A revelação de Di María
O argentino já tinha resolvido os dois jogos do Benfica com o FC Porto, mas não se lhe tinha visto a capacidade de ser tão influente no futebol da equipa como agora, frente a Farense e RB Salzburgo.

As manchetes de hoje vão para Arthur Cabral, que marcou o primeiro golo importante com a camisola do Benfica e permitiu a entrada da equipa na Liga Europa, mas a melhor notícia da noite chuvosa de Salzburgo foi a confirmação de que está aí o melhor Di María. E pode até haver quem diga: “Como assim? Se já foi ele que resolveu os dois jogos com o FC Porto...” Di María fez o primeiro golo nos 2-0 aos dragões na Supertaça, em Agosto, e assinou o único do 1-0 da Liga, na Luz, em Setembro. Desde então até ao desafio de ontem, em que marcou um canto direto com tanta mestria como colaboração involuntária do guarda-redes da casa, só tinha feito um golo, ao FC Arouca, na Taça da Liga. De qualquer modo, não é de golos que vos falo. É de influência na produção da equipa. Se o recital dado pelo argentino contra o Farense pode ser explicado com as debilidades defensivas dos algarvios, com a pouca propensão da equipa de José Mota para elevar o nível físico do jogo, essa justificação já não colhe contra um RB Salzburgo que, até pela excessiva juventude que apresenta em campo, é das equipas mais pressionantes da Europa. A GoalPoint resumia ontem o contributo dado por Di María para os dois últimos jogos do Benfica: fez um golo em doze remates e uma assistência em doze passes para finalização. E se o golo marcado apareceu num índice de golos esperados total de 0.45 – o que prova que ele é um finalizador acima da média – já a assistência consumada por Rafa saiu de um índice de assistências esperadas de 2.86 – o que demonstra que o sucesso depende muito da capacidade do resto da equipa o acompanhar nesta capacidade para ser decisivo. Di María cresceu no Benfica e é mais uma prova de que as equipas são organismos vivos, que evoluem por adaptação. O argentino continua a ser pouco fiável na dimensão defensiva do jogo, porque não pressiona como Roger Schmidt quer, porque não baixa sem bola como pede a necessidade de equilíbrio global e de preenchimento do espaço à frente da defesa, mas dá à equipa uma dimensão ofensiva que mais nenhum jogador pode garantir, aparecendo não só em criação e finalização mas agora até em organização, porque baixa para transmitir critério e sobretudo alguma imprevisibilidade ao início de organização ofensiva das águias. Ontem, em Salzburgo, foi comum ver o Benfica a deitar para o cesto dos papéis a burocrática saída a quatro, com os dois centrais e os dois médios (que faz em 2+2 ou em 3+1), para começar a jogar a quatro, sim, mas com Di María mais baixo e aberto na direita, Morato na esquerda e Aursnes, que no papel era lateral direito, a juntar-se por dentro aos dois médios, mais à frente. Lembro-me de, na escola, ter ficado impressionado com a disciplina de Kant, o prussiano que o meu professor de filosofia do 10º ano garantia que fazia rotineiramente as mesmas coisas, às mesmas horas, todos os dias. Talvez isso tenha influenciado de forma decisiva a minha perceção dos alemães – e o Roger Schmidt do primeiro ano foi isso mesmo, um treinador que montou um modelo eficaz de funcionamento baseado na repetição de processos. Até que lá chegou um argentino e desaustinou aquilo tudo, não tanto por ter percebido que a repetição já não estava a resultar, que os adversários tinham encontrado o segredo para a anular, mas porque o que lhe está no sangue é buscar alternativas à rotina. Schmidt concedeu e deu largas a esta vontade de fazer as coisas de forma diferente. Não havia argentinos em Konigsberg no século XVIII – o que seria do imperativo categórico se eles lá tivessem chegado a tempo?
O imperativo das substituições. Se Cabral pôde usar o golo que marcou aos 90+2’ para provar que não é tão mau como o pintam, Schmidt também pode puxar do facto de o ter chamado ao jogo um minuto antes para demonstrar que, afinal, sabe mexer na equipa. Quem critica o treinador alemão por ser fraco nas substituições levou a resposta devida. E, no entanto, eu, que até acho que as trocas que motivaram toda a polémica no jogo com o Farense foram bem feitas – João Mário voltou a crescer ontem quando foi puxado para trás, para dar espaço a Guedes na faixa lateral – também entendo que, nisto de meter em campo um segundo ponta-de-lança sempre aos 90’, o alemão está a ser um bocado Kant e a abusar da sorte. No livro das substituições deste Benfica está escrito que quando se precisa desesperadamente de um golo se mete um segundo ponta-de-lança para as compensações. Ontem, com Cabral ao lado de Musa a partir dos 90+1’, ainda houve tempo para o golo aparecer. Na sexta-feira, contra o Farense, com a mesma dupla a partir dos 89’, o resultado já não mudou. A hora da substituição não tem de ser certa porque resultou em Salzburgo como não tem de ser errada por ela ter sido irrelevante contra o Farense. Porque se houvesse uma relação causal assim tão simples entre o segundo ponta-de-lança e um golo, certamente que o Benfica começava com dois logo de início – contra o Sporting, contra dez, Schmidt acumulou Cabral e Tengstedt a partir dos 64’ e só marcou 30 minutos depois. A capacidade para “ler o jogo” é apenas um dos muitos atributos de um treinador de elite e é evidente que não há a esse respeito verdades absolutas, até porque quem defende o contrário do que foi de facto feito nunca poderá provar a sua razão. Evidente é que cada jogo pede sempre coisas diferentes e que, por isso, as substituições não podem estar num livro de regras.
O Braga anti-Braga. Anda um tipo a ouvir e a ler que este SC Braga é a equipa nacional com a melhor relação com o golo – e uma das melhores na Europa – e depois leva com lições como a de ontem em Nápoles. Em Itália, a equipa de Artur Jorge foi do mais português – depois do Kant, mais um alerta-estereótipo... – que pode haver. Fez uma enorme primeira parte, com João Moutinho e Zalazar a controlarem o tráfego a meio-campo, com Pizzi e Ricardo Horta a ligarem bem mais à frente, mas não marcou. E apesar de, depois, ter visto Matheus assinar uma boa exibição na baliza, a impedir o agravamento do resultado, não apenas se viu a perder antes mesmo de o adversário ter feito um remate, fruto do autogolo de Serdar, como levou com o 2-0 ao segundo tiro. O SC Braga de Nápoles foi a equipa mais anti-Braga que podia ver-se, porque negou em campo as virtudes que lhe são mais reconhecidas, as que passam pela capacidade de obter resultados úteis mesmo quando o volume de jogo não é impressionante. Os zero pontos que fez em quatro jogos contra o Real Madrid e um SSC Nápoles que até lhe seria acessível fazem crer que, tanto como a inépcia da sua última linha defensiva, houve aqui influência do peso da responsabilidade que a equipa não sente em Vizela ou em Barcelos. E quanto a isso não há nada a fazer: são as dores de crescimento.
O Shakhtar cresceu. Da mesma forma que o Benfica começou a Liga dos Campeões a perder em casa com o RB Salzburgo e acabou por superar os austríacos na corrida ao terceiro lugar, o FC Porto não pode partir da vitória até fácil que obteve contra o Shakhtar Donetsk na ronda inaugural, em Hamburgo, para achar que o jogo de mais logo (20h, TVI e Eleven 1) serão favas contadas. Este Shakhtar cresceu com a competição, cresceu com a mudança de treinador, e vai entrar no Dragão a saber que ganhando segue vivo na prova. O FC Porto, é verdade, não tem sido brilhante, mas hoje o que se lhe pede é sobretudo que seja sólido. A questão é a de perceber se os jogadores do quarteto defensivo – Pepe acima de todos – aguentam três jogos de alta exigência numa semana. Porque é inevitável que no subconsciente de hoje esteja já a visita a Alvalade, na segunda-feira.