Três dias de sim ou sopas
A questão é mais evidente para Sporting e FC Porto, talvez até para o Benfica, mas ninguém pode pôr-se de fora. Hoje, amanhã e depois resolver-se-á muito do futuro europeu dos nossos clubes.
Palavras: 1514. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
O Sporting dará hoje, em Eindhoven, início a três dias potencialmente decisivos para a carreira das equipas portuguesas nas competições europeias desta época. É apenas a segunda de oito jornadas (seis para o Vitória SC, na Liga Conferência) da fase de Liga? Sim, é verdade. Mas quis o sorteio que esta segunda jornada juntasse desafios particularmente importantes para aquilo que parecem ser os objetivos de todos, que são a entrada no playoff para os que estão na Liga dos Campeões e nos oito primeiros para os que estão nas outras duas provas da UEFA. Há um total de pontos previstos para cada um desses desejos e, para o atingirem, esta é uma ronda que acabará por se revelar bastante relevante, seja no plano matemático ou até na dimensão mental da tarefa.
Comecemos pela Liga dos Campeões, onde o que está em causa nem são só os pontos. Mas em primeiro lugar sim, são mesmo os pontos. A UEFA fez milhares de simulações da fase de Liga e divulgou que, em média, 7,6 pontos chegariam para garantir uma vaga no playoff. Ora, as médias têm um problema: pode fazer-se essa média e não se chegar lá. A Opta, nas 50 mil simulações que fez desta fase, foi mais explicativa: onze pontos garantem uma vaga, dez em princípio também (há 99 por cento de hipóteses), nove dão uma boa chance (69 por cento), oito talvez cheguem (16 por cento), e com sete ainda é possível, ainda que improvável, jogar em Fevereiro. O objetivo, portanto, são os nove ou dez pontos – é possível entrar diretamente nos oitavos-de-final com 13 pontos, praticamente garantido com 15 ou 16, mas esse já parece um patamar demasiado ambicioso. Para chegar a esses nove ou dez pontos – diz a Opta, em projeções atualizadas já depois de realizada a primeira jornada, que os leões têm 93,8 e as águias 83,4 por cento de hipóteses de os atingir – os jogos desta semana são fundamentais. Porquê? Porque nessa análise já entra a questão da avaliação do grau de dificuldade de cada jogo.
Para o Sporting, os dois jogos mais difíceis entre os sete que restam serão em casa: as receções a Manchester City e Arsenal. É essa a minha avaliação subjetiva, mas é também a da Opta, feita com base nas tais 50 mil simulações. Quer isso dizer que para chegar ao objetivo a equipa de Rúben Amorim terá de pontuar fora. E distribuindo os jogos que fará no estrangeiro por grau de dificuldade também, encontra-se um muito complicado, em Leipzig, um difícil, em Eindhoven, e dois mais acessíveis, em Graz e Bruges – sobretudo o primeiro. Quis o sorteio que os leões encaixassem agora duas saídas seguidas, após as quais se seguem os dois jogos em casa com os adversários ingleses. Tudo o que sejam menos de quatro pontos nestes quatro jogos pode comprometer o objetivo – e até me parece mais possível somá-los nas deslocações do que depois nas receções a Manchester City e Arsenal. O jogo de hoje, contra um adversário que, juntamente com a equipa portuguesa, é o único dos campeonatos de topo a ter ganho todos os jogos da sua Liga – sete vitórias em sete jogos e também 25 golos marcados – não é decisivo, longe disso, mas exige uma prova de vida ao campeão português, até na capacidade de exportar para a Liga dos Campeões a segurança defensiva que lhe permite neste momento seguir com 594 minutos sem sofrer golos. E fazê-lo face a um ataque que tem sido demolidor e que já não fica a zeros desde Março, quando perdeu por 2-0 em Dortmund, na última Champions. Em casa, então, o PSV marca há 40 jogos consecutivos, desde um 0-0 com o Sparta Roterdão, em Janeiro de 2023.
Então e o Benfica? Se o Benfica até já somou três pontos fora, não está mais aliviado? Sim... e não. Sim, porque já fez essa parte da tarefa, a de ganhar fora ao adversário mais fraco do seu lote. A vitória do Benfica em Belgrado equivale, de certa maneira, à que o Sporting precisará de obter em Graz, na terceira jornada. A receção de amanhã ao Atlético Madrid, nesse aspeto, até equivalerá mais ao jogo que o Sporting fará em casa com o Arsenal e, no plano dos pontos, não será tão pressionante como foi a receção dos leões ao Lille OSC. As duas partidas mais difíceis que a equipa encarnada fará em casa são contra o FC Barcelona e o Atlético Madrid e a receção leonina ao Lille OSC encontra paralelo no jogo que as águias farão em casa com o Feyenoord – que depois o Bolonha é comum aos dois. Mas não, o Benfica não entra em campo mais aliviado, porque isso não significa que deixe de ter pressão. A pressão em cima do Benfica amanhã será mais performativa do que matemática, para ver até que ponto a inclinação para a frente que Bruno Lage trouxe à equipa se aguenta contra oposição mais séria ou se, perante este cenário, o treinador que substituiu Roger Schmidt optará antes por acautelar-se e voltar a uma perspetiva mais securitária. Nenhuma das duas abordagens está certa ou errada e nem sequer acho que se o Benfica amanhã baixar um pouco as linhas e procurar mais a posse do que o ataque permanente a zonas de finalização isso implicará alguma confusão na cabeça de jogadores que sabem que cada jogo tem a sua história. E um jogo com o Atlético Madrid será sempre um jogo de elevadíssima exigência tática. Será importante para o Benfica pontuar – e ganhar, então, seria perfeito –, mais até pelo que isso pode trazer ao processo de crescimento da equipa do que por causa da pressão da classificação. Porque uma boa performance contra uma equipa fortemente identitária como é o Atlético de Simeone será um sinal de que na Luz também começa a haver identidade.
Na Liga Europa, as exigências são diferentes. FC Porto e SC Braga entraram na competição com expectativas de poderem evitar o playoff e seguir diretamente para os oitavos-de-final, o que implicaria ali alguma folga nos calendários de final de Inverno. Mas os dragões já deitaram ao lixo uma boa oportunidade de somar pontos, perdendo em Bodø na jornada inaugural, e têm pela frente um enorme inconveniente: no calendário seguem-se aqueles que, no papel, serão os três jogos mais difíceis que enfrentarão na competição, que são as receções ao Manchester United e à Lazio e a saída a Hoffenheim. Este United, convém lembrar, não se tem mostrado nenhum papão e um bom FC Porto pode ganhar-lhe. E é aqui que entram as circunstâncias. O que as circunstâncias nos dizem é que provavelmente o FC Porto terá mesmo de vencer para manter as chances imaculadas. O exigível nos próximos três jogos – se a ideia era entrar logo nos oito primeiros – seriam uns seis pontos, mas a derrota na Noruega leva a que já seja preciso começar a recuperar e a apontar a um pleno que depois permita gerir as quatro últimas jornadas. Mas as circunstâncias também apontam para um United em crise. E o que trará esta crise? Uma equipa a responder à pressão para salvar o seu treinador de um destino que parece cada vez mais certo? Ou uma equipa a entregar-se ao castigo e a ansiar pelo início de uma nova era?
As mesmas circunstâncias apontam para um SC Braga em crescimento. Os dois golos de Bruma em cima do apito final da primeira jornada, a valerem uma vitória sofrida sobre o Maccabi, tiveram a devida continuidade num 4-0 sobre o Rio Ave que deixou toda a gente otimista e abre uma possibilidade de o SC Braga disparar na Europa. Se dividirmos o calendário minhoto ao meio, quatro dos cinco jogos mais difíceis serão os de encerramento: TSG Hoffenheim e Lazio em casa, AS Roma e Union St. Gilloise fora. O outro é o de quinta-feira. Muito do sucesso braguista na prova passa por chegar a meio do calendário com nove ou dez pontos – e isso implicará certamente pontuar em Atenas, contra um Olympiakos que Carlos Carvalhal conhece bem – já treinou lá este ano – e com o qual terá contas a ajustar, pois foi despedido. Tal como no caso do Benfica, há uma dimensão mais mental do que matemática neste jogo. Há que dar asas ao sonho confirmando a retoma da equipa, que é mais ou menos o inverso do que vai ter de enfrentar amanhã o Vitória SC, quando receber em Guimarães o NK Celje, na abertura da Liga Conferência. Esta é uma prova apenas a seis jornadas e na qual um dia mau terá mais peso. Além disso, depois do sucesso no dérbi minhoto, o Vitória SC perdeu com o FC Porto e não foi além de um empate com o Casa Pia. Esta é a altura de dar resposta.
A diferença entre os jogos fora e em casa, hoje em dia, não tem de todo o peso que tinha antes, daí que a UEFA tenha retirado a absurda regra dos golos fora. Sporting e Benfica são melhores equipas que a maioria dos seus adversários nesta fase, com exceção do Arsenal e City, no caso do Sporting e do Atlético de Madrid e Bayern de Munique, no caso do Benfica. Com alguns adversários difíceis como o PSV ou a Juventus, mas nada que estas duas grandes equipas não possam vencer, é um jogo muito difícil também para os adversários. Não vejo grandes razões para que o Sporting e o Benfica não consigam se apurar directamente para os 1/8.