Um exercício sobre a compatibilidade
Neres e Di María combinaram para fabricar o golo da vitória do Benfica sobre o FC Porto, o que prova que podem jogar juntos em partidas de alta exigência. Podem. Mas continuo a não achar que devam.

Roger Schmidt enganou-me e ganhou – e nestas coisas do futebol, quem ganha tem sempre razão, o que torna o lado de cá complicado de gerir, porque aqui nunca se ganha, quando muito pode tentar explicar-se porque é que quem está do outro lado perdeu. Afinal, o alemão andou toda a semana a fazer “bluff” com o equilíbrio, mas decidiu entrar com Neres, Rafa e Di María em simultâneo contra o FC Porto. Falta perceber se o fez por convicção futebolística, se o fez para deixar uma mensagem ao adversário, uma espécie de “aqui mandamos nós e por isso vamos com tudo”, ou se o fez simplesmente porque o brasileiro tinha sido o melhor em Portimão e Di María é intocável, a estrela da companhia, o que deixava o treinador sem alternativa a não ser acumular os dois. Dir-me-ão que isso agora não interessa nada, que o importante para o Benfica foi a conquista dos três pontos e que o facto de eles terem sido ganhos numa jogada em que Neres serviu Di María é a estocada final nos que duvidavam da possibilidade da sua compatibilização em jogos de alta exigência. Vou ao ponto de admitir que foi um rude golpe nessa teoria, mas não dou o debate como encerrado. O jogo de sexta-feira (e tem o FDV Flash a ele dedicado para ver aqui) teve um fator altamente mitigante, que foi a expulsão prematura de Fábio Cardoso, anulando boa parte da capacidade que o FC Porto poderia ter para jogar nas costas dos dois atacantes exteriores do Benfica. Com a saída de Romário Baró, de forma a compensar a perda do central através da entrada de Zé Pedro, Pepê deixou de poder vagabundear por onde o instinto e a leitura de jogo lhe dissessem para andar para ter de fechar a direita em permanência, o que tornou o jogo atacante do FC Porto bem mais previsível. E, mesmo assim, a primeira parte foi dividida. Na segunda, porém, o Benfica conseguiu meter intensidade na recuperação da bola e reduziu o adversário a uma espécie de saco de boxe, a quem nada restava a não ser absorver os golpes enquanto pudesse, na esperança de vir a fazê-lo até final sem ceder. E cedeu a uma jogada de Neres e Di María, o que transporta a discussão para San Siro, amanhã, na Liga dos Campeões. Irá Schmidt repetir a solução contra o Inter? Da decisão que ele tomar podemos começar a inferir quais foram as razões que o levaram a escolher aquele onze no sábado. Di María resolveu o clássico e Neres foi outra vez o melhor em campo, o que desde logo leva a que se mantenha uma das explicações. Portanto, se um deles saltar na terça-feira, restam as outras duas. Ou, apesar de ser conhecido por acreditar sempre mais na tática do que na estratégia e por não preparar os jogos em função dos adversários, Schmidt acha que este Inter lhe pode colocar desafios bem mais complicados do que este FC Porto – e se o achar não creio que se engane... – ou então é porque não crê verdadeiramente que esta é a melhor solução para a equipa que dirige e foi empurrado para ela pelas circunstâncias. No final, dirá sempre que prepara os jogos independentemente uns dos outros e que em cada ocasião faz entrar o onze que lhe parece mais preparado, o que infelizmente transporta o nível da discussão para a dualidade que descrevi no início. Ganhou? Fez bem! Perdeu? Fez mal! Só que o futebol é bem mais do que isso.
Gente feliz com problemas. O Sporting ganhou em Faro (e há FDV Flash do jogo para ver aqui) e assumiu a liderança isolada do campeonato pela primeira vez desde Maio de 2021, que foi quando se sagrou campeão. Os leões estarão felizes da vida, mas a verdade é que o que lhes sobrou da sofrida vitória (3-2) contra o Farense não foi só o primeiro lugar. Foi também um rol de preocupações, que começam na confirmação de que ainda falta à equipa o estofo mental que lhe permita controlar os jogos em que tem tudo a seu favor e acabam na convicção de que Adán já não está à altura do plantel que Rúben Amorim reuniu. Vamos com sete jornadas de campeonato e o Sporting já deixou por duas vezes os adversários recuperar de situações de 0-2 – neste último caso a jogar com dez, o que é ainda mais espantoso. Os leões ganharam ambos os jogos em cima da hora, mas uma candidatura firme não devia sequer ter permitido que o FC Vizela e o Farense pusessem esses pontos em dúvida. Vamos com sete jornadas e Adán já sofreu três golos de livre direto, uma anomalia estatística que lembra que o espanhol já custara alguns jogos à equipa na época passada – Braga, Marselha... – e que pode ter chegado a altura de o treinador pesar muito bem o efeito estabilizador que a sua experiência proporciona face às deficiências que ele demonstra em campo, por exemplo na construção de barreiras e tempo de reação nos livres diretos.
Isto só no “Tugão”. Luís Díaz fez um golo em jogada que o árbitro auxiliar anulou, assinalando um fora de jogo que as imagens demonstraram não existir, mesmo sem o recurso a linhas e a tratados de geometria avançada. A pressa de voltar a pôr o jogo a andar com rapidez levou o VAR a ser telegráfico na comunicação com o árbitro. “Verificação concluída”, terá dito apenas, aparentemente partindo do princípio que, de tão claramente regular, a posição do jogador do Liverpool FC tinha sido validada pela equipa no campo. Não tinha e isso acabou por redundar num erro clamoroso e grave. Isto, realmente, só no “Tugão”. Depois admiram-se que ninguém compre os direitos da nossa Liga lá fora...
Isto nem no “Tugão”. Quem gosta de futebol já há-de ter visto as imagens de um adepto do Athletic Bilbau, de braços cruzados e de frente para o jogo, em San Sebastian, sorridente e orgulhoso, com a camisola da sua equipa, rodeado de dezenas de adeptos da Real Sociedad, estes esfusiantes e de costas para o relvado, a pular para celebrar os 3-0 com que a sua equipa se impôs no dérbi basco. Se não viu as imagens, elas estão aqui, porque o Athletic aproveitou-as para passar a mensagem que o desporto tem o condão de espalhar. E isto é que não seria mesmo possível no “Tugão”, um campeonato onde, a julgar pela notícia colocada por “fontes oficiais do clube” em vários jornais de hoje, Pepe tenciona escapar a um castigo porque, afinal, os palhaços do circo a que ele se referia na publicação feita depois do clássico não eram os árbitros mas sim os comentadores televisivos de serviço naquela noite, classe muito menos digna e na qual me incluí – razão pela qual escrevo estas linhas com um nariz vermelho, uma peruca azul e um chapéu verde, para não parecer parcial. Mas não nos desviemos. O caso do adepto de San Sebastián começava por ser absolutamente impossível no “Tugão” porque, muito mais cuidadosos no tratamento dos adeptos, os nossos dirigentes evitariam pô-lo em perigo, impedido a entrada de gente com adereços alusivos aos visitantes para setores da equipa da casa. Depois, não seria provavelmente possível porque mesmo que um louco fosse apanhado ali no meio, nunca os nossos clubes se orgulhariam do facto de ele estar sorridente depois de apanhar três-zero. Isso seria um flagrante sinal de “falta de cultura de exigência”, como dizem por cá – e fizeram doutrina – os diretores de comunicação especializados na emissão de comunicados a analisar as arbitragens nos jogos dos rivais. E agora sim, sou eu que o digo. Depois admiram-se que ninguém compre os direitos da nossa Liga lá fora...
Eu estava em San Sebastian, infelizmente não vi o jogo (vi um resumo em Lisboa) e andei pela pela parte velha da cidade (e fotografei) com surpresa vi os adeptos do RS e do AB a beberem copos todos misturados….isto é que é um derby!!!!abraço