A greve de zelo
Taremi continua em campo, disponível para ajudar, mas o seu rendimento tem sido uma sombra daquilo a que habituou os portistas. Nunca mais é sexta-feira para se resolver o mercado...
São quatro dias, com mais 20 de compensações. Mas, ao contrário que aconteceu nos últimos dois jogos do FC Porto, dificilmente o caso-Taremi se prolongará para lá do minuto 90, que é o fecho do mercado italiano, na sexta-feira. O rendimento do atacante iraniano tem sido muito menor do que aquilo a que habituou os portistas e é inevitável que quem não conhece outra razão para tal acabe por associar esta quebra ao interesse do Milan e ao que isso pode fazer à cabeça de um jogador. Aos 31 anos, Taremi já assinou grandes contratos, não hesitou, por exemplo, em perder dinheiro quando se mudou do Qatar para o Rio Ave, em busca do sonho europeu – e por isso não estará assim tão interessado em prolongar esta agonia pelos 20 dias de que vão beneficiar os clubes sauditas –, mas nunca jogou num dos grandes campeonatos. A ideia que fica é a de que Taremi está numa espécie de greve de zelo involuntária. Pode nem o fazer de forma consciente, provavelmente nunca lhe terá passado pela cabeça exercer pressão para que o deixem sair, mas falta-lhe a paz de espírito que lhe permita jogar ao seu nível. Na base de tudo está o problema que é os mercados ficarem abertos para lá das datas de início dos respetivos campeonatos, o que acaba por ser uma inevitabilidade, porque os campeonatos começam em datas diferentes nos diversos países – e assim continuará a ser, pois há uns que têm de parar no Inverno e que por isso precisam de começar mais cedo e outros onde faz tanto calor no Verão e houve tanta gente envolvida nas seleções até finais de Junho que não é possível arrancar antes da segunda quinzena de Agosto. O que se tem visto de um FC Porto que ainda por cima também perdeu Otávio – e isso foi evidente ontem, no 2-1 arrancado a ferros em Vila do Conde (jogo comentado aqui) – é uma desinspiração ofensiva total, à qual não é alheio o sub-rendimento de Taremi, o jogador que além de golos também dava à equipa presença em zonas de criação, com a movimentação constante entre linhas do adversário e a invenção de caminhos para o golo. Sem o contributo criativo de Taremi, o FC Porto tem bloqueado, o que leva a que se conclua que, de facto, ele é um daqueles jogadores que, para o clube, tem bastante mais valor desportivo do que de mercado. Taremi já fez 31 anos, nunca jogou num campeonato de alto nível e, a não ser por um eventual desvio das regras de mercado que depois se paga com juros junto de quem o facilita, a um ano do fim do contrato, nunca pode valer os 30 milhões que o FC Porto pede por ele. Os 15 que o Milan já terá oferecido são uma proposta realista, mas provavelmente curta para o que a presença do iraniano acrescenta ao rendimento do coletivo azul e branco. É isso que torna esta operação tão difícil de conseguir e que, se nenhuma das partes ceder, acabará com a continuidade do jogador no Dragão e até, eventualmente, em mais uma perda a custo zero no final da época, quando se extinguir o vínculo entre as partes. Para Sérgio Conceição, no entanto, tudo o que importa neste momento é que chegue rapidamente sexta-feira. Ainda há dias, Lewandowski dizia que estas primeiras semanas da época “não são importantes” e que o que interessa é a manutenção do rendimento “a partir de Setembro, quando começa a Liga dos Campeões”. Até pode ser assim no FC Barcelona. Num clube português, estes últimos dias de mercado são um pesadelo.
As greves malcheirosas. Já perdi a conta às vezes que os adeptos perdem a paciência com os jogadores que os seus clubes contrataram mas que, seja logo de repente ou ao fim de um par de épocas, ainda a meio dos contratos, descobrem que afinal não lhes fazem falta e que não justificam os salários que estão a receber. E pressionam para que estes abdiquem e vão para casa de mãos a abanar, como se o que regula as relações entre as partes, aqui, não fosse um contrato de trabalho mas uma conversa informal. Ora se há casos em que a diferença implicada na mudança de vida nem será muita e vale mais seguir em frente, para poder voltar a sentir-se útil, há outros em que isso nem chega a ser opção – e, naturalmente, o direito dos jogadores excedentários é defendido. Como não devia ser opção o contrário, a pressão do jogador que tem contrato e cláusula de rescisão estipulada mas fica de cabeça à roda com a possibilidade de subir na vida. O último deste lote de grevistas é Matheus Nunes, que não gostou de ver o Wolverhampton WFC recusar a proposta feita pelo Manchester City para a sua contratação e resolveu deixar de ir aos treinos. Isto vem dar algum sentido aos rumores que se ouviram há um ano, quando se dizia que Matheus estava a trocar o Sporting pelos Wolves, a Champions pelo fundo da tabela da Premier League, com a promessa de dar novo salto em breve, e alerta-nos outra vez para o problema criado pela promiscuidade e excessiva proximidade entre os agentes dos jogadores e os donos dos clubes, no caso entre Jorge Mendes – que lhe teria feito a promessa – e os seus “sócios” chineses da Fosun. E em Portugal temos o caso de Ivan Jaime, contratualmente ligado ao FC Famalicão, cuja SAD pertence a outro parceiro da Gestifute, o israelita Idan Ofer, que tem treinado mas que, nas palavras do seu próprio treinador, João Pedro Sousa, não está disponível para jogar. O interesse do FC Porto no jogador será a base da recusa, que só pode ser vista como pressão – inaceitável, digo eu – para que o clube que lhe está a pagar e que tem os seus direitos salvaguardados por contrato ceda nos valores de uma eventual transferência. E, por mais que acabe por ser absorvido pelas leis do mercado mundial e da cadeia alimentar que o rege, tudo isto cheira muito mal.
E a greve fofinha. Quem entrou em greve também, no caso em greve de fome, numa igreja, foi a mãe de Jose Luis Rubiales, o presidente da Federação Espanhola de Futebol que está debaixo de fogo depois do comportamento na sequência da final do Mundial feminino. A FIFA não o quer no lugar e suspendeu-o. O Governo espanhol não o quer no lugar e já deixou isso bem claro – o que até motivou uma queixa formal à UEFA e um pedido de exclusão dos clubes espanhóis das provas europeias, por interferência governamental, feito pelo secretário-geral da RFEF, Andreu Camps. O Conselho Superior do Desporto, os jogadores, os treinadores, os sindicatos, a opinião pública e publicada e até os delegados das associações regionais não o querem no lugar, o que tem gerado um metralhar constante sobre um homem cada vez mais só e o tem levado a refugiar-se em comportamentos mais condenáveis à medida que se sente mais acossado. Com ele continua a mãe, que face ao sucedido deixou de comer e começou a rezar. É a forma que encontra, hoje, para superar o facto de ter falhado na tentativa de impedir que o filho se tivesse transformado num narcisista mentiroso com tiques de ditador machista.