É um clássico, claro que importa
Schmidt e Conceição farão o Benfica e o FC Porto subir ao relvado da Luz com plena consciência daquilo que está em jogo. É um clássico. Desenganem-se os que acham que ainda é muito cedo para importar.
Benfica e FC Porto defrontar-se-ão hoje, na Luz, no primeiro clássico da época e o sentimento geral é de trivializar o jogo na avaliação da história do campeonato. “Ainda é cedo”, dizem. “São só três pontos”, acrescentam, lembrando que as duas equipas estão separadas por um ponto apenas e que, depois deste desafio, haverá mais 81 em disputa. É tudo verdade. Mas, como muito bem lembrou Roger Schmidt ontem, nunca são só três pontos. São os três que se pode ganhar e os três que o adversário inevitavelmente não ganha. O primeiro clássico da Liga é bastante mais importante do que vos querem fazer crer os artistas da desdramatização. Nos 23 campeonatos que leva este século só conhecemos dois campeões que perderam o primeiro clássico da Liga, que foram o Benfica de Giovanni Trapattoni, em 2004/05, e o Benfica de Rui Vitória, em 2015/16. Aliás, esses dois campeonatos foram tão anómalos que o campeão não perdeu só o primeiro clássico – a equipa de 2004/05 perdeu os primeiros dois, empatando o terceiro, e a de 2015/16 perdeu os primeiros três, pondo ambas o pé em cima do troféu com uma vitória por golo solitário (1-0 de Luisão em 2005 e de Mitroglou em 2016) no quarto. Isso, porém, na maior parte dos casos, não é possível. E se não é possível nem é por causa dos pontos, que os últimos anos já nos permitiram ver recuperações de desvantagens bem mais amplas do que as que tanto Benfica como FC Porto podem vir a ter em caso de derrota hoje. Na maior parte das ocasiões isso não é possível porque um clássico deixa sempre sequelas, nascidas mais da consciencialização do confronto direto do que dos seus efeitos práticos. Mais ainda quando estamos perante duas equipas que têm deixado crescer a dúvida em seu redor, como é o caso deste Benfica tão permissivo em temos defensivos ou deste FC Porto que só se tem imposto em desespero de causa, com mais gente na frente do que recomenda a teoria do equilíbrio geral. É muito por isso que o Benfica-FC Porto de hoje é mais importante do que parece.
Di María com ou sem Neres? Esta pergunta faz sentido porque tem vindo a ser colocada em tantos fóruns de internet que até levou os jornalistas a pô-la a Schmidt pela segunda semana seguida. Vão-se buscar exemplos à história do futebol, como se cada equipa não tivesse o seu próprio contexto, a sua própria realidade. Engendram-se planos que passam por um reforço da solidez atrás, com Florentino a fazer de cão de guarda, como se fosse possível no futebol de hoje partir um coletivo em sete que defendem e quatro que atacam. Schmidt não nega a possibilidade de usar os seus dois maiores criativos em simultâneo, não só porque já o fez – e nessas circunstâncias teve dificuldades tanto em Barcelos, primeiro, como depois em casa com o Vitória SC, mesmo a jogar contra dez e com 4-0 no marcador – como porque nunca se sabe o que o futuro lhe reserva. Mas esta é uma discussão morta à nascença. Não o é só por uma questão de pressão sobre o adversário em posse, que é algo que está no DNA do Benfica de Schmidt, que isso pode resolver-se, melhor ou pior, com a concentração de mais unidades no lado da bola. É sobretudo por uma questão de recuperação defensiva. Nenhuma equipa sobrevive a este nível em 4x4x2 ou 4x2x3x1 com dois médios-ala que não baixam, deixando aos dois médios-centro a obrigatoriedade de cobrir os 70 metros de largura do campo e sem hipótese de reagir a variações de centro de jogo. Fica melhor com bola? Também não é líquido que assim seja. O “equilíbrio” de que tantas vezes fala Schmidt não é só entre ações ofensivas e ações defensivas. É também entre caraterísticas no ataque. Di María e Neres dão criatividade no um para um, dão drible, dão criação de oportunidades de golo, mas depois é Rafa quem dá aceleração e mudanças de velocidade com bola, é João Mário (ou Aursnes) quem dá pausa e critério e é Musa quem garante presença na área e uma referência para fixar a última linha adversária. Os quatro perfis são necessários, como se viu, por exemplo, na Supertaça, quando Schmidt tentou abdicar deste último – porventura o menos vistoso – e teve de emendar a mão ao intervalo. Por isso, para responder à pergunta: muito me espantaria que jogassem os dois de início, porque aquilo que muitos vêm como uma afirmação de comando passaria por cima da noção de que mesmo num jogo em que se é dominador há sempre 35 por cento de posse de bola para o adversário. Em 60 minutos de tempo útil são 21 minutos inteiros sem a bola. É muito.
Então e Pepê? Sérgio Conceição anda à procura da melhor forma de estabilizar a equipa do FC Porto depois da perda de Uribe e Otávio, que eram as chaves-mestras táticas do sistema. Já tentou mudar a disposição em campo, com a experiência do 3x5x2 na Amadora – horrenda, mas ainda assim a render três pontos. Contudo, pelo menos visto daqui, parece que aquilo que tem de mudar é a ideia-base, de forma cumprir duas necessidades: encaixar o talento que tem ao dispor e mascarar as deficiências que lhe sobraram, sobretudo na última linha defensiva. A tarefa é hercúlea e o treinador do FC Porto está a encará-la em duas fases. Deu prioridade à segunda parte, dificultada pela lesão grave de Marcano, pelas indisponibilidades cíclicas de Pepe, pelos ocasos inexplicáveis de João Mário e pelas limitações tanto de Wendell (a defender) como de Zaidu (a atacar). Para sobreviver a este período – e está a fazê-lo com estrondo, tendo em conta os 18 pontos que lhe permitem ser co-líder – o FC Porto acentuou a sua identidade de equipa de transições, o que favorece em grande medida o futebol do veloz Galeno. Mas de caminho perdeu Nico González, não tem aproveitado devidamente Gonçalo Borges a não ser naqueles últimos momentos de desespero em que mete cinco avançados em campo e, sobretudo, escondeu Pepê, remetido ao banco por não ser tão próximo de Otávio na parte defensiva do jogo como é André Franco. O aparecimento do talento desequilibrador de Ivan Jaime é uma boa notícia para o FC Porto, que assim até esconde melhor a ausência de Evanilson, o seu melhor ponta-de-lança, que está outra vez magoado, avançando para o lugar Taremi. Em Galeno não se toca, como é evidente. Gonçalo Borges ainda está suficientemente tenro para poder ser encarado como reforço saído do banco e não me choca que Grujic e Nico sejam vistos como alternativas a Varela e Eustáquio, o primeiro porque já mostrou as suas limitações na prática, o segundo porque ainda não teve tempo para evidenciar em campo o que pode trazer a mais face ao contributo positivo do luso-canadiano. Mas esconder Pepê, o mais diferenciado dos jogadores de último terço de que o FC Porto dispõe, é algo que não me entra na cabeça. Na época passada, quando havia quem rasgasse as vestes por vê-lo jogar a lateral-direito, encarei essa saída como a melhor forma de garantir que ele entrava no onze – um pouco a exemplo do que faz Schmidt, ainda que por outras razões, quando baixa Aursnes para lateral. Mas tenho poucas dúvidas de que, estabilizada a equipa na tarefa que Conceição resolveu encarar em primeiro lugar, o caminho passa pela rentabilização do talento de gente como Pepê, Nico e até Gonçalo Borges.
Como ressuscitar um adversário. Foi estranho, mas interessante, o Estrela da Amadora-SC Braga de ontem (e há Flash do jogo para ver aqui). Com Zalazar mais uma vez em grande e os contributos de enorme qualidade dos três da frente, Horta, Djaló e Banza, o SC Braga arrumou a melhor versão do Estrela e chegou aos 3-0. Depois, seja porque Artur Jorge demorou a mexer, seja porque os jogadores em campo começaram demasiado cedo a pensar na viagem a Berlim e no jogo da Champions que aí vem, foi já amputados de algumas das suas melhores unidades que os estrelistas recuperaram até aos 2-3 – e tiveram o empate na bota do potente mas desastrado N’Dour. Continua a faltar ao SC Braga a continuidade que a profundidade do plantel lhe deveria permitir. A repetição do onze que venceu o Boavista é um bom sinal de que o treinador está a encontrar um perfil-base, mas agora falta dar-lhe consistência e evitar os desligamentos que obrigam os minhotos a marcar sempre pelo menos três vezes se querem ganhar um jogo. Assim não há quem resista.