Como nos deixa o mercado
O Sporting equilibrou o plantel, o Benfica e o FC Porto descapitalizaram em busca de lucro, mas nem por isso parecem menos capacitados. Uma luta a três parece hoje mais possível do que há um mês.
Palavras: 1878. Tempo de leitura: 9 minutos (áudio no meu Telegram)
O encerramento do mercado nacional às entradas de novos jogadores, ontem à noite, trouxe ao Sporting o equilíbrio que ainda lhe faltava, ao Benfica o reforço dos cofres no meio de uma grande incerteza no que diz respeito aos caminhos futebolísticos e ao FC Porto o meio-termo marcado sobretudo pela mensagem de independência dos interesses ali instalados que a nova liderança quis difundir. Os dragões, mesmo assim, estão indiscutivelmente mais fortes do que no início da época, o mesmo podendo dizer-se dos leões, enquanto que no caso das águias ninguém pode ter certezas a não ser quando se souber quem é o novo treinador e quando se vir a equipa a funcionar debaixo das suas ordens – o que ainda vai levar umas semanas. De todo o processo, ainda assim, sobram dúvidas. Serão as saídas de alguns dos jogadores mais bem pagos e a receita da Liga dos Campeões o suficiente para o Sporting suportar uma janela de transferências fechada com investimento ao invés das mais-valias habituais? Por que razão precisou o Benfica de desinvestir tanto, a ponto de fechar este mercado com um saldo positivo de quase 100 milhões de euros? E estará o FC Porto em condições de suportar o colapso da venda de Galeno, que se refletiria na entrada de mais 50 milhões, a somar ao lucro que este mercado já lhe dera?
O Sporting fechou ontem o mercado com a contratação do avançado dinamarquês Conrad Harder, de 19 anos, por 19 milhões de euros. Se vale o dinheiro ou não, só o futuro o dirá. Que podia ter vindo mais barato com outra atuação leonina, isso já parece evidente. Ao deixar que se soubesse que tinha todas as fichas em Ioannidis e ao demorar tanto no ataque a outros alvos, o Sporting conduziu ao inflacionamento excessivo do jogador. O que está aqui em causa não é a política de aposta em jogadores específicos – que contratar com ideias claras do que se busca faz todo o sentido – mas sim a avaliação do potencial de sucesso das operações e os timings de insistência e desistência. Parece hoje evidente que o Sporting insistiu em Ioannidis por tempo a mais. E, se ainda não sabemos se Harder vai ser um substituto à altura ou uma daquelas asneiras motivadas pela pressa de que há dias falava Rúben Amorim, o presente já é suficiente para se afirmar que a pressa de fechar o negócio o encareceu. Nos últimos dois dias, para os leões, as coisas eram simples: ou traziam Harder, sujeitando-se às dificuldades da negociação em cima do apito final, ou iam até Janeiro apenas com Gyökeres e Rodrigo Ribeiro como pontas-de-lança. O que parecia curto, sobretudo porque as caraterísticas do jovem português são muito diversas – na equipa principal jogou quase sempre como segundo avançado a partir de um dos lados e a sua utilização ao meio implicaria acertos no modelo de todo o onze.
O dinheiro gasto em Harder tornou esta janela de mercado financeiramente deficitária para o Sporting. Ao todo, a SAD liderada por Frederico Varandas gastou 52,9 milhões de euros e, já contando entradas de dinheiro de transferências e percentagens de mais-valias a que tinha direito em outras vendas, como as de Palhinha ou Renato Veiga, receberá pouco mais de 38 milhões. Estamos a falar de um investimento de cerca de 15 milhões de euros no plantel. Mas como é que isto é possível? Não estão os clubes portugueses sempre forçados a vender para manter as contas saudáveis? Se pensa responder com os perdões da banca, as VMOC e outras coisas que tais, fique desde já a saber que está a atirar ao lado – isso foi importante na redução da dívida, e sê-lo-á necessariamente na forma de tornar o seu serviço mais suportável, mas é incapaz de justificar resultados anuais do exercício permanentemente no positivo. Aliás, o facto de se olhar para o histórico e se perceber que o último ano em que o Sporting fez um mercado em investimento foi o de 2021/22 permite vislumbrar aqui uma tendência: a gestão investe no ano a seguir ao de um título. O Sporting foi campeão em 2020/21 e investiu em 2021/22, época em que tinha a certeza da presença na Liga dos Campeões e, por isso, gastou mais 23 milhões de euros do que o que recebeu em vendas. Como não foi campeão, fez o desinvestimento em 2022/23: aí, já recebeu mais 83 milhões de euros do que gastou. Voltará a ser assim no ano que vem? Antes terá de se perceber o que acontece no plano desportivo – se bem que muito dependerá também do desenvolvimento dos jogadores e da procura que eles venham a motivar no mercado internacional. Mas parece claro que, com Harder e Araújo, a equipa de Rúben Amorim está hoje mais preparada para revalidar o título do que há um mês, quando começou a época.
O Benfica também fechou o mercado com uma contratação, que foi a do extremo turco Kerem Aktürcoglu, o que pode parecer estranho, porque neste momento o clube nem sequer tem treinador. Concordo com os analistas que referem que os encarnados estarão a preparar um plantel para jogar em 4x3x3, que será a melhor maneira de favorecer as caraterísticas de gente como Kökçü, mas o que é mais evidente na análise ao mercado do Benfica, pelo menos até ali chegar um treinador, é a procura do lucro. O Benfica contratou Pavlidis e vendeu Marcos Leonardo, com um ganho de 22 milhões de euros no processo. Pelo valor conseguido por Neres, não só foi buscar Aktürcoglu e Rollheiser como ainda ganhou mais 7,5 milhões. As vendas de Morato e Paulo Bernardo pagaram os dois laterais esquerdos contratados (Beste e Carreras, cuja opção de compra foi agora exercida). E a tudo isto ainda há a somar a saída de João Neves – já para não contar a de João Mário, que estará por horas, pois o mercado turco ainda não fechou. Se João Mário render os cinco milhões de euros de que se fala, o Benfica fechará este mercado com um lucro muito próximo dos 100 milhões e a pergunta que se impõe é: era preciso tanto? E se sim, porquê? A gestão corrente é assim tão deficitária a ponto de o exigir?
O Benfica conhece este ano o Verão mais lucrativo desde 2019, quando vendeu João Félix ao Atlético Madrid por 127 milhões e fechou a temporada com um saldo positivo de 175 milhões – mas para ser campeão apenas uma vez nos cinco anos seguintes. E se desta vez não fez nenhum desses negócios mirabolantes (a saída de Neves, por 60 milhões, por exemplo, soube a pouco), continua a ter uma capacidade invulgar para valorizar jogadores, como se viu na duplicação das avaliações a suplentes em prazos relativamente curtos. Marcos Leonardo, por exemplo, passou dos 20 para os 40 milhões de euros com seis meses no banco da Luz. Como? Mais uma vez, tal como no caso do Sporting e dos perdões da banca, uma coisa é o que a propaganda adversa quer fazer-nos crer e outra é a realidade: mais do que o favorecimento dos agentes ao Benfica, o que aqui influi é a capacidade do mercado para ver nos jogadores o talento que nem o treinador encarnado neles via – no caso de Neres isso foi absolutamente evidente. Agora, só depois de feita a arrumação que Schmidt, por exemplo, se recusou a fazer, mas que o novo treinador seguramente fará, depois de se ver que Barreiro veio competir e não complementar Florentino, depois de Kökçü ter finalmente a possibilidade de se mostrar em 4x3x3, é que se perceberá o que falta entender. O lucro a chegar aos nove dígitos deixou o plantel mais fraco? O título único em cinco anos depois do lucrativo mercado de 2019 foi um acaso ou uma consequência?
Se os títulos dependem da bola a rolar, a descapitalização do plantel do Benfica é evidente. O Transfermarkt avalia o atual plantel em 331 milhões de euros – mas inclui quatro milhões de João Mário e 28,5 milhões de Kaboré, Sanches e Amdouni, que estão no clube emprestados. Ora os empréstimos foram a estratégia utilizada também pelo FC Porto para compor o grupo sem ter de gastar tanto como provavelmente precisaria para fazer frente a perdas como as de Taremi, que saiu a custo zero, ou Pepe, que pôs fim à carreira. Por outro lado, os dragões levaram muito a sério a mensagem que queriam transmitir – a de que não são campo fértil para quem anda nisto à procura de chorudas comissões de intermediação. Levaram isso tão a sério que aceitaram vender Evanilson por 37 milhões de euros que corresponderão àquilo que o jogador efetivamente vale e não àquilo que os influenciadores de mercado quereriam que pensássemos que ele valia. Outro exemplo é o negócio de David Carmo, que tinha vindo de Braga por 20 milhões há dois anos e cujo fracasso no Dragão, imaginem, o levou a uma desvalorização de quase 50 por cento na saída para o grupo detido pelo grego Marinakis. Onde já se viu isto? Um jogador fracassa e desvaloriza? Mais uma vez, só o futuro nos dirá se, além de ser indiscutivelmente mais correta no plano ético, esta foi uma boa opção e se ela não terá depois tido alguma repercussão na forma como o mercado se recusou a absorver Galeno, que esteve vendido para a Arábia Saudita, por 50 milhões, mas acabou por ficar no Dragão.
O FC Porto fechou a janela de mercado com um lucro de quase 30 milhões de euros que pode ou não ser suficiente para as dificuldades anunciadas por esta administração no momento da entrada em funções – se Galeno estava para ser vendido é porque certamente havia vontade de aumentar esse ganho. Em resultado disso, como é natural, tal como o do Benfica, o plantel do FC Porto está também descapitalizado. O Transfermarkt avalia-o agora em 334 milhões de euros, nos quais se incluem 47 milhões de três jogadores emprestados (Nehuén Pérez, Tiago Djaló e Fábio Vieira) bem como a metade do passe de Samu Omorodion que não pertence aos dragões e na qual terão de investir para depois ficarem com ele. O do Sporting é agora o mais valioso dos efetivos, com um rótulo de 388 milhões, com Quenda, por exemplo, ainda no zero. Vítor Bruno tem, no entanto, uma ideia bem clara de como quer jogar e um grupo capaz de a interpretar: as contratações de Pérez, Fábio Vieira, Samu e Francisco Moura dão aos azuis e brancos opções de virem a lutar pelo título a um nível que, francamente, no início da época não parecia possível. Muda a ordem de favoritismo? Creio que não. Ainda coloco o FC Porto atrás dos dois outros competidores na hierarquia, fico à espera de ver o que vai ser o novo Benfica para perceber se os encarnados são superados pelo Sporting, como o presente parece prenunciar, mas acredito hoje mais numa luta a três do que acreditava há um mês.
O mercado do Sporting tem muito que se lhe diga. A verdade é que no fim da época era óbvio que o Sporting precisava de um guarda-redes, um médio para fazer os 4 que considero mínimos e mais um avançado Com o mercado passou a precisar de mais um avançado (dois portanto), um central e um extremo esquerdo.
A verdade é que resolveu a baliza, o central e o extremo esquerdo, mas fez a asneira de vender Mateus Fernandes, mantenho a mesma opinião mesmo contra a propaganda oficial de que foi um grande negócio porque "vendeu um suplente"...e arranjou um avançado. Ora, eu pergunto, fica o plantel com 3 médios, só 5 avançados e três alas direitos? Ou vai apostar a sério em Afonso Moreira ou Rafael Nel? Não é entrar a cinco minutos do fim com o resultado feito...Porque se for para isso e depois emprestar, ou entrar na loja dos 15 milhões, continua a faltar um avançado e um médio, que são apenas 3. Depois, empresta-se Rodrigo Ribeiro de 19 anos para rodar, certíssimo e entendo, mas para contratar outro miúdo de 19 anos?
O plantel está melhor, até cedo, mas continua a ser muito curto, até para quem gosta de planteis curtos.
Desde o início do campeonato o Sporting, que já era o favorito na corrida ao título, reforçou-se com um avançado de futuro. O Porto, depois de perder as principais referências no ataque, ficando apenas Galeno, parece ter reforçado as suas principais debilidades (principalmente as defensivas) ficando a incógnita se Vítor Bruno e os reforços para o ataque vão ser capazes de concretizar as oportunidades em golos. O Benfica entrou com os dois pés esquerdos no campeonato, desinvestiu no plantel e está agora a tratar da entrada de um novo treinador para colocar novas ideias em prática. Ainda assim acha que não há alterações na ordem do favoritismo? Claro que respeito a sua opinião e concordo que o Sporting continua a ser o principal favorito. Mas não deixo de me questionar sobre o que mais teria de ter acontecido no mês de agosto para que o Porto pudesse ser considerado favorito na corrida ao 2º lugar? Tudo isto não invalida, evidentemente, que qualquer um dos 3 possa ser campeão nacional.