Uma equipa de Champions
O FC Porto pode viver momentos conturbados nas competições internas, mas na Champions não falha. Em sete tentativas, Sérgio Conceição atingiu cinco vezes os oitavos-de-final. Qual é a explicação?
Há uma contradição quase insanável entre o FC Porto que acabou a fase de grupos da Liga dos Campeões como quinto melhor ataque da prova, apenas atrás de Manchester City, Arsenal, Real Madrid e Atlético Madrid, e a equipa que tanto tem sofrido para criar desequilíbrios na Liga Portuguesa, onde tem apenas o oitavo melhor ataque, por exemplo 15 golos abaixo do SC Braga, e onde marca menos até do que o Farense, o Estoril ou o Gil Vicente. E não há quem simbolize melhor esta contradição do que Galeno, imparável nos dois jogos com o Shakhtar (há Flash da partida de ontem para ver aqui), nos quais somou quatro golos e três assistências, mas pouco influente no plano interno, com apenas um golo e dois passes decisivos em onze desafios da nossa Liga. O jogador é o mesmo. Agressivo e rápido na procura do espaço, forte na pressão sobre o portador, nem sempre bom decisor no momento de optar por soluções de passe ou remate e muitas vezes impreciso nas finalizações. Mas o rendimento é diferente: da Liga Portuguesa para a Champions, Galeno vê mais do que duplicar o índice individual de golos esperados por 90 minutos (passa de um xG sem penaltis de 0,15 para 0,39) e junta-lhe um incremento igualmente notável nas ações que levam à finalização (de 3,88 para 4,69 por 90 minutos). Até pode ser defensável que, apesar de terem ganho ao FC Barcelona, o Shakhtar e o Royal Antuérpia não sejam grandes potências do futebol europeu – embora seja mais difícil de sustentar que tivessem grandes dificuldades numa Liga onde o quinto classificado não consegue sequer passar as pré-eliminatórias da Liga Conferência. Portanto, se o jogador é o mesmo, se os adversários não são mais fracos do que os que os dragões encontram semana após semana por cá, o que muda é o contexto. Sérgio Conceição voltou ontem a puxar dos galões do repetido sucesso europeu da sua equipa, que em sete anos chegou por cinco vezes aos oitavos-de-final da prova mais exigente do futebol mundial. Porquê? Há ali um chip que se liga quando os jogadores ouvem o hino da Champions e veem a bandeira gigante com a bola das estrelas a ser agitada no meio-campo? Não creio. Mais do que para o seu caráter competitivo, para uma questão de experiência internacional difícil de advogar quando estão em campo jogadores acabados de chegar, esta contradição aponta para o DNA futebolístico das equipas de Conceição, cujo foco em ações de pressão vai exigir adversários que queiram jogar para serem eficazes. Os Shakhtares e os Antuérpias desta vida não são grandes potências, mas são campeões dos seus países e o que isso provoca é que as suas rotinas habituais passem por uma vontade de jogar, de construir desde trás, de meter gente na frente em vez de baixar o bloco, algo que as equipas portuguesas de meio da tabela não fazem. É por isso, acima de tudo, que o FC Porto consegue num contexto de Liga dos Campeões o que está a ter dificuldades em materializar na Liga Portuguesa.
O Eurobarómetro. Há bons sinais da fase de grupos da Liga dos Campeões, nomeadamente o facto de voltarmos a ter oito campeonatos representados nos oitavos-de-final, depois dos sete de 2022/23 e dos oito de 2021/22 – e em oposição aos cinco de 2019/20. A surpresa da época foi o FC Copenhaga, que se impôs ao Manchester United e ao Galatasaray, se apurou atrás do Bayern e contribuiu mais para a problemática temporada dos tradicionalmente hegemónicos representantes da Premier League. Num momento em que os ingleses já começavam a piscar o olho à vaga suplementar atribuída na nova Champions ao campeonato cujos representantes se portarem melhor no ranking da época imediatamente anterior, a eliminação de Newcastle United e Manchester United, não só da Champions como de todas as competições europeias, será provavelmente um golpe para quem acabar a Premier League no quinto lugar. Desde 2012/13 que a Inglaterra não ficava reduzida a apenas duas equipas nos oitavos-de-final – há onze anos seguiram Manchester United e Arsenal, com Chelsea a cair para a Liga Europa e Manchester City afastado, em último lugar do seu grupo. E, entre um ano em que lá meteram cinco equipas, outro em que lá colocaram três e a normalidade que é seguirem os quatro em frente, nas seis épocas imediatamente anteriores à atual houve 24 representantes ingleses na primeira ronda a eliminar. O dinheiro é fundamental para se ter sucesso na Champions mas não compra pedigree – pelo menos não imediatamente – para St. James’s Park nem garante noção em Old Trafford.
O que é preparar um jogo? As palavras de Rúben Amorim, a desdramatizar o dia a menos que vai ter entre o jogo com o Sturm Graz, hoje à noite, e o clássico com o FC Porto, na segunda-feira, lançam as bases para um debate interessante acerca do que é, verdadeiramente, preparar um jogo. Amorim arreigou-se à questão das 72 horas que, fisiologicamente, são tidas como o limite a partir do qual o corpo recupera do esforço de um jogo de alta competição, mas a questão, a meu ver, nunca foi essa, até porque o dia a mais que o FC Porto terá para se recompor desde a partida contra o Shakhtar Donetsk, ontem, se desvanece nas diferenças da carga competitiva dos dois jogos. Ontem, o FC Porto jogou a qualificação e teve de apresentar um onze certamente muito próximo do que vai levar ao relvado de Alvalade; hoje, contra um adversário mais fraco e já com a segurança de que, suceda o que suceder, nem desalojará a Atalanta do topo do grupo nem perderá a segunda posição e a vaga no play-off, o Sporting vai poder rodar muito a equipa. Só que, lá está, acima das 72 horas, a questão não é fisiológica ou de recuperação. Alarga-se muito mais a outras áreas igualmente importantes, como o são a estratégica ou a mental. Por um lado, vindos de uma derrota contra o Vitória SC, poderão os leões arriscar novo desaire, abusando das poupanças, seja de homens ou de intensidade? O que é que isso causaria na mente da equipa? Por outro, tendo pelo meio um jogo na quinta-feira, haverá no Mundo algum treinador que seja capaz de começar desde logo a preparar os jogadores para as nuances estratégicas do desafio de segunda? Não creio. Quem acha que o trabalho de campo feito durante a semana conta – e eu acho que conta muito – não olha para o dia a menos que o Sporting tem entre os compromissos europeus e o clássico na perspetiva da recuperação. Não é um dia a menos para recuperar. É um dia a menos para treinar.
O futebol e o geoblocking. É muito mais importante do que parece à primeira vista a questão do bloqueio geográfico aos operadores de televisão quando se trata de futebol. A notícia vem no Record de hoje e diz que o Parlamento Europeu votou a favor da manutenção das regras atuais, que proíbem um determinado canal de ser visto fora do território do seu país. O que isto provoca é que, mesmo que vocês sejam assinantes da Eleven, da Sport TV ou de qualquer outro canal, que pagam para poder ver o vosso futebol, mesmo que tenham instalada a app da vossa operadora de cabo, que à partida vos dá acesso ao mesmo pacote de televisão que têm em casa, se estiverem no estrangeiro não conseguirão ver os jogos que vos interessam... a não ser que eles sejam transmitidos pelos canais do país em que estão. Ainda ontem vi, no Twitter, os lamentos de um colega francês que estava fora do país e não conseguia ver o jogo do Paris Saint Germain em Dortmund, porque o operador que tinha os direitos da Champions nesse país não estava a transmiti-lo. A manutenção deste estado de coisas defende os canais televisivos, que obviamente teriam de cobrar muito menos se a concorrência livre permitisse ao utilizador encontrar alternativas mais em conta em operadores de outro país qualquer. E defende a FIFA, a UEFA e, no limite, os clubes, que seriam os primeiros a sofrer com a fim das regras – se tiverem de cobrar menos, os canais terão de pagar menos pelos direitos, como é evidente. Só não defende os cidadãos consumidores. E é por isso que é inaceitável.