O Sporting dentro do enredo de Dark
"O Início é o Fim e o Fim é o Início", dizia-se em "Dark". Do que se viu, o Sporting parece evoluir em sentido inverso ao que está a mudar no Benfica. Mas atenção, que no futebol o tempo não é linear.
O debate tem andado quente nos programas de televisão e nas redes sociais. Há quem salive com a chamada “revolução Schmidt”, como se à ideia de “Gegenpressing” tivesse sempre de corresponder uma equipa avassaladora e vencedora, e quem acuse os media de instigarem a noção de que o alemão é um revolucionário capaz de transportar o Benfica para o futuro, quando Conceição já colocou o FC Porto a jogar com ideias próximas destas há uns cinco anos. Aliás, eu diria mais: o próprio Jorge Jesus já o tinha feito no Benfica de 2010 e José Mourinho não andava longe no FC Porto de 2003. O que importa entender, no entanto, é que aqui não há passado nem futuro. Há busca de coerência entre jogadores e ideias e capacidade para fazer as coisas bem feitas. O que se viu ontem do Sporting, contra a AS Roma, no primeiro teste que Rúben Amorim terá colocado a um onze mais aparentado com o que vai começar a época a sério, foi uma evolução em sentido contrário. Pressão, sim, mas menos verticalidade, a anunciar um futebol mais elaborado.
Lembram-se da série “Dark”? Se não viram, vejam, pelo menos a primeira época – depois acho que aquilo se perde um bocado... “Der Anfang ist das Ende und das Ende ist der Anfang” era uma das bases do argumento. O que é como quem diz que “O Início é o Fim e o Fim é o Início”. No futebol também é assim. Não há um caminho universal, um tempo linear em que seja possível definir que uma forma de jogar precede outras e que estas sejam uma evolução natural das coisas. Os treinadores alemães ganharam três das últimas quatro edições da Liga dos Campeões, mas Klopp e Tuchel – e mesmo estes jogam de forma muito diferente – já perderam as últimas duas Premier Leagues para o futebol mais circular de Guardiola. E nem os próprios treinadores estão obrigados a manter um conceito por toda a vida, nem o conceito tem necessariamente de ser a base de tudo. Qual é o conceito por trás do futebol de Ancelotti? Ninguém sabe verdadeiramente dizer, porque o italiano – como Ferguson, antes dele – baseia tudo numa ideia de liderança e não exatamente no tipo de futebol, que para ele é secundário. E ele não tem de estar errado.
Tal como seria um erro olhar para as equipas de Sérgio Conceição e decretar que são equipas de “pressão e ataque à profundidade” – o FC Porto campeão de 2022 era muito diferente em termos de ideário do FC Porto campeão de 2018 –, é um erro defender que esse tem de ser o futuro do jogo. Pode ser, se os jogadores à disposição se sentirem mais confortáveis assim. Mas também pode não ser, se os jogadores “aconselharem” outra ideia ou se a competição recente tiver ditado outro caminho. E, seja porque deixou de ter a facilidade de passe longo, de lateral a lateral, para explorar o espaço libertado na largura pela atração a um dos lados do campo, que lhe era dada sobretudo por Palhinha, ou porque considerou que numa Liga como a nossa, em que muitas equipas se defendem com uma linha de seis atrás, é contraproducente fazer do ataque rápido e do contra-ataque a base do seu modelo, Rúben Amorim parece disponível para fazer concessões na ideia de jogo do Sporting. Não tanto no sistema – e até admito que surja o tal 4x2x3x1 de que se fala como Plano B, mas não vejo Amorim abdicar dos três atrás de uma forma regular –, mas nos princípios de jogo, que o que se viu ontem contra a AS Roma parece prenunciar algumas mudanças.
O futebol do Sporting campeão em 2021 era, como dizia Conceição, “fácil de desmontar, mas difícil de contrariar”. Baseava-se nos conceitos de atração atrás em saída curta para depois jogar longo na profundidade ou de chamada a um dos lados do campo para depois sair rápido pelo outro, em exploração da largura depois de superar a primeira zona de pressão adversária. Parecia engasgar primeiro, mas isso era um engodo, que depois disparava. O que se viu ontem contra a AS Roma – e foi só um jogo, atenção... – foi mais posse circular, potenciada por um trio da frente muito móvel e técnico, formado por Edwards, Pedro Gonçalves e Rochinha. Ainda lá está a saída curta, aliás até mais aperfeiçoada – o que é normal, tendo em conta os anos de trabalho que a equipa leva –, mas vê-se depois mais paciência e utilização dos médios na construção. Ainda lá está a pressão – veja-se o trabalho de Ugarte no lance do terceiro golo –, mas nem sempre usada para jogar vertical em momento de transição ofensiva. É uma evolução para melhor? Pode ser, mas nem isso é, neste momento, seguro. Ontem, houve momentos que gritavam por um passe mais largo em vez de rodar a bola por trás, mas a questão é que nenhum dos médios – Ugarte e Matheus Nunes – prefere esse tipo de jogo. E houve sobretudo muitos momentos em que se notou falta de presença na área para responder a dois alas que ainda estão no comprimento de onda de 2021/22, a época em que os leões descobriram o valor dos cruzamentos.
“Ah, e tal, falta um ponta-de-lança”, dir-me-ão. Certo. Mas para ter esse nove clássico há que abdicar de um dos três avançados móveis que tanto dificultam as marcações e favorecem o jogo mais circular e a criação de desequilíbrios. O que é melhor? Acreditem: ninguém sabe. E se alguém vos disser que sabe e que viu o futuro está a enganar-vos, que ainda não vivemos na série “Dark”.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
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