Uma certeza com dúvidas
Marcos Leonardo, o reforço que o Benfica parece estar prestes a conseguir por 18 milhões de euros, é um talento seguro, apesar dos 20 anos. Mas não é por isso que a operação deixa de colocar questões.
O Benfica vai investir um valor que começa nos 18 milhões de euros e pode crescer mediante objetivos em Marcos Leonardo, um dos mais promissores avançados brasileiros. O jogador, 20 anos mas mais de 150 jogos pelo Santos FC, 13 golos em cada uma das duas últimas edições do Brasileirão, tem tudo para dar certo. É um talento emergente, internacional por todas as seleções do Brasil até aos sub23, ainda que não tenha sido convocado por Ramon Menezes para o pré-olímpico que começa no final do mês, no qual estarão, por exemplo, Endrick, John Kennedy ou o “viseense” Arthur Chaves – o que na perspetiva do Benfica atém pode ser coisa boa. Que Marcos Leonardo é craque é a primeira coisa que tem de saber – ainda que não seja a última. Jesualdo Ferreira, que trabalhou com ele no Peixe, até já o comparou a Falcao, o ponta-de-lança colombiano que tinha orientado no FC Porto. As caraterísticas do avançado brasileiro são muito semelhantes às de Gonçalo Ramos, ainda que com algumas diferenças no trabalho sem bola – mas margem de progressão nesse aspeto – e parecenças na forma de se movimentar, de fazer diagonais de ataque à profundidade e de baixar em apoio aos médios. Marcos Leonardo não impressiona pela estatura (1,76m), o que faz dele assim uma espécie de oposto de Arthur Cabral, o avançado em quem o Benfica já tinha investido 20 milhões de euros no Verão para substituir Ramos e se impõe sobretudo na resposta a cruzamentos. E é aqui que aparece o primeiro ponto de interrogação: se Roger Schmidt joga apenas com um ponta-de-lança, quem é que caucionou um investimento tão avultado em dois jogadores tão diferentes? Poderão eles ser alternativa estratégica um ao outro? Entra um hoje, num dia em que se espera mais jogo exterior, e outro na próxima partida, na qual há mais perspetiva de se explorar a ligação por dentro? Dificilmente, que a vida de ponta-de-lança é muito feita da confiança e de uma continuidade que isso não potenciaria. Poderão eles ser complementares, então? Poderá Marcos Leonardo ser o futuro do Benfica na posição de Rafa, que em princípio sairá no final da época? Também parece improvável. Não que, em abstrato, as caraterísticas do provável reforço o impedissem. Afinal, o próprio Gonçalo Ramos também jogou como segundo avançado e às vezes até como terceiro médio, com Nélson Veríssimo, mas tanto ele como Marcos Leonardo ganham bastante como solução de finalização, como jogador mais avançado da equipa. Estará então o Benfica pronto a desistir de Arthur Cabral? Acho cedo. É certo que uma eventual saída de Musa neste mercado de Janeiro pode atenuar um pouco as contas, deixando Schmidt com Leonardo, Cabral e Tengestedt para a função, mas continua a ser um sinal dos tempos que um clube da Liga Portuguesa – mesmo sendo o Benfica, o que de todos mais fatura – assuma a contratação de dois reforços na casa dos 20 milhões de euros para a mesma posição, levando à inevitável desvalorização de um deles, do que jogar pouco. Aliás, mais: que um clube da Liga Portuguesa tenha chegado onde ainda há pouco tempo um clube da Serie A italiana não conseguiu. É que, aparentemente, a AS Roma esteve em campo para contratar Marcos Leonardo no Verão, mas sem sucesso. Tal como o futebol, o mercado também “é o momento” – e o momento é este, em que o Santos FC foi despromovido à Série B, mas não era aquele, em que o clube paulista ainda podia abrir muito a boca a pedir, porque tinha objetivos por alcançar, o que de resto contrariou tanto o jogador que lhe condicionou a segunda metade da época, marcada por incidentes de indisciplina e pela rarefação dos golos. A concretizar-se, a chegada de Marcos Leonardo ao Benfica é uma excelente notícia, também por mostrar que Portugal é uma saída viável para os talentos emergentes do futebol brasileiro. Mas não é por isso que deixa de colocar dúvidas.
O que queremos do investidor? A pergunta parece meio apatetada: o que queremos de um investidor? Que invista? Pois está claro que sim. Mas as nuances do futebol levam-nos a dar um passo extra: que invista com responsabilidade, pois então. Foi para isso que a FIFA criou o “Fair-Play Financeiro”, que para muitos não passa de uma forma de eternizar elites: se não geras receita, não podes fazer despesa, sendo que se não és membro da elite neste momento e por isso não tens receita nunca vais poder abrir caminho até lá através do investimento. Por outro lado, há menos risco de teres de fechar portas por causa de um investimento desmedido e mal calculado que esbarrou na trave em vez de entrar na baliza. O problema aqui é quando se define o momento zero. O Nottingham Forest, que até já foi bicampeão da Europa, estava nas lonas quando os senhores da FIFA deram o “partida, largada, fugida” e sem uma maneira um pouco mais, chamemos-lhe assim, “criativa” de encarar as contas, nunca recuperaria o fulgor de outrora. É certo que mesmo com o aparente desrespeito das regras a que a Premier League chama de “lucro e sustentabilidade” também dificilmente o fará, mas isso é conversa para mais à frente. Depois do Manchester City, que ainda espera a decisão final, e do Everton, já punido com dez pontos de penalização, é agora o Forest quem está debaixo de escrutínio por ter perdido mais do que o limite de 105 milhões de libras – cerca de 121 milhões de euros – autorizado para um período de três anos. Em causa está a política de investimento do grego Evangelos Marinakis, que está em conversações para ficar com 80 por cento da SAD do Rio Ave e que, ao que tudo indica, mesmo antes disso, já terá feito em Vila do Conde a injeção de capital que permitirá ao clube superar o mercado de Janeiro – já regressou Aziz da China, por exemplo – e pagar salários até final da época. Não pode, porque o clube não gera essa receita e assim começará a viver acima das suas possibilidades? Podia até argumentar que todo o mundo do futebol vive acima das suas possibilidades, mas deixo uma pergunta. Teria o Forest podido contratar Trevor Francis em 1979, quando Clough fez dele o primeiro jogador avaliado num milhão de libras, a caminho da primeira vitória na Taça dos Campeões Europeus? Temos um longo caminho a percorrer no licenciamento dos indivíduos – e dos fundos opacos – a quem é permitido investir em clubes de futebol e na definição das condições em que o fazem. Marinakis, por exemplo, mereceria mais ser punido pela forma espaventosa como investe e permanentemente torpedeia a necessária estabilidade de um grupo de trabalho do que pelo facto de investir. Porque por este caminho qualquer dia quando andarmos à procura de um investidor para um negócio a primeira preocupação será a de encontrar um que não invista assim muito. E, sim, isso é uma patetice.
As contradições de Leão. Rafael Leão entrou ontem na ponta final de um jogo de Taça de Itália que o Milan já tinha tornado fácil, contra o Cagliari, e ainda interrompeu o jejum goleador que ia fazer dois meses lá mais para o fim desta semana. Foi aplaudido pela curva e agradeceu, já que vinha de uma experiência estranha, que foi a de ser assobiado pelos próprios adeptos do Milan no jogo contra a US Sassuolo, no final de 2023. Leão é assim, a contradição permanente entre o jogador imparável que por vezes demonstra ser e o avançado inconsequente em que noutras ocasiões se transforma. Até há pouco tempo, as coisas eram simples de entender: era o craque do Milan e um zero à esquerda – literalmente – na seleção. Mas a mudança tática que Martínez fez para o encaixar melhor, com o lateral esquerdo a jogar por dentro, de modo a que a ele lhe fosse dado espaço na largura, tornou o mistério ainda mais insondável. Leão já fez bons jogos na seleção nacional, da mesma forma que assinou um final de ano sofrível no Milan. Ainda ontem Fabio Licari escrevia na “Gazzetta dello Sport” que Leão é “o único milanista capaz de mudar sozinho um jogo”, mas que “pretender dele a continuidade de um médio é uma utopia”. Com ele, nunca se sabe, portanto. É a conclusão que se tira da entrevista que ele deu neste final de ano à Sky Sports italiana, na qual lembrou as dúvidas que teve de que pudesse vir a ser aposta no Sporting de Jorge Jesus, um treinador que raramente recorria aos jovens, mas depois atribui o segredo do sucesso futuro aos cinco meses que passou no banco do Lille OSC, o clube francês por quem assinou após os incidentes de Alcochete. Nem ele próprio sabe bem como vai ser.