O teste do algodão
O jogo com o FC Porto, no Dragão, servirá para ver até que ponto o SC Braga continua a saga. Não só pelo resultado, mas muito pela capacidade de não negar a simplicidade de que se faz o seu futebol.
O campeonato que está a ser feito pelo SC Braga volta a chamar a atenção para essa estranha dicotomia entre uma equipa fácil de ler e uma equipa fácil de contrariar. O SC Braga de Artur Jorge é uma espécie de “back to basics” no modo como encara o jogo, mas a forma como o treinador montou uma capacidade incrível de competir em cima dessa aparente simplicidade de processos merece um estudo de caso. Amanhã, no Dragão, contra o FC Porto, os minhotos terão a sua prova do algodão. E aqui não falo só nem sobretudo de resultado, pois mesmo perdendo continuarão com os mesmos pontos do campeão e dentro da corrida. Falo, isso sim, de identidade, do descaramento que tem sido a imagem de marca deste SC Braga, uma equipa que tem andado à velocidade estonteante da sua dupla atacante e que ocupa espaços com a insistência laboriosa do seu omnipresente duo de médios. É nisso que Artur Jorge não pode ceder, porque se se nega a si mesmo estará a impedir o seu grupo de expressar o maior mérito: a simplicidade.
Artur Jorge não inventou nada de extraordinário para pôr esta equipa a render. Os jogos dos bracarenses não são uma ode à complexidade estratégica, como são, por exemplo, os do FC Porto, onde Sérgio Conceição quase cria uma nova nuance a cada vez que entra em campo. O SC Braga joga num 4x4x2 à antiga, sem enganos nem enganadores, com dois pontas-de-lança que fazem lembrar os das equipas inglesas da década de 80, daqueles que correm para cima com ou sem bola e chutam de qualquer lado. Atrás deles, mete dois médios de grande abrangência, que cobrem muito terreno e impõem a sua lei a cada carrinho, a cada duelo. Tem na riqueza do plantel a possibilidade de mexer com o jogo através das caraterísticas dos jogadores, porque não é a mesma coisa jogar com André Horta, Castro ou Racic perto de Al Musrati, mas além dessa admissão de alguma rotatividade – nem podia ser de outra forma, naquele meio-campo a dois – só faz uma concessão à modernidade, que são os dois extremos de pé trocado, o esquerdino Iuri na direita e o destro Ricardo Horta na esquerda, de forma a lhes dar facilidades na exploração do espaço interior.
O SC Braga joga com o vigor necessário para preencher espaços, para acelerar o jogo com bola, para encarar a rede do adversário com vontade de a agredir a cada momento, para impedir o adversário de pensar em cada momento de pressing comandado pelos sempre intensos Banza e Vitinha. E esta simplicidade alarga-se, depois, ao discurso. Para quem estava habituado a um clube que se queixava permanentemente da falta de atenção dos média, a lamentar que não lhe fosse dado o mesmo destaque – e o mesmo escrutínio, que essas coisas andam associadas... – dos três grandes, a leveza do discurso desta época é uma novidade. “Nós temos anos suficientes no futebol para sabermos que não nos podemos iludir. Estamos a tentar ser imunes à euforia desses julgamentos”, disse recentemente Artur Jorge, antes do jogo com o FC Vizela, quando confrontado com a apreciação do treinador adversário, Álvaro Pacheco, para quem o SC Braga seria candidato ao título.
Passámos de um SC Braga que se queixava permanentemente porque os jornalistas não o incluíam no lote de candidatos a um SC Braga que tempera o entusiasmo até dos adversários. Talvez a questão nem tenha que ver com a equipa técnica, pois é dos livros que a euforia se gere assim: quando há, afugenta-se, quando não há, reclama-se. Talvez seja apenas uma forma diferente de encarar a mentalização do grupo: em vez de união contra um “inimigo” que não lhes dá valor, surge a união em prol de um ideal de humildade. E não é errado. Porque a verdade é que este SC Braga já mostrou o seu valor em jogos apertados – mas nunca o fez de uma forma concludente. Mais: fê-lo de formas diferentes. Foi atrás de um ponto na garra, metendo mais e mais gente na frente, no louco 3-3 contra o Sporting com que abriu a Liga, mas também soube ser calculista sem negar a sua identidade no 1-0 ao Union Berlim, na Liga Europa. Em nenhum desses dois jogos foi superior à equipa que tinha pela frente, dos dois tirou sempre algo que talvez muitos já nem esperassem, mas até essa capacidade para obter resultados no final dos jogos – o SC Braga teria menos cinco pontos nesta Liga se os jogos tivessem menos dez minutos – pode ser vista como resultando da admissão de que o futebol é simples e de que a simplicidade pode, pela repetição de processos, ser vista como uma arma terrível.
A visita ao Dragão será apenas mais uma etapa num caminho que é longo e, no qual, para poder atingir os objetivos a que se propõe – aparentemente uma posição que o qualifique para a Liga dos Campeões – o SC Braga precisa acima de tudo de uma coisa: ganhando ou perdendo, não pode negar-se a si mesmo. E isso, por mais simples que pareça, às vezes pode ser muito complexo.
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