Um jogo na sombra
O Portugal-Uruguai foi hoje engolido pelo excelente Espanha-Alemanha, pela derrota da Bélgica e pela face que o Brasil apresentará sem Neymar. Mas as Entrelinhas ainda lhe apresentam muito para ler.
Falta ao Portugal-Uruguai de hoje o sentido de urgência de outros jogos deste Mundial. Pelo menos se virmos a coisa pelo lado português. O Uruguai está pior, tem só um ponto, já não pode dar-se ao luxo de falhar, sob pena de ter de enfrentar uma última jornada complicada, mas o facto de não estar tão cotado leva a generalidade da imprensa internacional a passar ao lado do drama. Mesmo a atualidade da equipa portuguesa é muito mais centrada em Pepe, que Fernando Santos anunciou ontem que vai jogar. Mas o tema do dia é o Brasil sem Neymar. E o extraordinário Espanha-Alemanha de ontem.
A francofonia leva o L’Équipe a ocupar quase toda a primeira página com a proeza da seleção de Marrocos, que ontem venceu a Bélgica, deixando a geração dourada de Diabos Vermelhos em maus lençóis. O título da crónica de jogo, assinada por Mathieu Grégoire, “Maroc and Roll”, é excelente, mas se o que quer mesmo é perceber como vão as coisas no campo belga, já lhe recomendo a leitura do Les Sports, o suplemento desportivo do jornal belga La Derniére Heure. E rapidamente perceberá as fissuras, nomeadamente nas declarações do ex-defesa do Benfica, Jan Vertonghen, que reagiu às críticas anteriores de Eden Hazard acerca da idade avançada dos defesas, dizendo que “afinal o ataque também está velho”. O jornal belga será também a melhor forma de se manter em dia com os confrontos surgidos em Bruxelas depois do jogo: a Ministra do Interior, Annelies Verlinden, já veio negar qualquer relação entre os incidentes e o futebol.
O jogo do dia, ontem, foi no entanto o Espanha-Alemanha. No El País, que continuo a achar que é o melhor local para ler sobre futebol em Espanha, Diego Torres realça o jogão feto por Busquets, referindo que o médio “destapou as carências da Alemanha”. No The Athletic, Raphael Honigstein apresenta-nos Niclas Füllkrug, o panzer que há um ano marcava golos na 2. Bundesliga e que ontem saiu do banco para garantir o empate que mantém os alemães mais do que vivos: esperançosos. A derrota do Japão frente à Costa Rica, explicada no El Mundo por Francisco Cabezas como o “elogio ao futebol absurdo”, significa que desde que batam os costa-riquenhos por dois golos na última jornada, os alemães só não se apuram se o Japão ganhar à Espanha. E se é de golos que falamos, vale a pena ler o que escreve hoje no The Guardian Barney Ronay acerca da importância dos pontas-de-lança: “Talvez haja algo a dizer acerca dos chamados ‘especialistas’”. Se quer conhecer os argumentos dele à séria, já sabe – é ler o texto, que vai muito para lá do que foi o jogo antes de entrarem Morata e Füllkrug e no que se transformou depois. Sempre bom, mas diferente.
E eis que volta o Brasil, desta vez para enfrentar a Suíça sem Neymar, que se magoou logo no primeiro desafio, contra a Sérvia. A escolha do próximo herói depende muito de onde se lê. Em Espanha, no El País, David Álvarez aborda o desafio na perspetiva de Rodrygo, o atacante do Real Madrid que deve substituir o menino Ney no onze. Em Inglaterra, no Daily Telegraph, Tom Morgan já o faz a partir de Richarlison, o atacante do Tottenham que marcou dois golos no primeiro jogo, contra a Sérvia. É interessante que Rodrygo seja, desde criança, o imitador de Neymar em tudo, e que Richarlison seja apresentado como o anti-Neymar, pela diferença que impõe na sua conduta. E os brasileiros, o que dizem? Na Folha de São Paulo, Alex Sabino e Luciano Trindade apostam no reforço do meio-campo, com a entrada de Fred no onze o avanço de Paquetá para perto do ponta-de-lança. A edição de hoje da Folha evoca ainda a 50ª partida da seleção brasileira narrada por Galvão Bueno em Mundiais. O mítico narrador da TV Globo, que nasceu cinco dias depois do Maracanço, em 1950, tem 72 anos e cumpre o seu 13º mundial, o décimo a relatar os jogos do Brasil na TV aberta. É uma instituição. E vale a pena também ler, pelo contraste, a realidade que nos é apresentada por Nélson de Sá, jornalista da área de média, que descreve o que está a ser feito pelas Big Tech, bem patente no crescimento da CazéTV, do influenciador Casimiro Miguel, em plataformas como o YouTube, a Twitch, a Amazon ou a FIFA+. Não se adivinham tempos muito amistosos ou até dignificantes.
Então e Portugal? A verdade é que ninguém lá por fora parece muito interessado no nosso jogo. Régis Dupont, um dos 20 jornalistas que o L’Équipe tem em Doha, acompanha a seleção nacional há várias competições e aborda o jogo na perspetiva da complementaridade entre Cristiano Ronaldo e Bruno Fernandes. O artigo apresenta os números de Bruno Fernandes antes e depois do regresso de Ronaldo ao Manchester United e ouve a opinião de Leonel Pontes, treinador português que conhece o CR7 desde tenra idade. De resto, além de uma boa entrevista a Diego Forlán, feita por Lorenzo Calonge no El País, na qual o ex-colega do CR7 no Manchester United adverte que “Ronaldo parece estar em baixo mas na realidade não é assim”, o que há é muito Pepe. O regresso do veterano defesa-central, anunciado ontem por Fernando Santos, tirou o foco da imprensa internacional às interessantes declarações do selecionador e de Bernardo Silva na conferência de imprensa de ontem, a propósito de temas táticos e estratégicos. Eu escrevi também sobre isso nas Conversas de Bancada e recomendo a leitura do texto intitulado “Bernardo ‘Griezmann’ Silva”, escrito por João Querido Manha, no seu blogue pessoal, onde tem feito algumas reflexões absolutamente certeiras acerca do Mundial.
Conversas de Bancada
A Ler:
How does your country take a goal kick?, por Stuart James, no The Athletic, faz as contas a todos os pontapés de baliza deste Mundial e separa as 32 seleções pela filosofia subjacente a este momento tão definidor.
The Monster meets the Cannibal, por Jeremy Wilson e Thom Gibbs, no The Daily Telegraph, antevê o Portugal-Uruguai de hoje na perspetiva do confronto entre Pepe e Suárez. “Ponham os miúdos na cama!”
Something remarkable is happening in African football, por Sean Jacobs, no The New York Times, parte do facto de as cinco seleções africanas presentes no Mundial terem treinadores africanos para refletir acerca da evolução do continente.
“Ça fait vraiment Coupe do Monde”, por Alban Traquet, no L’Équipe, é uma reportagem com os muitos adeptos que preferiram pernoitar no vizinho Dubai e aproveitar os charters diários para o Qatar para ver jogar as suas seleções.
At this tournament, even when the game begins, the virtual world steps in, por Jonathan Liew, no The Guardian, mostra as inovações tecnológicas que marcam este Mundial, a começar no fora-de-jogo semi-automático.
Why so some of us support our national teams – and why don’t we all?, por Sarah Shephard, no The Athletic, parte em demanda por respostas a uma pergunta muito simples: por que razão gostamos que a nossa seleção ganhe?
El hombre que movía las bolas del fútbol, por Daniel Verdú, no El País, é um perfil de Gianni Infantino, presidente da FIFA, recordando, por exemplo, o papel de desbloqueador que as suas piadas tinham nos sorteios das competições.
Aux origines du Monde?, por Damien Degorre, Hugo Delom e Vincent Garcia, no L’Équipe, faz o balanço do apuramento já conseguido pela seleção francesa, avaliando o estado de espírito da equipa, a coerência na frente e a contribuição de Griezmann.
A migrant’s desperate day chasing work at the World Cup, por Tariq Panja, no The New York Times, acompanha um dia de Nazmul, um dos milhares de migrantes que trabalharam para que o Mundial pudesse arrancar e que agora não encontram ocupação.
Héroes imposibles, por David Álvarez, no El País, explica a situação lose-lose em que estão os jogadores do Irão, entre as críticas de quem quer que se associem mais aos protestos e as de quem acha que devem concentrar-se no futebol.
Mbappé, l’uomo d’oro, por Luca Bianchin, na Gazzetta dello Sport, eleva o atacante francês à condição de maior protagonista deste Mundial e equaciona, com números, a possibilidade de ele vir a valer mil milhões de euros, entre transferência, salário e sponsorização.
A Ouvir
O dia de ontem foi de depressão para os belgas, que viram a sua geração dourada cair ante uma ambiciosa equipa de Marrocos. A RTBF disponibiliza sob o formato de podcast não só os relatos e a antevisão das partidas da seleção belga, como também – e é disso que vos falo agora – a emissão de debriefing. Ontem à noite, com David Houdret, estiveram Pascal Scime e Joaquim Mununga, mas o Complètement Foot ouve também os protagonistas do jogo. Por lá passaram o selecionador, Roberto Martinez, e os jogadores Eden Hazard, Jan Vertonghen, Amadou Onana e Selim Amallah, o médio marroquino do Standard Liège que ontem ajudou os marroquinos a deixar a Bélgica mais longe do sonho mundial. Há ainda reportagem feita em diversos pontos onde se juntaram os desanimados adeptos dos Diabos Vermelhos, que agora enfrentam uma final com a Croácia se querem estar nos oitavos-de-final.
A ver
Camarões-Sérvia, 10h, Sport TV1
Coreia do Sul-Gana, 13h, RTP1 e Sport TV1
Brasil-Suíça, 16h, TVI e Sport TV1
Portugal-Uruguai, 19h, RTP1 e Sport TV1