O ano de todas as polémicas
1938/39 foi marcado por polémicas. A do golo anulado ao Benfica no último minuto do último jogo, a dar o título ao FC Porto, mas também a que ainda se eterniza, em torno do modelo dos campeonatos.
Um golo dividiu o país e foi a gota de água que voltou a separar dois clubes, no caso o FC Porto e o Benfica. O golo marcou-o Feliciano Barbosa, o extremo direito benfiquense, como se dizia na altura, no último minuto do jogo da última jornada que opunha as duas equipas. E anulou-o Henrique Rosa, o árbitro de Setúbal que fora nomeado para dirigir, num Campo da Constituição a rebentar pelas costuras, aquela que a soma dos pontos feitos até então definia como uma autêntica final do primeiro campeonato nacional da I Divisão. O resultado estava – e assim ficou – empatado a três bolas, o que dava o troféu ao FC Porto. Mas uma vitória dos encarnados faria viajar a taça para Lisboa. A avaliação do incidente levou ao extremar de posições não só das direções dos clubes como dos próprios jornais, a norte julgando a decisão correta, a sul verberando-a como falha grave. E quando Benfica e FC Porto se atravessaram no caminho um do outro nas meias-finais da Taça de Portugal, a nova competição a que pelo norte se chamava “Taça de Lisboa”, por o Congresso da FPF ter decidido que a final passava a partir de 1939 a jogar-se sempre na capital, estavam lançados os dados para a confusão. Os nortenhos impuseram-se na primeira mão por 6-1, mas quando se viram a perder por 6-0 no segundo desafio, abandonaram o campo, à falta de 15 minutos de jogo. O corte de relações, o segundo da década de 30 entre estes dois clubes, a repetir o ocorrido em 1933, ainda foi a polémica mais facilmente resolvida entre as que sobraram desta época que viu o FC Porto ser campeão nacional, a Académica levar a Taça de Portugal e o Sporting contentar-se com o regional de Lisboa. Bastante mais complicada de deslindar continua a ser a confusão nascida da real trapalhada que foi o Congresso da FPF de 26 de Novembro de 1938, o tal que gerou o nascimento do Campeonato Nacional da I Divisão e da Taça de Portugal.
Depois de, na sessão de 24 de Setembro, ter nomeado a comissão formada por Maia Loureiro, Ribeiro dos Reis e Cândido de Oliveira para rever os estatutos e adaptar os regulamentos de competições à modernidade, o Congresso da FPF decidiu em Novembro mudar o nome das provas nacionais, mantendo formatos e regulamentos. A I Liga, o campeonato por jornadas que opunha oito equipas das quatro associações mais poderosas do país, passava a chamar-se Campeonato Nacional da I Divisão. E o Campeonato de Portugal, a prova por eliminatórias que juntava a esses oito a equipa que saísse campeã das ilhas e os seis melhores do segundo escalão nacional – já aberto a mais associações regionais –, tornava-se Taça de Portugal. Foi evidente que, de 1938/39 para cá, o campeão era o clube que saísse vencedor do campeonato nacional. Mas nem isso era pacífico na altura, nem muito menos o foi a aplicação retroativa deste critério. Esta extensão para o passado não preocupou ninguém na altura, que ainda não se mediam e comparavam os palmarés, mas quase 100 anos passados continua a ser alvo de contestação do Sporting, que quer ver reconhecidos como títulos nacionais os troféus do Campeonato de Portugal que foi ganhando desde a criação da prova, em 1922. O primeiro tema, esse, foi polémico logo na altura, porque apesar de o formato por jornadas ser mais justo, a exclusão da maior parte do país levava alguns analistas a considerar impossível chamar campeonato “nacional” a uma prova que reunia clubes de quatro distritos apenas e ao qual os vindos de outras paragens não podiam aceder nem que ganhassem a II Divisão, porque não havia subidas nem descidas. Era uma espécie de Superliga fechada, para a qual na nova época voltariam a ser convidados a participar apenas os quatro melhores do regional de Lisboa, os dois melhores do Porto, e os campeões de Coimbra e Setúbal. “O campeão de Portugal só pode sair de Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal. As outras regiões não contam. São riscadas do mapa de Portugal por decisão do Congresso”, escreveu a 12 de Dezembro de 1938 Tavares da Silva, jornalista e ex-selecionador nacional, no Diário de Lisboa. E ao tema voltou de forma quase incessante durante toda a temporada.