Três verdades no FC Porto
Há três verdades no momento difícil do FC Porto. Este plantel é fraco, o treinador não o tem feito subir de rendimento e o presidente anda um pouco perdido entre o que gostaria e o que tem de fazer.
Palavras: 1225. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
É verdade que a possibilidade de Chelsea ou Betis – ou até eventualmente a Fiorentina – vir a ganhar a Liga Conferência pode tirar a carga prática negativa ao desastre que seria o FC Porto acabar a Liga Portuguesa em quarto lugar, porque permitiria na mesma aos Dragões chegarem à Liga Europa sem a chatice das pré-eliminatórias, mas isso não quer dizer que a situação fique menos dramática para Martín Anselmi no caso de não conseguir recuperar ao SC Braga os dois pontos de atraso que tem neste momento, a três jogos do final. O treinador argentino poderia até fazer como Bruno Lage no auge da dúvida benfiquista e, como ele mesmo sugeriu ontem, dirigir-se aos adeptos sem a intermediação dos jornalistas, de maneira a constituir uma frente comum de combate à crise, mas isso de nada lhe servirá se, em campo, a equipa não mostrar sérias melhorias. Porque o momento do FC Porto não ilude três verdades. A primeira é que o plantel é indiscutivelmente mais fraco do que os dos rivais, o que mitiga a responsabilidade do treinador. A segunda é que, ainda assim, a equipa parece jogar menos à medida que se vai passando o tempo, o que a aumenta. E a terceira é que, vista a forma como André Villas-Boas justificou a saída de Vítor Bruno, Martín Anselmi está muito longe de ter garantido a continuidade “até 2027, pelo menos”, como ele mesmo garantiu ontem.
Chamei a atenção para o alçapão deixado entreaberto pelo presidente portista ao treinador logo a 26 de Março, era o FC Porto terceiro, a nove pontos do duo da frente, mas ainda com a receção ao Benfica por jogar e a esperança de reduzir distâncias. Desde então, em seis jogos, a equipa orientada por Anselmi perdeu com o Benfica e o Estrela da Amadora, marcou apenas seis golos (quatro deles de Mora) e sofreu oito, deixando que a desvantagem para o topo subisse para os atuais 13 pontos e permitindo a ultrapassagem do SC Braga na corrida pelo terceiro lugar. Se o principal argumento a favor de Anselmi foi o despontar de Rodrigo Mora sob as suas ordens – e o apagamento do adolescente nos jogos grandes permite duvidar que ele já estivesse pronto para ser lançado antes... – a maior crítica que se lhe pode fazer é que a equipa parece jogar cada vez menos. Os índices de criação têm diminuído a cada semana que passa, como se percebe pela simples leitura dos Golos Esperados nascidos das finalizações que fez: 1,96 contra o Estoril na 27ª jornada, 1,17 ante o Benfica na 28ª, 0,76 com o Casa Pia na 29ª, 0,72 perante o FC Famalicão na 30ª e apenas 0,54 frente ao Estrela da Amadora na 31ª. Sim, de facto o plantel do FC Porto é mais fraco do que o de Sporting e Benfica, sim, as transferências de Galeno e Nico González no mercado de Janeiro não tornaram as coisas mais fáceis, mas é evidente que a despeito da explosão de Rodrigo Mora, autor de um punhado de golos “individuais” nestas últimas semanas, a equipa está a cair aceleradamente.
E é esse fator que nos transporta para as justificações dadas pelo presidente André Villas-Boas na entrevista ao JN e a O Jogo nesse final do mês de Março: teria havido uma quebra de confiança do plantel em Vítor Bruno depois do ataque falhado à liderança da Liga, no início de Janeiro. São dessa altura as derrotas com o Sporting, na meia-final da Taça da Liga, e depois com o Nacional e o Gil Vicente, no campeonato. Vítor Bruno tinha acabado a primeira volta a um ponto do Sporting – e se tivesse ganho na Choupana teria sido líder a meio-caminho – e saiu, com 18 jogos, a quatro pontos dos leões e a um do Benfica, com a possibilidade de jogar em casa com ambos na segunda volta. O FC Porto fez 40 pontos na primeira volta e leva 22 – que podem ser, no máximo, 31 – na segunda. Será isto suficiente para que o plantel deixe de confiar em Anselmi, como alegadamente teria deixado de confiar em Vítor Bruno? Não só tenho a certeza de que sim, é suficiente, como tenho a mais profunda convicção de que essa não é forma de gerir uma equipa. E de que, até por ter sido ele próprio treinador, o presidente tinha a obrigação de o saber. O fundamental para o FC Porto, neste momento – como já o era no dia em que Villas-Boas despediu Vítor Bruno –, não é saber se o plantel confia em Anselmi. É interiorizar que o plantel é demasiado curto para lutar pelo que quer que seja. E perceber se Anselmi é capaz de liderar um grupo melhor e construído de acordo com as ideias que tem para uma equipa.
Simpatizei com a figura de Anselmi assim que ele chegou, porque o vi trazer uma lufada de ar fresco ao que é falar de futebol em Portugal. Identificava problemas concretos e apresentava as soluções que tinha engendrado, sempre sem complexos. Já não tenho apreciado tanto as suas comunicações mais recentes, porque agora me parece um homem acossado, que prefere silenciar aquilo que pensa a dar armas aos rivais – e, o que estranhamente agora o preocupa, “títulos aos jornalistas”. Como se as coisas estivessem a falhar por causa dos jornalistas ou dos títulos que eles têm feito e não devido à falta de qualidade de alguns dos seus jogadores e à falta de capacidade que ele tem tido para lhes melhorar o rendimento ou para neles instigar comprometimento, como se viu recentemente no episódio da festa de aniversário de Otávio. Não vimos Anselmi – ainda... – fazer aquilo que fez Bruno Lage, naquela famosa gravação com adeptos no parque de estacionamento ou no pedido que lhes fez, depois da derrota com o Casa Pia, em Rio Maior, em final de Janeiro. “Ajudem que eu vou resolver esta merda!”, gritou-lhes, depois de com eles ter estado a debater o momento do Benfica. Resolveu? É possível que sim, mas não creio que tenha sido por isso. Como não me parece que no FC Porto de hoje haja clima para uma cimeira semelhante.
Do que o FC Porto precisa hoje é de clareza nas ideias e na sua comunicação. Clareza a assumir que este é um plantel abaixo do nível a que o clube habituou os seus adeptos – ainda que me pareça evidente que a quebra não começou com esta nova administração, que não nasceu nas eleições, porque já se vinha notando desde meados da década passada, só mitigada pelo efeito que na equipa teve a geração campeã da Youth League, entretanto também já em boa parte perdida. E clareza acerca do futuro e de quem o vai comandar, se é Anselmi ou outro qualquer, sendo que me pareceria bizarro que depois de uma aposta tão firme o presidente já tenha mudado de ideias. E o problema aqui é que voltamos à terceira verdade que enunciei na abertura: Villas-Boas terá neste momento dificuldades em ser claro, porque ele próprio terá sérias dúvidas acerca da aposta que fez.