A cristalização da elite
Portugal volta a ter três equipas na fase de grupos da Champions, pelo segundo ano consecutivo acima da França e dos Países Baixos. A elite do futebol europeu vai cristalizar e é fundamental lá estar.
A presença, pela segunda época consecutiva, de três equipas portuguesas na fase de grupos da Liga dos Campeões – e a injeção de 106 milhões de euros vindos da UEFA – é uma excelente notícia, mas não é uma notícia inédita. Esta é a sétima vez que os portugueses conseguem a máxima representação possibilitada pelo nosso ranking habitual, entre o sexto e o sétimo lugares, além de que em 2016/17 e 2017/18 também já o tinham conseguido em temporadas consecutivas. E há sempre mais do que uma maneira de olhar para estes resultados: quem quiser, vê um futebol que é pujante, mas quem quiser também vê um futebol macrocéfalo. Aqui, estou no lote dos otimistas, dos que defendem a distribuição mais equitativa da receita mas olham para esta realidade e entendem que a única forma de apanharmos a carruagem de uma cada vez mais cristalizada elite do jogo a nível continental é repetir presenças, tornar os nomes dos nossos clubes habituais. E é por isso que o ranking europeu deste ano será tão importante.
Como quer que corram os três jogos de play-off marcados para hoje, a Liga dos Campeões de 2022/23 vai voltar a ter 15 países representados, tal como aconteceu na de 2021/22 e na de 2020/21 – em 2019/20 coube mais uma nação e foram 16 as que chegaram à fase de grupos. Não é a Taça dos Campeões de antigamente? Não, de facto. Mas o Mundo também já não é o de antigamente. Basta ver como se têm comportado os campeões de países bem mais periféricos do que o nosso quando chegam à fase de grupos – mesmo de forma repetida – para perceber que a economia tornou inviável e, mais ainda, extremamente desinteressante uma prova como era essa excelente Taça dos Campeões Europeus. Por muito que isso custe aos saudosos desse tempo, há hoje muito mais apelo e competitividade num Inter-Chelsea ou num Borussia Dortmund-FC Barcelona do que num jogo entre campeões de realidades tão díspares, como um Manchester City-FC Copenhaga, um Paris St. Germain-Dínamo Zagreb ou um Real Madrid-Trabzonspor.
Ora dos 15 países representados na fase de grupos da Liga dos Campeões já sabemos que sete vão ter mais de um clube. Haverá cinco equipas alemãs – porque o Eintracht Frankfurt, o vencedor da Liga Europa, não se qualificou pela Bundesliga e acresce ao contingente normal – quatro inglesas, espanholas e italianas, três portuguesas, duas francesas e, conforme correr mais logo o jogo entre o PSV Eindhoven e o Rangers, ou duas neerlandesas ou duas escocesas. Portugal surge aqui à frente da França e dos Países Baixos, que nos antecedem no ranking. E fá-lo de uma forma reiterada: já na época passada a Liga Portuguesa foi a quinta em representatividade na principal prova da UEFA. Em 2021/22, foram também sete os países com mais de um clube na Liga dos Campeões: a Espanha com cinco, Inglaterra, Alemanha e Itália com quatro, Portugal com três, França e Ucrânia – que fez as vezes do que farão este ano a Escócia ou os Países Baixos – com dois.
Os nossos três clubes são sempre os mesmos? Nem sempre. É verdade que em seis das sete vezes que tivemos um trio nesta competição esse trio foi formado pelos três grandes – em 2012/13 esteve o SC Braga em vez do Sporting – mas isso não é assim tão anormal se olharmos para o estrangeiro, onde o dinheiro também favorece a cristalização. Este é o quarto ano consecutivo em que os ingleses se fazem representar por Manchester City, Liverpool FC e Chelsea, aos quais adicionam sempre um quarto clube porque têm ranking para tal – em 2022 será o Tottenham, que já lá esteve em 2019, enquanto que em 2020 e 2021 quem entrou foi o Manchester United. Será também o quarto ano seguido em que os alemães metem na prova o Bayern Munique, o Borussia Dortmund e o RB Leipzig, ainda que na Bundesliga haja mais diversidade nos acompanhantes: este ano entram Leverkusen e Eintracht Frankfurt, em 2021 foi o VfL Wolfsburgo, em 2020 o Borussia M’Gladbach e em 2019 já por lá tinha estado o Leverkusen.
Em Espanha sucede o mesmo com Real Madrid, FC Barcelona e Atlético Madrid: os três vão para a décima presença conjunta consecutiva. Já passou uma década desde a última vez que o Atlético faltou, em 2012. Este ano, o trio tem a companhia do Sevilha FC (que também já estivera em 2020 e 2021). E além deles, já por aqui andaram o Villarreal CF, em 2021, e o Valência CF, em 2018 e 2019. Em Itália, a crise vivida pelo Milan nos anos mais recentes levou a uma distribuição mais equitativa das vagas, mas nem isso impede que Inter e Juventus sejam presenças constantes e conjuntas há cinco anos, recebendo depois a companhia de Milan (2021 e 2022), SSC Nápoles (2018, 2019 e 2022), Atalanta (2019, 2020 e 2021), Lazio (2020) e AS Roma (2018).
A macrocefalia não é um exclusivo português. Toda a realidade europeia é marcada pela cristalização de uma elite que comandará o futuro do futebol continental. E do que se trata aqui não é de decidirmos se gostamos ou não – é de percebermos como fazemos para não perder os lugares na carruagem. O primeiro passo, decisivo por sinal, é pontuar. Pontuar muito, para impedir que os Países Baixos terminem a época que agora começa à frente de Portugal no ranking da UEFA – e para já não só estão à frente como vão ter mais equipas a fazer pontos nas outras competições. Se os clubes portugueses não reverterem este cenário, será certo e sabido que não teremos três equipas na próxima Liga dos Campeões. No fundo, o que importa é impedir a repetição da realidade: da última vez que tivemos três equipas na Liga dos Campeões por duas épocas seguidas, em 2016/17 e 2017/18, o resultado foi a queda do quinto para o sétimo lugar do ranking, ultrapassados por França e Rússia. Isso devia ser o suficiente para provar que o ranking está mal feito, mas nem é isso que importa agora. O que importa é mesmo continuar a fazer o nome dos nossos clubes chegar aos lares dos europeus através das transmissões da Liga dos Campeões, fazê-los entrar no subconsciente coletivo de quem vê futebol, porque no futuro isso será muito mais importante do que qualquer ranking.
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