A dificuldade da escolha
Mais do que o embaraço, a Rui Costa resta a dificuldade da escolha de um sucessor para Schmidt. Enquanto o nome não é anunciado, resta avaliar quais são os três critérios que ele terá de satisfazer.
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Roger Schmidt foi demitido no sábado, hoje já é quarta-feira e o Benfica ainda não anunciou o novo treinador. A pausa para os trabalhos da seleção torna este hiato mais aceitável, mas não deixa de ser reveladora de duas coisas. Primeiro, de que não passava pela cabeça de Rui Costa enveredar por este caminho e que se o fez foi por ter deixado mesmo de acreditar que Schmidt podia dar a volta à situação ou por ter finalmente gasto todas as energias que tinha para de tal convencer os seus parceiros de administração. O presidente do Benfica foi apanhado na curva com este dossier. Depois, que é muito difícil encontrar um treinador que satisfaça todos os critérios exigíveis neste momento. A saber: que recupere a equipa, que seja suficientemente popular a ponto de domar, à chegada, a insatisfação da maioria dos adeptos para com a direção – sendo que o sucesso nestes dois critérios resultará num terceiro, que é não comprometer as aspirações do atual presidente à recondução nas eleições que terão lugar em 2025.
A dificultar a tarefa podemos ainda introduzir mais dois fatores: tem de ser um treinador livre ou cuja desvinculação seja fácil de obter e, além disso, que não se importe de assinar apenas até final da época, de maneira a não prolongar o seu tempo de vínculo para lá do mandato da direção atual. Ora é neste emaranhado de questões que se coloca a dificuldade que o Benfica tem tido para chegar à decisão final. Porque todos os nomes possíveis tropeçam num ou noutro critério. Rui Costa disse logo no sábado que o novo treinador iria estar na sexta-feira seguinte – depois de amanhã – a comandar a equipa no primeiro treino após as folgas de que beneficiam os não convocados para as suas seleções nacionais e, mais, que seria um treinador “da mesma escola” de Schmidt, o que facilitaria a assimilação dos seus métodos por parte de um plantel que não teria sido ele a escolher. Ora, sem contar com o inacessível Jürgen Klopp, nomes de topo daquela escola livres havia Thomas Tuchel ou Edin Terzic, mas tanto um como o outro estarão à espera de trabalhos numa liga de topo e com uma maior perspetiva de durabilidade do que os dez meses até ao Mundial de clubes do próximo Verão. E isso levará o Benfica a apontar a outros alvos.
Falou-se de Massimilano Allegri, mas já não tem nada a ver: o ex-treinador da Juventus é gelo onde a escola do Gegenpressing é fogo. Não se falou de Maurizio Sarri, livre desde que saiu da Lazio, em Março, o que é estranho, tendo em conta o passado italiano de Rui Costa. Nem de Fatih Terim, o veterano turco que acabou a temporada no Panathinaikos, por quem o atual presidente benfiquista tem grande apreço desde que com ele coincidiu no Milan, em 2001. É natural que a limitação temporal de contrato que a decência impõe a Rui Costa seja mesmo impeditiva de o Benfica chegar a um grande nome internacional e que isso lhe deixe apenas as alternativas nacionais, não necessariamente piores. Sérgio Conceição terá feito o possível para avisar que até estaria disponível – e até é um treinador da pressão e transição, da escola alemã, competente, como se vê pelo facto de ser recordista de pontos na Liga a 18 equipas, com os 91 de 2021/22. Mas Conceição seria certamente uma pílula muito difícil de engolir pelos benfiquistas. Se a coisa lhe corresse mal, Rui Costa escusava de se candidatar em 2025, porque não só teria perdido dentro do campo como o fizera com um treinador visto pelos adeptos como tóxico, com uma referência do portismo a quem o próprio FC Porto mostrara a porta de saída, por querer deixar uma imagem diferente ao público e à indústria do futebol em geral.
Depois, há Abel Ferreira, mas não só é um treinador mais defensivo como, sobretudo, está a trabalhar e não seria certamente fácil convencer o Palmeiras a libertá-lo. Também a trabalhar, há Luís Castro e Renato Paiva, dois profissionais sérios, conhecedores, que não empolgariam a plateia à chegada, mas que são vistos como operacionais do médio e longo prazo. Seria mais provável que o Al Nassr libertasse Castro do que que o Toluca aceitasse perder Paiva, mas depois o nível salarial de um e do outro são bem diversos: o ex-responsável do FC Porto B ganha na Arábia Saudita algo como oito vezes mais do que recebe no México o ex-treinador do Benfica B. Então e Leonardo Jardim? Podia ser uma possibilidade... se ele quisesse. Jardim já fez belíssimos trabalhos no SC Braga e no Sporting, para não falar do AS Mónaco, onde se sagrou campeão francês, já contra o Paris Saint Germain do dinheiro qatari. Mas estará ele na corrida para voltar a ser treinador de alta performance? O madeirense saiu do Mónaco no fim de Dezembro de 2019 e nestes quatro anos e meio trabalhou na Arábia Saudita, nos Emiratos Árabes Unidos e no Qatar. Por aí dá para compreender quais são as prioridades dele – ainda que não para entender se foi o Benfica que não lhe ofereceu o lugar ou se foi ele que não o quis, seja por que razão for. Apesar de ter sido o primeiro nome a saltar para a fogueira, torna-se, assim, pouco provável que venha a ser ele o anunciado.
Bruno Lage é, aqui chegados, o nome que resta. E é um bom nome, atenção. Foi campeão no Benfica em 2019, depois de pegar numa equipa destroçada com Rui Vitória. Fez uma primeira metade de campeonato de 2019/20 absolutamente épica – e se ainda perdeu essa Liga para o FC Porto de Sérgio Conceição, depois de ter tido sete pontos de avanço no final de Janeiro, isso tanto se terá devido à sua própria incapacidade de manter a equipa ligada como à cisma de Luís Filipe Vieira na recuperação de Jorge Jesus, que por essa altura andava a ganhar coisas no Flamengo. Lage foi despedido a cinco jornadas do fim dessa época, quando já ia seis pontos atrás do líder e depois de ter ganho apenas dois dos seus últimos 13 jogos. Na altura queixou-se dos jornalistas, insinuou umas coisas acerca de jantares e viagens, quando na verdade devia ter olhado primeiro para dentro do clube e para aquilo que queriam os seus decisores mais poderosos, que se convenceram de que ele era curto, de que o seu sucesso tinha sido sobretudo criado pela aposta em João Félix e que o melhor mesmo era o regresso de Jesus.
Mas então Lage cumpre os critérios? É competente, o que se viu na forma como recuperou a equipa e ganhou a Liga de 2019. Se o fez então, poderá fazê-lo agora. Além disso, está livre e não veria um contrato a durar apenas até ao final da época como um insulto mas sim como uma oportunidade de mostrar que não perdeu capacidades. Acontece que os seus últimos meses de Benfica, somados às demissões do Wolverhampton e do Botafogo, levarão muitos adeptos a torcer o nariz à sua escolha. E é aí que entram as “relações-públicas”. Ontem, três ex-jogadores do Benfica que não me recordo de terem dado entrevistas nos últimos tempos, apareceram nos três jornais desportivos a prestar declarações “exclusivas”, não acerca das suas carreiras, mas do quão excelente é Bruno Lage. Rafa ainda não falou das razões que o levaram a sair para o Besiktas, mas disse ao Record que Lage era “uma excelente opção”. Grimaldo não disse nada sobre a época em Leverkusen ou o que sentiu quando perdeu a titularidade da Espanha para Cucurella, mas afirmou a A Bola que, se dependesse dele, “escolheria Bruno Lage”. João Félix, a principal criação do treinador, apareceu em O Jogo para dizer que Lage “se enquadra no Benfica” e que o “estilo de jogo dele iria ajudar os jogadores”. Creio que todos foram sinceros no que disseram, não é isso que está em causa. Mas este é um daqueles casos em que, mais do que o que eles disseram, a notícia está no facto de todos terem saído do seu Olimpo inacessível de craques da bola para o dizerem – e tenho pena que os jornais tenham decidido não explorar essa vertente. O que isso me diz é que Lage é para ser levado a sério nesta corrida. E que só falta saber se os testemunhos saltaram para ajudar os adeptos a engolir a pílula ou só para testar e, a seguir, mandar outro nome para a fogueira.