Um ato de fé
Que o FC Porto está em dificuldades, é evidente. Como vai sair delas, eis o que separa Pinto da Costa e André Villas-Boas. Entre críticas e suspeições, o que cada um propõe aos sócios é que acreditem.
Palavras: 1266. Tempo de leitura: 6 minutos.
Não é preciso meter a UEFA ao barulho para se perceber que a situação financeira da SAD do FC Porto está complicada. E não é preciso ser-se um génio para entender que, mesmo não estando os extratos bancários expostos no museu, porque como dizia Pinto da Costa ninguém iria lá para os ver, se eles demonstram uma situação difícil e se do campo não surgem sinais promissores é mais improvável que se consiga a retoma imediata. Ontem, em entrevista à RTP, André Villas-Boas voltou a ser clínico na identificação do problema, mas fugiu conforme pôde a soluções. Falou em governança, na necessidade de melhorar a gestão, e deixou até dúvidas acerca da possibilidade de o clube voltar, a curto prazo, por exemplo, a uma final europeia. É verdade que justificou o ceticismo com as ameaças existentes “ao ecossistema” internacional e que, na verdade, pode até dizer que não conhece a real situação interna, porque não obteve respostas às perguntas que fez, mas além das críticas, por exemplo à elevada remuneração dos administradores, e das suspeições a propósito do financiamento do Quadrantis, o que ele pede aos sócios é um ato de fé. Pede-lhes que acreditem que quem lá está fez mal e que quem vai com ele fará bem.
Ontem foi notícia que o FC Porto teria voltado a falhar um dos controlos financeiros da UEFA e que, para poder inscrever-se nas provas europeias, tivera de pagar uma multa. O clube nega, a UEFA nem se mete nisso, que a última coisa que pretenderá é ver-se envolvida em eleições. A polarização existente neste momento na massa associativa leva ao extremar de posições e, na verdade, cada um acredita no que lhe diz o seu campo, mas isso devia ser relativamente indiferente. Porque embora um dos lados não o reconheça, assim, de forma explícita e com as letras todas, é inegável que a situação do FC Porto está muito complicada. É para ajudar a resolvê-la que a candidatura de Pinto da Costa anunciou que está a ultimar um financiamento de 250 milhões de euros, o tal que do lado de Villas-Boas se diz temer que acabe com a SAD nas mãos do Quadrantis, o fundo associado a João Koehler, figura de destaque na lista do atual presidente. Mas aí, lá está, voltamos a cair naquilo em que cada um acredita. Será assim? Não será? Não é bem a mesma coisa do que insinuar que Joaquim Oliveira quer apropriar-se dos direitos audiovisuais dos jogos do clube, porque na verdade, com a centralização, isso tornar-se-á impossível, mas está ao nível dos rumores que se aproveitam da relação próxima entre Villas-Boas e Antero Henrique e entre este e o dinheiro qatari para insinuar que com a vitória da oposição vem aí o emir para domar o dragão.
O problema do FC Porto, no entanto, está muito longe de ser esse. Seja o Quadrantis ou um qualquer fundo árabe – o QSI seria difícil, porque já comprou as ações do SC Braga que eram de... Joaquim Oliveira – o FC Porto precisa de uma de duas coisas: tempo ou dinheiro. Olhemos a factos. Se dividirmos os 42 anos de Pinto da Costa em quatro décadas, deixando de parte os dois primeiros, à laia de adaptação, vemos que o último foi o primeiro período de dez épocas em que o FC Porto não esteve sequer numa final internacional. De 1984 a 1993 perdeu a Taça das Taças mas ganhou a Taça dos Campeões, a Supertaça Europeia e a Taça Intercontinental. De 1994 a 2003 perdeu uma Supertaça Europeia mas ganhou a Taça UEFA. E de 2004 a 2013 ganhou a Liga dos Campeões, a Liga Europa e a Taça Intercontinental, mesmo perdendo as Supertaças após as duas primeiras. É efeito da tal mudança do “ecossistema internacional”? Talvez. Mas os sinais de perda de valor não se ficam por aí. O FC Porto foi seis vezes campeão nacional na primeira daquelas décadas, outras seis na segunda, oito na terceira e só tem três campeonatos nesta última. Se a esses factos juntarmos o agravamento das contas da SAD, que no relatório e contas do final da última temporada apresentou os capitais próprios mais negativos da história do futebol nacional, e – atenção que aqui já entra alguma subjetividade – a perda de valor de mercado do plantel, percebe-se que, como diz o ditado, há alguma coisa de errado que não está certo.
De acordo com o Transfermarkt – daí a tal subjetividade –, o plantel do FC Porto valerá neste momento um total de 283,6 milhões de euros. Diogo Costa surge como o jogador mais cotado, nos 45 milhões, e há mais quatro homens acima dos 20 milhões – Varela, Pepê, Galeno e Evanilson. Há dois anos, de acordo com o mesmo portal, o plantel do clube que conquistou pela última vez a Liga, com uns extraordinários 91 pontos, valia 403,5 milhões de euros, pelo que estamos perante uma quebra de valor na ordem dos 30 por cento. E, acima de tudo, uma quebra de valor humano que não teve correspondência na melhoria das contas. Porque uma coisa era haver menos jogadores valiosos e contas positivas, a refletirem a venda dos que já saíram, e outra é aquilo que se vê no Dragão. Dos dez mais valiosos de 2022, ainda lá estão Diogo Costa, Evanilson, Taremi e Pepê, mesmo que o iraniano se prepare para abandonar em fim de contrato e sem contrapartidas, no Verão. Ainda assim, apesar de Mbemba ter saído a custo zero e de Corona o ter feito em saldos, com Luís Díaz, Otávio, Vitinha e Fábio Vieira o FC Porto ainda fez mais de 180 milhões de euros – quanto é que de facto entrou no clube é outra questão, a chamar a atenção para a governança. Daí que, com as contas depauperadas e sem jogadores suficientes para poder resolver o problema com uma ou duas vendas cirúrgicas, das duas uma: ou o FC Porto obtém um financiamento avultado que lhe permita consolidar a competitividade, ainda que agravando a dívida, ou aposta numa nova geração e num modelo de gestão desportiva diferente, mais baseado na formação e numa ideia positiva em vez da atual, sempre mais feita de confronto, precisando necessariamente de esperar mais pela obtenção de resultados.
Villas-Boas não assumiu esta última opção. Não pode fazê-lo em contexto pré-eleitoral. Mas é a convicção de que esse é o caminho que ele prefere trilhar, já baseada na comunicação de base positiva e não confrontacional que tem utilizado – pelo menos abertamente... – que remete a sua proposta para mais um ato de fé da parte de quem nele votará. Da mesma forma que o facto de ele ter dito que a primeira pessoa com quem se sentará se ganhar as eleições será Sérgio Conceição, mas não ter sido absolutamente claro no compromisso de que essa conversa será para propor a renovação de contrato ao treinador tricampeão em 2018, 2020 e 2022, pode suscitar dois tipos de ideias. Não o fez por temer ouvir um não que imediatamente diminuirá o peso específico de uma segunda escolha? Ou por achar que o mérito indiscutível de Conceição nos títulos conquistados – sobretudo os dois primeiros – se coaduna pouco com a ideia que quer para o futuro do futebol do clube? Aqui, como em tudo o resto, cada um vai acreditar no que quiser, porque ninguém vai ser claro a este respeito.
Sem dúvida, a melhor e mais clara análise do momento atual do meu FC Porto. É por artigos assim - que dificilmente se veem na imprensa dita normal - que sou assinante. Obrigado