Um presente bem guardado
A renovação de Fábio Vieira é uma excelente notícia para o FC Porto. Falta agora achar modo de o encaixar no onze para ele deixar de ser aquele presente vistoso que temos debaixo da árvore de Natal.
Fábio Vieira é, provavelmente mais até do que Vitinha, o maior símbolo da geração que levou o FC Porto à conquista da UEFA Youth League e uma das razões que me levou, no início da época, a fundar a candidatura dos dragões ao título de campeões nacionais de futebol no enorme potencial de crescimento que Sérgio Conceição tem ao seu dispor. A renovação de contrato daquele que foi considerado o melhor jogador do último Europeu de sub21 foi, por isso, uma excelente notícia para um clube demasiado escaldado com saídas de craques a custo zero nos últimos anos. Agora só falta uma coisa: descobrir o que fazer com ele em campo, para evitar que ele continue a ser o presente vistoso que temos debaixo da árvore de Natal mas cuja abertura retardamos para manter a expectativa em alta.
A utilização de Fábio Vieira na equipa do FC Porto não tem muito a ver com o “hype” que se criou à volta dele, tanto na equipa de sub19 que venceu o Chelsea na final europeia de clubes em 2019 como, depois, nas seleções nacionais que perderam as finais dos Europeus de sub19 (nesse mesmo ano) e de sub 21 (em 2021), respetivamente para a Espanha e a Alemanha. Pelo clube, Fábio foi titular na final contra o Chelsea, a jogar num meio-campo em 4x3x3 com os mais possantes Mor D’Diaye (que está na equipa B) e Romário Baró (que foi emprestado ao Estoril). Vitinha foi, nesse dia, suplente utilizado. Fábio voltou depois a ser titular em todos os jogos que levaram a seleção de sub19, conduzida por Filipe Ramos, à final do Europeu de sub19, na Arménia, fazendo meio-campo (mais uma vez em 4x3x3) com o benfiquista Diogo Capitão e o seu companheiro de clube Vitinha. Por fim, foi a estrela do Europeu de sub21, no qual saltou do banco para resolver o primeiro jogo mas foi, depois, sempre titular, numa equipa que Rui Jorge colocou maioritariamente a jogar num 4x4x2 losango, partilhando o meio-campo com gente como (mais uma vez) Vitinha, os benfiquistas Florentino e Gedson ou o sportinguista Bragança.
Tarda, no entanto, a afirmação de Fábio Vieira no FC Porto. Na época passada fez um total de 29 jogos pela equipa principal, mas esteve em campo apenas 644 minutos, com um golo marcado e uma assistência. Só foi titular seis vezes, o que até se perceberia, pois a afirmação no topo não é fácil. Mas quando se vê que a última foi a 13 de Fevereiro, num empate a duas bolas em casa com o Boavista, os sinais começam a ser preocupantes. Fábio Vieira, João Mário e Diogo Leite, outros dois companheiros na bela aventura da Youth League, estiveram nessa noite no onze e saíram todos ao intervalo, com 0-2 no marcador, vendo de fora a recuperação portista até aos 2-2. “Não basta ser da formação ou ser bonito nas redes sociais”, disparou Sérgio Conceição no final, sem especificar alvos. A verdade é que, desde aí, João Mário foi quem mais caminho atalhou, tendo-se já imposto no onze, ainda que adaptado a lateral. Diogo Leite foi emprestado ao SC Braga.
Fábio Vieira continua a ser, no clube, um segredo bem guardado. Já esta época, depois de ter sido o melhor jogador do Europeu de sub21, só foi titular em três dos 17 jogos do FC Porto: as vitórias contra o Moreirense (5-0, com três assistências) e Gil Vicente (2-1, mas com o golo da vitória a surgir já sem ele em campo) e a derrota contra o Santa Clara, para a Taça da Liga (1-3). Se já foi capaz de resolver a questão-João Mário, baixando-o no campo desde a ponta final da época passada, e está em vias de resolver a questão-Vitinha, que tem vindo a somar minutos na dupla de médios ao lado de Uribe, Conceição ainda não completou o puzzle que lhe permitirá encaixar Fábio Vieira. Porque as caraterísticas de Fábio Vieira exigem uma de duas coisas: ou um 4x3x3 puro, com um ponta-de-lança e dois extremos, em que ele possa ser o terceiro médio, com preocupações quase exclusivamente atacantes, aproximando o sistema do 4x2x3x1; ou um 4x4x2 com meio-campo em losango, que assegure um melhor preenchimento dos espaços. Ora, no FC Porto, nem uma solução nem a outra estão em cima da mesa.
A questão é que este FC Porto está montado num híbrido de 4x4x2 com 4x3x3 que leva Otávio a partir da ala e a ser esse terceiro médio, com Díaz a ocupar o corredor contrário e a ser, muitas vezes, terceiro avançado. Há dois médios, posição na qual Conceição até conseguiu já encaixar o defensivamente menos rigoroso Vitinha, fazendo-o concorrer com Sérgio Oliveira por uma posição – a outra é de Uribe ou Grujic. Há dois avançados, pois Conceição percebeu que este FC Porto defende melhor se o fizer mais à frente, fazendo subir a zona de pressão. Depois há Díaz, o melhor jogador deste primeiro terço da Liga, em cuja posição, a vir do lado esquerdo, não se toca. Cedo se percebe que o único lugar que Fábio Vieira pode ocupar na maior parte dos jogos é o de Otávio, o luso-brasileiro que tem uma função taticamente muito complexa. E atenção que o FC Porto até já parece ter desistido de Corona, que podia vir ainda complicar mais o enredo. Fábio Vieira tem a qualidade de passe de rotura e a habilidade no um-para-um para poder dar ao FC Porto aquilo que Otávio dá em termos ofensivos. Talvez dê até mais, mas ainda não o suficiente para que a equipa seja montada em redor dele – isso é o que Conceição faz com Díaz. Assim sendo, falta-lhe ainda provar que é capaz de ter também a capacidade de restabelecimento de equilíbrios e a vontade de correr atrás dos adversários e da bola mostrada a cada jogo por Otávio. Até lá, continuará a ser a mais firme das promessas do FC Porto e à espera de vez.