Que mercado teremos
Os últimos dois meses de Janeiro levaram os melhores jogadores da primeira metade da Liga, Díaz e Enzo. Este ano deve ser diferente. Os grandes estão mais maduros na resistência à pressão.
Vai abrir o mercado de Janeiro, aquele mês de meio da época em que nem os treinadores têm descanso, porque nunca sabem muito bem quem vai estar no dia seguinte, mas a verdade é que ninguém está à espera de grandes novidades. Primeiro foi Gyökeres a dizer que mesmo que alguém bata os 100 milhões da sua cláusula de rescisão, quer ficar no Sporting até final da época. Ontem foi Roger Schmidt a declarar que fala com os seus jogadores “todos os dias” e que sabe que nem o Benfica quer vender nem eles querem sair – e quando falava “deles” falava de António Silva e João Neves, defendidos por cláusulas de 100 e 120 milhões que, tal como no caso do sueco, parecem desajustadas daquilo que os jogadores ainda podem valer no mercado. Praticamente ao mesmo tempo, à frente de um FC Porto que parece ser, dos três, aquele que mais precisa de dinheiro fresco, não só para recompor o plantel, para fazer “um ou outro ajuste”, como para acertar as contas da SAD e dar uma ajuda ao cumprimento da promessa do presidente, que era fechar o ano de 2023 com capitais próprios positivos, Sérgio Conceição fez uma interessante reflexão acerca do que mudou no mercado desde o tempo em que ele passou “três anos emprestado na II Divisão” para poder chegar ao grupo principal. “E disseram-me que vinha só fazer a pré-época”, explicou. Diz o treinador do FC Porto que hoje é muito mais fácil aos jogadores de clubes de média dimensão chegarem a um dos grandes. Disse-o para justificar a diminuição da diferença entre clubes, incorrendo até no exagero de afirmar que se trocarmos as camisolas essa diferença não se nota, mas vale a pena não só pensar nas razões pelas quais isso acontece como no que esse fenómeno provoca. FC Porto e Sporting, mais até do que o Benfica, têm vindo a canalizar para o mercado interno as verbas que têm conseguido em transferências para o exterior. Taremi ou Eustáquio são hoje titulares do FC Porto e vieram do Rio Ave e do FC Paços de Ferreira. No Sporting há o Matheus Reis ou o Nuno Santos do Rio Ave, o Morita do Santa Clara, o Edwards do Vitória SC e o Pedro Gonçalves do FC Famalicão. Tendo em conta que muitos destes jogadores são depois alvo de propostas milionárias do exterior – aconteceu com Ugarte, por exemplo – fica difícil defender que haja um empobrecimento global ou um nivelamento por baixo da nossa Liga. Não há. O que há é clubes de média dimensão com melhores condições de trabalho e mais capacidade para investir no scouting e no desenvolvimento dos jogadores da sua formação. E grandes em estado de necessidade de recompor plantéis, de fazer os tais ajustes de que falava Conceição, depois de transferirem as maiores estrelas para fora, não se inibindo de o fazer a olhar para baixo na classificação e não perdendo muito com a troca, nem sequer no imediato. Os últimos dois mercados de Janeiro levaram os melhores jogadores da primeira metade da Liga. Em 2023, o Chelsea bateu os 120 milhões da cláusula de rescisão de Enzo Fernández, que além disso acabara de ser campeão do Mundo. Em 2022, o Liverpool FC conseguiu um saldo de 47 milhões por Luís Díaz, de certa forma beneficiando de um estado de vulnerabilidade financeira do FC Porto face ao fair-play financeiro, algo que os clubes portugueses precisam de erradicar de forma a deixarem de ceder à pressão deste mercado. Antes até de Schmidt, Rúben Amorim já afirmara que a SAD do Sporting lhe garantira que neste Janeiro só venderia jogadores pelo valor da cláusula de rescisão – o que no máximo deixará entreaberta a porta de saída a Gonçalo Inácio, que está protegido por uma cláusula mais baixa, de 60 milhões, numa altura em que alguns dos tubarões europeus precisam de defesas-centrais. Ao dia de hoje, 29 de Dezembro, não há perspetiva de grandes negócios envolvendo clubes portugueses neste mercado de Janeiro. E se isso é um sinal de maturidade dos nossos clubes, que já conseguem resistir à pressão externa, pode ao mesmo tempo ser um fechar de torneira que os outros não acolherão com a melhor das vontades. Neste mercado de Janeiro, tem a palavra o FC Porto, ao mesmo tempo aquele que mais precisa de se reforçar e o que está mais pressionado pela necessidade de encaixar capital.
A ética de Varela. Bruno Varela, guarda-redes do Vitória SC, falou de “ética e moral” para justificar a ausência da Taça de África das Nações, onde poderia ir representar Cabo Verde. “Tendo em conta que não participei em nenhum estágio e jogo de qualificação, não seria justo agora aparecer na grande competição e tirar o espaço a um colega que com certeza teve mais impacto”, escreveu nas redes sociais o jogador, 53 vezes internacional português, dos sub16 aos olímpicos. O gesto de Varela é bonito, mas fiquei a pensar se, não tivesse ele entretanto perdido a esperança e sido uma vez internacional pelos Tubarões Azuis, o que o afasta daquele que teria sido o seu objetivo inicial, ele o manteria se, na sequência de uma ponta final de época extraordinária, Martínez o chamasse para compor o elenco da seleção portuguesa que vai jogar o Europeu. E atenção: não estou aqui a duvidar do sentimento de Varela por Cabo Verde ou a mover-lhe um processo de intenções acerca da que ele sente no peito como a sua verdadeira nacionalidade. O que digo de Varela diria de qualquer outro jogador profissional. O que está aqui em causa não é se ele se sente português ou cabo-verdiano. O que está aqui em causa é o despropósito de afastar jogadores profissionais da disputa dos campeonatos em que estão empenhados por um mês e meio para se jogar uma prova de seleções que teria de estar enquadrada nos calendários internacionais e de ser jogada em período de interrupção. Isso é que, para usar as palavras de Varela, “não é justo”.
Há coisas que só vistas. O Estrela-FC Arouca de ontem teve coisas parvas, como o safanão de Dida em Mujica, com a bola controlada, a provocar penalti e expulsão do guarda-redes da casa, e outras que só vistas. Esta equipa do FC Arouca, que Daniel Sousa tem conduzido num interessante esforço de recuperação, é ao mesmo tempo um modelo de futebol simples que já era com Armando Evangelista e de complicação do que parece fácil. O exemplo mais factual é o desperdício do penalti que podia colocá-la na frente, a um quarto-de-hora do final. O mais completo a forma como depois, nesse quarto-de-hora, fez três golos, acabando por se impor por 4-1. Na verdade, uma equipa que tem Mujica, Jason e Cristo, já para não falar de Sylla, de David Simão ou De Arruabarrena, não pode andar pelas partes mais baixas da tabela.