver com questões de estabilidade, pois das duas vezes que se viu metido nisto passou uma e falhou noutra, mantendo sempre o treinador: em 2017 saiu-se bem com a manutenção de Jesus, mas em 2021 foi afastado pelo LASK, apesar da continuação de Rúben Amorim no cargo.
Além destes cinco casos de sucesso, só houve mais uma equipa portuguesa a superar o crivo nestes cinco anos, que foi o Vitória SC, em 2019, ano em que Luís Castro cedera o comando técnico a Ivo Vieira. De resto, Rio Ave (em 2018, com troca de Miguel Cardoso por José Gomes, e em 2020, com Mário Silva na posição de Carlos Carvalhal), Marítimo (em 2017, mantendo Daniel Ramos), FC Porto (em 2019, com Sérgio Conceição), Santa Clara e FC Paços de Ferreira (ambos em 2021, o primeiro com Daniel Ramos e o segundo trocando Pepa por Jorge Simão) falharam sempre. E há outra particularidade: ainda que a estabilidade esteja a aumentar na Liga Portuguesa nos últimos anos, é interessante verificar que quem mais tem mudado são precisamente as equipas que aparecem nas provas europeias – o que pode ser sinal de que já não se muda tanto por insatisfação dos clubes com os treinadores, mas dos treinadores com os clubes, quando aqueles acham que depois do sucesso podem exigir mais e ir à procura de outros desafios.
Em 2020, por exemplo, nove das 18 equipas da Liga Portuguesa mudaram de treinador no defeso. Em 2021, esse número baixou para quatro: as únicas trocas aconteceram no FC Paços de Ferreira (Pepa por Jorge Simão), no Vitória SC (Moreno por Pepa), no Boavista (Jesualdo Ferreira por João Pedro Sousa) e no Moreirense (Vasco Seabra por João Henriques). Ou seja, das quatro trocas, duas tiveram que ver com a movimentação ascensional de Pepa. Este ano, as mudanças teriam sido outra vez apenas quatro, não fosse a bronca vimaranense que levou à reversão da troca de Pepa por Moreno, já com a pré-época em curso. De resto, mudaram o Benfica (Nélson Veríssimo por Roger Schmidt), o SC Braga (Carlos Carvalhal por Artur Jorge), o Gil Vicente (Ricardo Soares por Ivo Vieira) e o Estoril (Bruno Pinheiro por Nélson Veríssimo). Isto é, três dos quatro casos prenderam-se com a vontade dos técnicos buscarem melhores condições salariais – Carvalhal está no Al Wahda, dos Emiratos Árabes Unidos, Ricardo Soares no Al Ahly, do Egito, e Bruno Pinheiro ainda à espera de colocação, depois de ter sido conotado com vários clubes no estrangeiro durante a época passada e de ter sido ele a dizer ao Estoril que não queria continuar.
Há, nisto tudo, boas notícias. Os clubes portugueses estão a apostar mais na estabilidade, que regra geral é coisa que dá frutos. Falta-lhes agora fazer o resto do percurso: trabalharem para fazer uma Liga melhor, capaz de gerar mais receita ordinária e de pagar mais aos técnicos, de forma a impedir que os mais bem sucedidos queiram sair para onde o futebol se joga de chinelos mas o dinheiro jorra a rodos.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
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