A definição de Rafa
Quando se começa a falar do mercado de Janeiro, surge Rafa e desvia a conversa para o Verão. Quando fala de saudade para definir o futuro, o que quer o jogador? Causar desconforto ou gritar por ajuda?
Rafa deu o pontapé-de-saída no mercado com as declarações proferidas no final do Benfica-FC Famalicão (e há flash do jogo para ver aqui), desafio em que foi o melhor em campo, com um golo e duas assistências. “É com eles [os colegas] que quero partilhar todos os momentos. É disso que vou ter saudades”, disse o atacante, que depois surgiu numa story de Instagram de Grimaldo, a jantar com o lateral espanhol, de férias em Lisboa, e mais alguns companheiros de equipa. Começa a soar a despedida. Rafa acaba contrato no final da época e dele se diz, desde o Verão passado, que deve nessa altura rumar ao Al Sadd, do Qatar. Não precisava de ter falado nesse tema, que não será dos mais confortáveis para o clube, que nunca conseguiu convencê-lo a renovar. Ainda por cima fê-lo na BTV, o que agrava a situação de desconforto... Mas é assim Rafa, desconcertante. Quando lhe aparece uma ocasião fácil para marcar, pode dar-se o caso de a definir mal, mas depois resolve os jogos como fez com este, com um par de arrancadas que ninguém consegue parar e uma finalização bem mais difícil do que a que já tinha perdido, agora bem-sucedida. Rafa sabe sempre o que quer – o que, atenção, é bem diferente de ter sempre razão. Sabia o que queria quando amuou e não festejou um golaço, fazendo falar disso de forma desproporcionada por uma semana inteira. Sabia o que queria quando se afastou da seleção e não devia tê-lo feito, porque não havia maneira de lhe garantir mais utilização ou, muito menos, de não ter por lá os colegas de quem ele depois não sente saudades. E sabe o que quer quando recusa a renovação de contrato. Quando se fala no que as equipas podem fazer neste mercado de Janeiro, o Rafa aparece e desvia a conversa para o Verão. Porque é disso que se fala no caso dele, do Verão – e mesmo assim, no dia seguinte, os três jornais desportivos lá tinham a página da ordem com o caso-Rafa. Roger Schmidt, desta vez, geriu muito bem a situação, dizendo que acha que a coisa não está totalmente decidida e enfatizando que, mesmo assim, o jogador está totalmente comprometido com a equipa. E está. Os números (0,75 golos mais assistências por 90 minutos) mostram-no bem. O Benfica também está a fazer o que tem de fazer, porque não querendo o jogador renovar, aos 30 anos, no final da época passada, já não tinha mercado para uma grande transferência. Assim sendo, desde que o treinador conseguisse que ele se focasse nos objetivos competitivos, mais valia aproveitar-lhe o rendimento desportivo do que ir buscar um milhãozito ou outro e poupar no salário, perdendo o que ele poderia dar em campo. No final da época, Rafa vai provavelmente sair a custo zero, mas embora a lógica de funcionamento dos clubes portugueses seja a de gerar mais-valias com transferências, isso não tem de ser sempre assim. Aos 31 anos, Rafa estará pronto para abraçar um desafio que, no caso dele, jogador de convicções firmes, poderá ser estranho, mesmo que assumido em nome do salário que pode vir a receber. No estádio e nas redes sociais, há uma coisa que se diz e se escreve à boca cheia: “se o Rafa definisse bem, não estava no Benfica há muito tempo”. Em campo, talvez seja mesmo assim. Talvez o tenha sido em tempos. Fora dele, é caso para se pensar no contrário. E para que se lance a pergunta: o que foi aquela frase de Rafa? Uma provocação ou um grito por ajuda?
Todos iguais, todos diferentes. Gosto muito de Luís Castro, treinador talvez excessivamente simples para ser levado a sério por quem prefere as coisas complicadas e com quem tive o gosto de falar um par de vezes, a última das quais quando ele ainda trabalhava no Al Duhail, do Qatar. A conversa era acerca da equipa B do FC Porto, da geração que ele levara à vitória na II Liga em 2016, mas que depois o clube não aproveitou, e da geração que o Benfica tinha nesse mês de Novembro de 2021 à frente do segundo escalão nacional – que acabou por cair na tabela e que, dois anos depois, já poderemos dizer com pequena margem de risco que está a seguir o mesmo caminho – mas pode conferir nesta reportagem para julgar pela sua própria cabeça. Luís Castro, que me recordo de ver comandar o FC Penafiel há uns 20 anos e de achar que ele estava no banco como se fosse um diligente e formal funcionário de uma sapataria, sempre de blazer, gravata e pullover de decote em V, pronto a verificar se o número do calçado experimentado pelo cliente era o correto, acaba de ser consagrado como o treinador com o maior total de vitórias em 2023... no Mundo. Não é no Vale do Sousa ou em Trás-os-Montes. É no Mundo inteiro. Protagonizou um arranque de sonho no Botafogo, que deixou no Verão português para assumir o comando do Al-Nassr. Não foi campeão num lado nem deverá sê-lo no outro, porque os cariocas se espalharam ao comprido na segunda volta do Brasileirão sem ele e porque na Arábia Saudita dificilmente o título escapará ao Al Hilal de Jorge Jesus. Mas Castro é hoje, mesmo não tendo ganho nada, um símbolo do treinador português de sucesso que o Brasil importou de Portugal. Como Jesus e a máquina de conquistar títulos que é Abel Ferreira. E falou disso, na entrevista que deu à edição de hoje de O Jogo. “Não há treinadores portugueses, brasileiros ou espanhóis. Há treinadores”, diz. “Não somos melhores nem piores, somos sim diferentes”, remata. Mas a verdade é, ainda que o que transparece cá para fora possa ser diferente do que eles dizem – e dificilmente Castro alguma vez reconheceria que, ao deixar o Botafogo, o fez também porque já saberia que a quebra era inevitável – os técnicos não são iguais. Nem os portugueses entre eles. Não haverá três tipos mais diferentes do que o diligente Luís Castro, que gostou tanto de trabalhar no Brasil que se diz pronto a voltar para lá um dia, o imodesto Jesus, que achará sempre que as equipas ganham por ele, seja onde for, e o insatisfeito Abel, pronto a dar lições de moral a cada vitória, como se fosse um missionário em terreno colonial. Eles têm uma origem igual, mas são diferentes.
Futebol de Ano Novo. Ontem houve Futebol de Verdade VIP – que pode ver aqui. A conversa valeu bem a pena, tanto que tive de a abreviar ao fim de duas horas, que havia Liverpool FC-Newcastle United para nos preencher a todos o jantar de Ano Novo. Foi um grande jogo da equipa de Klopp, que ganhou por 4-2 e terá agora de pensar como vai fazer para manter a liderança da Premier League durante um mês sem Salah, que ontem se despediu para ir jogar a Taça de África das Nações. E confirmou-se a quebra do Newcastle United, que não resiste à perda de Nick Pope, o guarda-redes que ajudava a equipa de Nick Howe a manter-se no lote dos que lutam pela presença nas posições de Champions. Desde que Pope se lesionou, a 2 de Dezembro, no 1-0 ao Manchester United, os Magpies somam uma vitória, um empate – que foi derrota, nos penaltis – e seis derrotas. Já são nonos, a onze pontos do quarto colocado. E a questão nem tem que ver com a qualidade do suplente, que Dubravka é excelente e ontem acabou o jogo com 2.67 golos impedidos. A questão é que este Newcastle United do dinheiro saudita andou claramente um ano e meio a viver acima das possibilidades. Aquele jogo de pressing constante e rigor defensivo desapareceu, a ponto de o Liverpool FC ter estabelecido um novo recorde de criação desde 2010, que foi quando na Premier League começou a utilizar-se o índice xG como meio de a medir. Foram 7,27 golos esperados, um festim de Ano Novo.