Um teatro de robertos
A FPF fez um “rebranding” ao comando técnico da seleção, mas manteve o guião. Martínez é Santos saído do Regresso ao Futuro, mas vem de uma encenação onde nunca encontrou o boneco do Éder.
Se há coisa de que não podemos acusar Fernando Gomes e quem o aconselha em questões técnicas é de incoerência. Se a seleção se deu bem com Fernando Santos e Fernando Santos se vai embora, a busca de um sucessor há-de ter começado com a seguinte pergunta: “quem é o tipo mais parecido com Fernando Santos que podemos contratar?” A escolha foi Roberto Martínez, uma espécie de Fernando Santos espanhol, que apesar da promessa de aprender português o mais depressa possível, não dirá tantas vezes “na realidade” nem repetirá tanto aquele tique nervoso que passa por esticar o pescoço e rodar a cabeça, como que para alargar o nó da gravata, mesmo quando a não tem, que era tão típico do técnico da Penha de França. Mas, tal como Santos, Martínez é bem mais considerado no estrangeiro do que no seu próprio país, onde nunca chegou a treinar. Tal como ele, fez da constância e da continuidade, não só de nomes como de ideias, as armas de uma equipa que resistiu até ao limite à renovação, a ponto de se mostrar claramente fora do prazo de validade no Mundial – e nisso Martínez foi bastante mais radical do que o engenheiro. Tal como ele, passou os últimos anos a resolver os problemas de um balneário em que os egos ainda mais afastados pela questão dos idiomas lhe tornavam a missão quase impossível. Ao contratar Martínez, Fernando Gomes fez uma espécie de rebranding no comando técnico. Foi como se pudesse rejuvenescer Santos, livrá-lo do cabelo grisalho e dos fatos largueirões que levaram a que nos jornais estrangeiros já o comparassem com o Peter Falk de Columbo, imunizá-lo aos vírus da Femacosa, do Mendes e da clubite – de todos os clubes menos aquele que é o seu, caro leitor... –, como se a questão fiscal tivesse nascido da mente do anterior selecionador e os interesses dos empresários e dos clubes não precisassem de segundas, terceiras, quartas e enésimas doses de inoculação na cabeça dos adeptos. Para encarar o Europeu de 2024 e o Mundial de 2026, Fernando Gomes pegou em Fernando Santos e meteu-o no Regresso ao Futuro de Robert Zemeckis. Como se o futebol não fosse mais do que um eterno teatro de robertos e tudo o que Martínez tivesse de fazer fosse ir ao fundo poeirento da arrecadação e encontrar o boneco que fazia de Éder.
Félix e o caos. João Félix, dizem os espanhóis, estará a caminho do Chelsea, por empréstimo até final da época. A minha primeira reação é de pena. Pena pelo desperdício que é um dos mais talentosos jogadores portugueses da nova geração acumular clubes em desconstrução uns atrás dos outros. Primeiro foi o Atlético Madrid, cujo treinador, Diego Simeone, nunca lhe deu na definição do futebol da equipa o estatuto correspondente aos mais de 120 milhões de euros que o clube pagara por ele, insistindo num jogo especulativo que o deixava como peixe fora de água, a abrir e fechar a boca em busca de oxigénio. Agora seguir-se-á o Chelsea, que anda perdido a meio da tabela da Premier League, que é um clube em crise de identidade onde não se sabe quem manda e sobejam as dúvidas acerca da capacidade do treinador, Graham Potter, vir a ser mais que uma paixoneta efémera e rapidamente erradicada pelo choque abrupto com a realidade. Mas foi assim, num contexto igualmente caótico, que Félix se revelou ao Mundo. Foi num Benfica a desfazer-se, num Benfica que acabara de despachar Rui Vitória e parecia encaminhar-se para o desastre, que ele apareceu para assinar seis meses que acabaram com a conquista do título e a transferência milionária. O que a história de João Félix nos diz é que tudo depende dele. O que a história do futebol nos diz é que não continuará a ser assim por muito tempo.
Os cigarros de Mészáros. Morreu Ferenc Mészáros, o brilhante guarda-redes húngaro que Malcolm Allison trouxe para ser campeão no Sporting em 1981/82 e que depois manteve uma ligação firme ao nosso país, jogando no Farense e no Vitória FC e desempenhando funções de treinador. Mészáros foi um guarda-redes de transição. Foi um dos últimos representantes da era do futebol “rock and roll” e um dos primeiros da modernidade nas balizas. Precursor nessa mania de jogar com os pés que depois se tornou tendência, ao mesmo tempo era esguio e elástico, capaz de fazer defesas impossíveis. E era excessivo, como todos os futebolistas de classe saídos da década de 70. Mészáros não fumava só no balneário antes dos jogos: nas luvas, quando entrava em campo, levava sempre escondido o último cigarro, já aceso, no qual ainda dava umas passas enquanto batia com os pitons nos postes, media os passos de um a outro lado das balizas e fazia no chão as marcas que os guarda-redes faziam quando a relva ainda não crescia onde eles pisavam. Depois de dois anos no Sporting, João Rocha achou que ele não passava de um excesso de outro lunático excessivo, Allison, deixou-o ir para o Farense e foi buscar o homem que lhe tinha sucedido na seleção húngara, o tristonho gigante Béla Katzirz. O Sporting começava aí o primeiro de dois longos períodos de jejum com que marcou as últimas décadas, porque o futebol nem sempre é um mero teatro de robertos. Ontem, para Mészáros, baixou o pano.
Um dos melhores gredes que vi jogar no Sporting.
Retenho na memória as coisas boas e não o tabagismo. 🙂
As saídas aos cruzamentos agarrando a bola no ar só com uma mão, qual lapa que a fazia colar na luva.
Os lançamentos longos com a mão, olhando para a esquerda e enviando a bola lá longe na direita...conseguia com a mão meter a bola no meio campo adversário.
Era um senhor. Cruzei-me com ele duas vezes mas não era dado a muitas conversas.🙂
Que descanse em paz.