A escolha de Grimaldo
Grimaldo escolheu mal a data de anúncio da opção pelo Leverkusen, mas isso não nos desvia de duas verdades: a de que foi fundamental na campanha do Benfica e a de que não é o melhor lateral da Europa.
Grimaldo foi ontem fotografado ao lado de Xabi Alonso e Simon Rolfes, treinador e diretor desportivo do Bayer Leverkusen, assumindo o fracasso das negociações para renovar o contrato com o Benfica e a opção pelo clube alemão, com o qual se comprometeu por quatro temporadas. O anúncio, cujo timing foi sem dúvida mal escolhido, motivou reações diversas nas hostes benfiquistas, do despeito à incompreensão, da aceitação à vontade de cortar desde já qualquer ligação. Mas nada do que estas reações a quente possa provocar deve desviar-nos de duas verdades incontestáveis. A primeira é que, suceda o que suceder, Grimaldo terá sido fundamental na campanha do Benfica em 2022/23, com alguns momentos de brilhantismo, como a redescoberta dos livres diretos enquanto forma de chegar ao golo, e uma constância de rendimento que só foi mantida desde o primeiro dia por ele e pelo capitão Otamendi – e não deixa de ser curioso que também este possa sair, pois também não renovou contrato. E a segunda é que, apesar de tudo, Grimaldo não é o melhor lateral esquerdo da Europa: muito do que foi o seu rendimento nesta época se deve ao contexto coletivo construído, entre outras coisas, para lhe mascarar as debilidades defensivas que ele revelou noutros campeonatos e que desta vez não se lhe viram tanto. Tomar decisões em momentos de euforia pode ser tão mau como fazê-lo em alturas de frustração. É um bocado como ir ao supermercado com fome – acabamos a encher o carrinho de coisas de que não precisamos só para acalmar as emoções. O Benfica tinha a obrigação de fazer tudo o possível para renovar com Grimaldo. Embora discorde dela, sou até sensível à ideia puramente aritmética de que podia fazer algum sentido rebentar o teto salarial para o segurar, porque depois vai-se gastar mais do que isso a contratar um substituto, que não se sabe se resultará ou não. Mas se a escolha do jogador foi sair, seja porque em Leverkusen lhe pagam mais, porque lá terá um treinador do seu agrado (Alonso) ou porque não há comparação possível entre a realidade da Bundesliga e a da Liga Portuguesa, a única coisa a fazer agora por parte do Benfica é lidar com isso de uma forma estritamente profissional. Fazem tanto sentido os comentários dos adeptos enjeitados no sentido de que o jogador vai “de cavalo para burro” ao trocar o Benfica por um semifinalista da Liga Europa como os que reclamam o seu afastamento imediato do grupo. Porque nem o Benfica tem hoje na Europa uma dimensão tão grande assim, nem o Leverkusen é um clube tão pequeno como a cidade que lhe dá nome. Depois, as regras do mercado são claras e estipulam que Grimaldo podia tratar do futuro desde Janeiro, que era quando faltavam seis meses para terminar o contrato. E não há duas pessoas iguais neste tipo de circunstâncias. Maxi Pereira, por exemplo, foi útil até ao fim no título de 2015, antes de se mudar do Benfica para o FC Porto. No Dragão, Sérgio Conceição manteve a confiança em Marcano até ao último dia do título de 2018, antes de ele sair para a AS Roma, mas já não fez a mesma coisa com Marega em 2021, por exemplo. Depende sempre daquilo que os jogadores derem. E, pelo menos à partida, não há razão para se achar que Grimaldo vai descurar os seus deveres nos dois jogos que faltam e nos quais o Benfica tem vantagem para se sagrar campeão. É ele que tem a palavra.
Soares de Oliveira e o mercado. No âmbito da apresentação dos resultados do empréstimo obrigacionista lançado pelo Benfica, Domingos Soares de Oliveira, co-CEO da SAD encarnada, lançou uma nova dimensão da abordagem dos clubes portugueses ao mercado. Já se sabia que havia quem vendesse para pagar contas, porque sem as receitas das transferências não era possível manter os orçamentos no verde. Já se sabia que havia quem vendesse para poder mascarar esses mesmos orçamentos, assumindo que mais importante do que a tesouraria era o exercício contabilístico feito em torno das mais-valias – o que torna mais apetecível vender um jogador formado em casa por uma imperial e um pires de tremoços do que um reforço contratado e entretanto revelado como fracasso pelo preço de custo. Já se sabia igualmente que havia quem vendesse para poder comprar e dessa forma manter-se nas boas graças dos agentes que mexem com o dinheiro do futebol. Já se sabia que havia quem vendesse para satisfazer a vontade de progressão de carreira dos jogadores, fartos de uma Liga tão periférica como é a nossa. Ontem, Soares de Oliveira desvendou mais uma razão para manter a voragem de venda dos clubes portugueses: o Benfica tem de vender para poder praticar salários que sejam competitivos com as grandes Ligas. É uma forma ao mesmo tempo realista e criativa de ver as coisas. Mas não há como fazer crescer o negócio e torná-lo competitivo como um todo, de modo a que deixe de ser necessário sacrificar um cordeiro sempre que é preciso alimentar a família.
O VAR inglês. A revelação de alguns áudios, é verdade que previamente selecionados, por parte de Howard Webb, o chefe dos árbitros ingleses, no programa Monday Night Football, da Sky Sports, fez mais pela humanização da tarefa de arbitrar do que anos de encontros e de diretivas emanadas pela FIFA ou pelo International Board. Sim, permitir que estes diálogos entre os árbitros de campo e o VAR sejam ouvidos em direto, como são, por exemplo, no rugby de alto nível, pode ser um risco. Mas esse é o único caminho para a credibilização do setor da arbitragem e para acabar com a suspeição que os clubes persistem em manter através das suas máquinas de propaganda. A Liga Portugal escuda-se na proibição da FIFA para não deixar que tal aconteça – e é possível que não esteja a mentir. Mas tal como foi pioneiro na utilização do VAR, Portugal pode muito bem fazer um esforço para que lhe seja permitido liderar agora, na transparência dos diálogos. Persistir na impossibilidade é desculpa de mau pagador. Ou de quem prefere mesmo que as conversas não sejam conhecidas. E aí temos um problema real.
Ou serão novos tempos a aproximarem-se, em qud quando está frito, está feito e acabou-se as polémicas?
Brilhante, especialmente o primeiro parágrafo