Teste à harmonia
O Sporting de ontem foi uma equipa tão harmoniosa quem nem o treinador quis mexer-lhe antes do minuto 82, quando está a atravessar um ciclo particularmente exigente , a jogar de três em três dias.
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A primeira parte harmoniosa que o Sporting fez ontem em Moreira de Cónegos, com domínio absoluto de todos os momentos do jogo, articulação entre as linhas e os corredores a roçar a perfeição, complementada por uma segunda parte de gestão dos ritmos com bola – coisa em que esta equipa não era particularmente eficaz ainda no início da época... – pode justificar a relutância que o treinador mostrou a fazer substituições, que só abriu ao minuto 82, trocando Nuno Santos por Matheus Reis. E isso, se vem sublinhar o bom entendimento coletivo daquele onze, numa altura em que os leões enfrentam um ciclo terrível, pode enfatizar o que parece ser o maior óbice ao favoritismo que a equipa tem feito por justificar em campo: a menor profundidade do plantel, por exemplo em comparação com o do Benfica. O Sporting jogou no dia 15 com o Young Boys, em Berna, e a 19 com o Moreirense. E completará Fevereiro com desafios contra o Young Boys, em Alvalade, a 22, com o Rio Ave, a 25, em Vila do Conde, e o Benfica, a 29, outra vez em casa. A questão é que Março não vai afrouxar, sobretudo se a equipa se qualificar, como tudo indica que sucederá, para os oitavos-de-final da Liga Europa: há Farense a 3, primeira mão dos oitavos-de-final europeus a 7, Arouca a 10, segunda partida da Liga Europa a 14, e Boavista a 17, antes da pausa para os jogos das seleções. Serão 10 jogos em 32 dias – a mesma carga do Benfica, de resto, se os encarnados superarem o Toulouse FC. Não há uma gestão reconhecidamente recomendada para este tipo de situações. O que fazer? Confiar que a dinâmica de vitória chegará para atenuar os efeitos do cansaço? Trocar cinco ou seis jogadores numa partida de menor exigência, como fez Roger Schmidt contra o FC Vizela e possivelmente fará Rúben Amorim na quinta-feira, quando lhe tocar gerir os dois golos de vantagem que trouxe da Suíça? Mudar dois ou três homens a cada jogo, de maneira a manter toda a gente em alta intensidade, mas dessa forma aumentando o grau de dificuldade do trabalho de harmonização coletiva? Aproveitar a gestão dos castigos para fazer descansar os jogadores-chave em determinados jogos? – e aí teria feito sentido, por exemplo, que Gonçalo Inácio, que deu sinais de fadiga ontem, na forma como perdeu mais passes do que o habitual, tivesse visto na Suíça o amarelo que o afastaria da partida de quinta-feira, que certamente não jogará. Depende sempre dos grupos – e não há quem os meça melhor do que quem os lidera. Ainda assim, todos têm jogadores cuja troca pode ser vista como mais problemática. No Sporting deste mês, esses jogadores são sobretudo os dois nórdicos, Hjulmand e Gyökeres. Os leões olearam bem o seu 3x4x3, que transformam com agilidade num 3x2x5 a atacar, com dinâmicas próprias mas replicáveis ou ligeiramente alteráveis. Por exemplo: a equipa perdeu por um mês e meio Diomande mas encontrou na entrada de Quaresma uma nova arma, as subidas com bola que o treinador já procurava com o infeliz St. Juste. Outro exemplo: Morita foi para a Taça da Ásia, mas o recuo de Pedro Gonçalves para a posição de segundo médio veio dar-lhe uma maior capacidade de criar superioridade na frente – exigindo ainda mais de Hjulmand, porém. Coates acrescenta no jogo aéreo ou na experiência com que gere a pausa na saída de bola, Catamo é único na forma como mete o um para um desde trás, Trincão está em excelente forma, mas se qualquer deles sair parece haver substitutos capazes. Problema é mesmo se faltam Hjulmand e Gyökeres, o dinamarquês pela forma como faz a equipa mexer a um só toque e como depois lê o jogo sem bola e se posiciona para aguentar o meio-campo na ausência do parceiro, que foi reforçar a linha da frente; o sueco pelo modo como varia a receção de passes progressivos, ora como referência ora na profundidade, e como começa já a receber também em desmarcações de apoio para as entrelinhas, como a que fez no lance em que ofereceu ontem o terceiro golo que Trincão depois não marcou. São estes que Rúben Amorim tem de gerir com mais cuidado, porque se lhe faltam há riscos de aparecer um novo Sporting.
Os capitais próprios e o futebol. Talvez alguns de vós já se tenham questionado acerca das razões que levam a que, estando com tanta frequência em falência técnica, as SAD dos nossos clubes não tenham nunca fechado portas. E a razão é muito simples: a falência técnica é uma medição contabilística que muitas vezes esbarra no confronto com a realidade, porque nela se vê uma subvalorização frequente de ativos. Seja de jogadores do plantel, muitas vezes inseridos nas contas muito abaixo daquilo que valem na verdade caso venham a ser transferidos – o que se agrava face à nossa dependência das mais-valias –, seja de ativos fixos tangíveis, como é o caso, por exemplo, do estádio. O FC Porto reavaliou o Estádio do Dragão, explicou nos livros que ele na verdade valia mais do que estava contabilizado, e de repente ficou muito perto dos tais capitais próprios positivos que Pinto da Costa tinha prometido como condição para se reapresentar a eleições. Não foi uma operação de cosmética, que não está a mostrar nada que não seja real – os cash-flows gerados pelo estádio justificam o valor, de resto subscrito por um auditor externo. Quando muito terá sido um lavar da cara, um retirar das impurezas que lá estavam e que a faziam parecer mais feia. Mas que a coisa continua a não estar famosa, isso nem se percebe só pelo facto de o FC Porto ter assumido a urgência de antecipar mais dois anos de receitas televisivas, de forma a aliviar as necessidades de liquidez. A isso somam-se a dificuldade que terá para mexer com os números no mercado sem tirar à equipa os meios de que ela necessita para continuar a ser competitiva. Mas estas não são nunca contas capazes de figurar em relatórios semestrais ou anuais, porque nascem de uma perceção que é e será sempre subjetiva.
Foco em San Siro. O Inter de Milão esteve na última final da Liga dos Campeões, ainda por cima num ano em que parecia confirmar os malefícios do desinvestimento que se seguiu ao scudetto de 2021, quando acabou o dinheiro chinês e o treinador, Antonio Conte, abandonou logo um navio que se previa em afundamento. A equipa nerazzurra passou de 91 pontos para 84 (em 2022, campeonato perdido para o Milan) e para 72 (em 2023). Mas nessa época, que no plano interno acabou não apenas atrás do SSC Nápoles como da Lazio também, a final de Istambul foi um farol de reconquista que os homens de Simone Inzaghi souberam aproveitar. Este ano voltarão a ser campeões e têm opções muito válidas para se transformarem no mais perigoso dos outsiders na luta pela final da Liga dos Campeões. Só que, já nos oitavos-de-final, terão pela frente a outra equipa nessas condições, o Atlético Madrid a que Diego Siemone fez esta época um upgrade ofensivo, sobretudo através das alas, que manteve um meio-campo de faca na liga. Seja como for, é um Atlético que em 2024 já empatou três jogos com o Real Madrid, com um total de 16 golos em cinco horas e meia de futebol. E melhor cartão de visita não haverá.
Hodgson e a profissão de treinador. Há uns tempos, ainda o Toni não se tinha mudado da RTP para o Canal 11, depois de um programa em que tínhamos estado os dois em estúdio, dizia-me este antigo internacional e campeão nacional pelo Benfica que não entendia por que razão é que em Portugal não havia mercado de trabalho para treinadores acima dos 60 anos. A idade da reforma, na profissão que ele escolhera para continuar ativo depois de pendurar as botas, é cada vez mais precoce – e este ano até temos um José Mota (59 anos) a trabalhar no Farense, secundado por um Roger Schmidt e por um Paulo Sérgio (ambos de 56, no Benfica e no Portimonense) como que a desmentir essa tese, mas a média de idades dos treinadores de I Liga continua a situar-se bem abaixo dos 50. O Mundo mudou muito desde que Toni foi pela última vez campeão como jogador, em 1981, num Benfica treinado por um Lajos Baroti que já tinha uns provectos 66 anos de idade e cabelos brancos a condizer. Os sinais estão aí e ganham dimensão mediática, por exemplo, quando Jürgen Klopp assume a necessidade de fazer um ano sabático, porque essa é a única forma de lidar com a pressão existente ao mais alto nível. A profissão de treinador consome tanto mental como fisicamente de uma maneira absurda, pelo que um caso como o de Roy Hodgson, que aos 75 anos, em Abril do ano passado, ainda teve energia para pegar no Crystal Palace e o salvar da despromoção em dez intensos jogos de Premier League, é cada vez mais extraordinário. Hodgson, cujo primeiro título de campeão (na Suécia) remonta a 1976, ficou no Palace quase que em sinal de gratidão, mas saiu agora, depois de ter sido internado num hospital. Cederá a vaga a Oliver Glasner, austríaco de 49 anos e um dos mais fiéis discípulos de Ralf Rangnick na intensa escola do GegenPressing. Não é só, como explicou o clube em comunicado, uma questão de preparar o futuro. É sobretudo a de enfrentar um presente inacreditavelmente desgastante.
Curiosa a justificação que o Amorim deu para o facto de nao mexer na equipa e começar a poupar jogadores.
RA referiu que nao pode substituir os jogadores aos 60 minutos em todos jogos porque depois precisa deles para jogar 90 mins e nao aguentam o ritmo.