Somos todos Bruninho
O Brasil precisou de expor uma criança de nove anos a situações que não deve ter de experimentar para alertar consciências acerca do ódio clubístico. E Portugal também precisava de um caso-Bruninho.
Hoje vou falar-vos do Bruninho. O Bruninho, para quem ainda não sabe, é um jovem adepto e jogador de futebol nos sub9 do Santos FC. Chama-se, na verdade, Bruno do Nascimento, tem nove anos e agitou o Brasil nestes últimos dias por ter tentado ser aquilo que o ódio quis impedi-lo de ser em primeiro lugar e que o marketing ameaça seriamente agora: uma criança de nove anos que gosta de futebol. O Brasil está a aproveitar o seu Bruninho como pode para pôr um travão aos idiotas. E, a julgar pelo que vou vendo, Portugal bem precisava de ter um Bruninho para alertar consciências.
A história é simples de contar. No domingo, na sequência do clássico paulista, entre Santos FC e Palmeiras, Bruninho pediu a camisola de Jailson, guarda-redes suplente do “Verdão”. Como o “Peixe” tinha perdido o jogo, um bando de idiotas criticou o pedido, foi para cima do Bruninho e do pai dele, obrigando à intervenção da polícia militar, que retirou a criança da tribuna em segurança. O caso foi badalado e, na sua conta de Instagram “oficial” – o que já é um sinal, porque, afinal, trata-se de uma criança de nove anos... – Bruninho fez um story com um vídeo a pedir desculpa a quem se sentiu ofendido. E isto gerou uma onda de solidariedade gigante. O Santos FC demarcou-se dos idiotas, convidando Bruninho e o pai a assistir ao jogo de hoje, contra o Red Bull Bragantino, na tribuna de honra. Pelé tweetou de imediato em defesa da criança. Gabigol anunciou nas suas redes sociais que vai enviar-lhe uma camisola sua do Flamengo também. Neymar solidarizou-se com ele no Instagram. E o tema teve espaço nos mais diversos canais de televisão, como pode ver neste excerto:
O caso do Bruninho serve para alertar consciências e para que tentemos recentrar o futebol naquilo que ele deve ser: paixão, independentemente da cor, admiração a jogadores além da cegueira pelas equipas. É possível ser adepto de um clube e admirar jogadores de outro clube. É difícil e exige uma formação que não está ao alcance de todos, mas é possível. Está é cada vez mais raro. Ainda ontem, quando publiquei o fascículo do dia da série F80 (há link mais abaixo), dedicado ao antigo capitão do Benfica José Águas, que faria 91 anos se fosse vivo, 90 por cento dos comentários que o post teve no Facebook foram do mais puro ódio. Ainda perdi parte do meu dia a explicar a quem comentava que o F80 recorda um jogador por dia, sempre em dia de aniversário, e que numa semana nunca publico mais de um futebolista cuja história esteja marcada pela ligação a um mesmo clube, mas para quem vive no universo de cegueira clubística ali estava mais uma prova de que aquela era só mais uma maneira de glorificar o Benfica. Como noutras alturas outros acharão que só estou a elogiar o FC Porto ou a defender o Sporting.
O problema no caso do Bruninho é ao mesmo tempo a razão da sua força. É o marketing. Já me faz impressão que uma criança de nove anos tenha um instagram “oficial” – ainda não tem o certificado azul, mas não deve faltar muito... Depois, faz-me confusão o discurso da criança. Se não parou lá em cima para ver o clip de YouTube em que o vídeo do Bruninho está incluído, volte atrás, para perceber melhor o que digo: tudo aquilo foi ensaiado, tudo aquilo foi escrito por adultos sabidões, que colocaram o miúdo na posição ridícula de ter de pedir desculpas por gostar de futebol, com uso de todos os “clichés” a que recorrem os adeptos “famosos” nos programas de televisão. Nem sequer faltou o “sempre fui na Vila [Belmiro] nos momentos mais difíceis”. O Bruninho, ali, deixou de ser ele mesmo e passou a ser um objeto de marketing, o que me leva até a duvidar se é ele que gosta assim tanto do Jailson ou se é o pai que faz coleção de camisolas e se serve do filho como chamariz para as conseguir. E se for assim é pena, porque para denunciar a idiotice dos adeptos movidos a ódio foi preciso expor uma criança a situações que ela não deveria ter de experimentar.
Não tenho ilusões: como tudo o que acontece nesta era, o fenómeno Bruninho será efémero. Os idiotas continuarão a ser idiotas, porque para deixarem de o ser tinham de parar para pensar – e isso não lhes está no caráter nem na natureza. Mas Portugal bem precisava de um episódio assim, nem que fosse só para alertar consciências e fazer o tema do ódio clubístico entrar em algumas consciências. É por isso que, apesar de estar bem alerta para todos os problemas presentes neste caso, hoje digo que somos todos Bruninho.
Nao podia estar mais de acordo com este artigo de opininao. Lembro me muito bem de ver jogos da academica de coimbra em crianca ir ao estadio sozinho, la pelo meus 10 anos... no antigo municipal, e infelizmente ver cenas triste... como ofender jogadores ou fazer tudo menoa o que é esperado que um "dito adepto de futebol" deveria fazer... lembro me que este clubismo cronico e idiota ja existia no nosso país e a mim parece me estar a piorar. Em 2019 voltei a ver um jogo da academica com um dos meus filhos como um verdadeiro adepto de futebol e nao clubista... mas depois de uma decada sem ir ao municipal de coimbra... percebi que o numero de adeptos diminuiu consideravelmente e o nivel de tolerancia nao existe... o que deveria ser uma manha agradavel de bola, tornou se em eu ter de mudar de lugares durante o intervalo, para que o meu filho nao achasse que torcer por um clube é gritar e dizer palavroes por 90 minutos. Como ja nao vivo em portugal desde 2013 nem me lembrava destes episodios tristes. Para deixar claro eu sou um Fã do Clube Futebol União de Coimbra e Sporting Clube de Portugal. No entanto antes de tudo um grande fã de desporto. António Tadeia continue este excelente trabalho que é um gosto ouvi lo todos e ler os seus artigos.
Situações como esta deste jovem rapaz Bruninho mostra tudo o que está mal no futebol fora do campo.
Não pode gostar de jogadores que sejam de outros clubes sob pena de poder ofender adeptos do clube que apoia?Mas que mundo é este?Infelizmente o futebol está cheio de energumenos tão vidrados no seu clube que não vêem mais nada à frente.